ISA vê riscos na coleta de DNA indígena

Lançado pela National Geographic e pela IBM em abril, o Projeto Genográfico prevê a coleta de 100 mil amostras de DNA de indígenas de todo o mundo, para estudo da migração humana. No Brasil, ele será coordenado pela UFMG. Como todas as pesquisas envolvendo coleta e análise de dados genéticos, o Projeto levanta polêmicas devido ao risco de uso indevido das informações.

Lançado pela National Geographic e pela IBM em abril, o Projeto Genográfico prevê a coleta de 100 mil amostras de DNA de indígenas de todo o mundo, para estudo da migração humana. Dez centros de pesquisa integram o projeto, sendo que oito já deram início às pesquisas na América do Norte, Europa, Ásia e África. No Brasil, o projeto será coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mas ainda não foi oficialmente lançado. Como todas as pesquisas envolvendo coleta e análise de dados genéticos, o Genográfico levanta polêmicas.

As principais críticas se referem ao mau uso de informações genéticas, que podem levar ao controle social, através da quebra de privacidade dos indivíduos, combinada a determinação de padrões de normalidade a serem seguidos. Há também potencial para a criação de políticas de exclusão baseadas em características genéticas, bem como o potencial para a produção de medicamentos e patentes. Experiências negativas anteriores – notadamente o Projeto Diversidade do Genoma Humano -, a resistência cultural e o ativismo contra a biopirataria alimentam a desconfiança sobre o assunto.

“Com o DNA dos indígenas não será feito nenhum outro uso além da pesquisa histórica. Não há uso comercial dos dados ou do DNA”, afirma Fabrício Rodrigues dos Santos, professor da UFMG e coordenador do estudo no Brasil. Ele ressalta que a educação da sociedade quanto à necessidade de preservação e a importância das sociedades indígenas é um dos focos principais do projeto.

Mas para Fernando Mathias, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), organização de defesa indígena, o fato de o projeto ter objetivos históricos e sua equipe se comprometer a não fazer uso indevido dos dados não significa que outros não possam utilizar seus resultados, uma vez publicados. Nesse campo, a linha que define o bom e o mau uso é difícil de ser estabelecida.

“Há grande potencial para a indústria farmaco-genômica em usar a informação genética para identificar suscetibilidades ou resistências a determinadas doenças. No estágio tecnológico em que vivemos, a informação sobre o perfil genético de uma determinada população poderia ser usada, por exemplo, para o desenvolvimento de armas biológicas apontadas apenas para um determinado grupo étnico”, diz Mathias. “Há também potencial para a indústria de bioinformática com a perspectiva de criação de novas linguagens – baseadas não mais em sistemas binários 0-1, mas em sistemas quaternários A-C-G-T [iniciais das bases nitrogenadas que compõe o DNA] -, além de patentes sobre genes e processos de pesquisa e desenvolvimento. Daí o patrocínio do projeto por corporações de informática”, justifica.

O advogado acredita ser preciso refletir sobre a responsabilidade do setor acadêmico em viabilizar esse tipo de conduta. “No jogo do capitalismo, a instituição científica passa a ser um mero atravessador, cumprindo o desconfortável papel de mediar a problemática relação com comunidades indígenas ou locais, para alimentar a indústria – deliberadamente ou não – com informações cujo valor potencial de mercado passa a ser privatizado”, afirma.

O Projeto Genográfico no Brasil aguarda a autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que vão avaliar respectivamente os méritos éticos e científicos da pesquisa. Procurado pela ComCiência, o Conep informou já ter dado um parecer sobre o assunto, mas que ainda não pode ser revelado pois aguarda a opinião de consultores ad hoc. Junto ao CNPq, o estágio de avaliação não pôde ser confirmado. Se aprovado por essas duas instituições, o Projeto deve passar ainda pela autorização da Fundação Nacional do Índio (Funai). Só então os patrocinadores repassarão o financiamento para a pesquisa e o projeto será iniciado no país.

Metas Caso o projeto seja aprovado, a UFMG manterá a coleção de DNA de indígenas da América do Sul e parte da América Central e será responsável por todas as análises genéticas visando à elucidação das rotas pré-colombianas de migração que deram origem aos povos indígenas americanos hoje conhecidos. “A genética será utilizada para complementar a história e não para substituir os mitos e lendas de cada povo”, diz Santos, ressaltando que o Genográfico pretende divulgar a diversidade dos povos indígenas e de suas culturas ameaçadas, para aumentar as chances de manutenção das respectivas tradições, línguas e religiões.

Fernando Mathias, do ISA, discorda. “Entendemos que essa justificativa é equivocada e parte de uma premissa errônea segundo a qual todos os povos indígenas estão fadados à desaparição. Mas se considerarmos a realidade de países como Bolívia, Peru, Equador e México, onde boa parte da população é indígena, bem como no Brasil, onde os povos indígenas crescem a uma taxa demográfica duas vezes superior à média nacional, constatamos na verdade um movimento de afirmação, ao invés de extinção”, explica, sem negar o declínio demográfico de outras comunidades. Ele alerta que a catalogação dos genes dos indígenas poderia contribuir para intensificar a extinção das comunidades indígenas, já que essas poderiam ser consideradas “descartáveis”.

Manifestações contrárias ao Projeto Genográfico – como a da organização indígena norte-americana Conselho de Povos Indígenas sobre Biocolonialismo – remetem também à supremacia que a ciência moderna pretende deter sobre outras formas de conhecimento.

A participação no projeto é voluntária e depende da assinatura de um consentimento informado que garante os direitos de cada indígena sobre seu DNA, incluindo a destruição do código genético caso a pessoa decida se retirar da pesquisa posteriormente. Mas o processo de consentimento, para não ser falho, precisa esclarecer em profundidade quanto aos potenciais riscos de uso dessa informação para outras finalidades que não o objetivo estritamente científico do projeto.

Informatização deve agilizar registro de marcas e patentes no INPI

Atualmente registrar uma marca ou patentear uma invenção pode levar de 5 a 10 anos. Mas a digitalização do INPI promete reduzir substancialmente este período e acelerar o processo de inovação no país.

Quem cria uma marca ou faz uma inovação e deseja protegê-la comercialmente no Brasil deve procurar o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), providenciar uma série de documentos e esperar por 5 a 10 anos. Durante o período de espera, o requerente não tem a propriedade industrial de sua criação reconhecida. Mas essa realidade está com os dias contados, pelo menos no que se refere aos pedidos de registro de marcas, conforme afirma o presidente do Instituto Roberto Jaguaribe. “Até novembro deste ano a informatização do registro de marcas no INPI deverá eliminar o uso de papel e reduzir o tempo de espera para obtenção do registro para menos de um ano”, diz.

O INPI decidiu informatizar primeiro o registro de marcas, pois há um estoque maior de pedidos e os processos são mais simples, comparativamente às patentes. Atualmente, há cerca de 600 mil pedidos de marcas e 130 mil pedidos de patentes aguardando parecer.

A informatização do registro de marcas está em fase de testes, aguardando homologação, e deverá conferir maior eficiência e transparência nos processos, com estímulos aos investimentos e redução da pirataria. De acordo com Jaguaribe, o investimento na informatização do sistema de registro de marcas teve custo aproximado de R$ 6 milhões. Apesar do elevado volume de investimento, não há previsão de aumento nos custos para o registro de marcas.

Não está tão adiantada, no entanto, a informatização do registro de patentes. Mesmo quando concluída, o uso de papel não deverá ser totalmente eliminado, dada a complexidade de alguns anexos nesse tipo de documento, mas o INPI prevê que o tempo de espera para o registro de uma patente caia de cerca de 9 anos para 4,5 anos em 2007. A redução do tempo de registro de uma patente para menos de 4 anos ainda não está prevista, pois exigiria mudanças na legislação sobre propriedade industrial.

As expectativas dos usuários do INPI são grandes. Para a Inova, agência de inovação da Unicamp encarregada pela efetivação dos pedidos de patentes da universidade, a redução do tempo para o registro das patentes terá impactos significativos sobre o estímulo à inovação na universidade. Ciro de Lacerda, assessor técnico em propriedade industrial da Inova, diz que o sistema em papel atrasa muito a efetivação do registro, prejudicando os requerentes. “Ainda não sentimos nenhum efeito da informatização do INPI, os processos continuam em papel e lentos, mas o sistema on-line deverá mudar esse quadro, aproximando-se do que acontece em países desenvolvidos”, diz.

A demora na concessão de patentes é muitas vezes apontada como um entrave à inovação no país, pois gera incerteza para os investidores e permite que exploradores se aproveitem indevidamente de inventos e idéias que aguardam o registro. “Ainda assim, acredito que os maiores entraves à inovação no Brasil não decorram das deficiências do INPI, que reconheço, mas da falta de cultura de inovação das empresas”, afirma o presidente do Instituto.

Para Roberto Castelo Branco Coelho de Souza, consultor e ex-diretor geral adjunto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a demora para se registrar uma patente causa um dano muito grande para a economia nacional. “Espero que a informatização do INPI não seja apenas a reprodução do processo que era realizado em papel para o meio computacional, pois o mesmo procedimento ineficiente em outro meio não trará efeitos significativos”, diz. Souza identifica ainda o problema do corporativismo no órgão como um entrave à sua eficácia e acredita que a autonomia deve estar acima dos confrontos políticos.

Lacerda esclarece que a posse do número de protocolo, e, posteriormente, do número de patente requerida, já confere ao requerente direitos sobre seu invento seja para licenciá-lo ou para proteger-se ante as ameaças de concorrentes. “Mas muitos empresários acreditam que só terão direitos sobre a invenção depois da aprovação do pedido, anos depois, e por isso são desestimulados a inovar”, afirma.

Na Inova, após a produção do relatório de solicitação da patente, o pedido é encaminhado ao INPI e, em 48 horas, o requerente já recebe um número de protocolo, que é substituído pelo número de patente requerida em três meses. Ainda assim, de acordo com o assessor técnico do órgão, “não é confortável essa longa espera, pois o inventor pode ter sua patente recusada e os licenciadores podem sentir-se prejudicados por terem passado anos pagando pelo uso de uma invenção sem valor”.

O processo de informatização não se limitará ao registro de marcas e patentes, mas deve atingir toda a gestão do órgão. O projeto chamado “INPI sem papel” visa aproveitar melhor os recursos da internet para agilizar o preenchimento e a análise de pedidos. Além da informatização, o Instituto está contratando novos examinadores. Até agora, de acordo com Beatriz Amorim, diretora de articulação e informação tecnológica do Instituto, foram contratados 460 novos servidores, entre os quais 320 examinadores e os demais de áreas administrativas.

Para digitalizar seu funcionamento, o INPI contratou o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), uma empresa vinculada ao Ministério da Fazenda que desenvolve softwares para atender as diversas necessidades do setor público, como o sistema de declaração do imposto de renda via internet. Segundo Roberto Jaguaribe, o Serpro tem a vantagem de não ter de participar de processos de licitações, o que acelera o processo.

Norte-americanos tentam evitar extinções com reprodução em cativeiro

Para combater doença que ataca anfíbios na América Central, um grupo de pesquisadores transportou representantes de várias espécies para os Estados Unidos. A iniciativa causa discordâncias de colegas, que acreditam que conservação tem que visar proteger a área natural de ocorrência dos animais.

A rã-de-vidro do Panamá está sendo dizimada pelo quitrídio.
Foto: Ron Holt

 

A extinção ameaça anuros (sapos, rãs e pererecas) na América Central, devido à doença causada pelo fungo quitrídio Batrachochytrium dendrobatidis. Segundo o pesquisador do zoológico de Atlanta (EUA) Joseph Mendelson, em fevereiro deste ano a doença chegou à região panamenha de El Valle. De fevereiro para cá, cada vez mais animais têm sido encontrados mortos. “Todos os dados e precedentes indicam que os anfíbios serão virtualmente eliminados do local antes do fim de 2006”, alerta o pesquisador, que faz parte de um esforço de criar os animais em cativeiro nos Estados Unidos e, em breve, no Panamá. A iniciativa gera protestos na comunidade científica, que questiona até que ponto esse tipo de intervenção é eficaz para proteger espécies ameaçadas.

A chegada do quitrídio a El Valle estava prevista em um estudo publicado em fevereiro deste ano, que demonstra o avanço da doença para o sudeste ao longo da Cordilheira Central panamenha. Os dados permitiram calcular quando o último enclave de várias espécies – El Valle – seria atingido.

O aviso antecipado permitiu que Mendelson e colegas organizassem uma operação de resgate, que retirou centenas de sapos do Panamá. Em tempos de caça à biopirataria a iniciativa causa desconfiança, mas os herpetólogos (especialistas em répteis e anfíbios) agiram com o aval das autoridades panamenhas.

Para obter a autorização de coleta os norte-americanos, em colaboração com o colega panamenho Roberto Ibáñez, apresentaram à Autoridade Nacional do Meio Ambiente (Anam, na sigla em espanhol) um relatório que demonstrava a iminência das extinções. Como resultado, foi feito o acordo de remoção dos animais, assim como a construção de instalações no próprio Panamá – o El Valle Amphibian Conservation Center (EVACC), construído pelo zoológico de Houston (EUA). Este centro só estará em pleno funcionamento em agosto próximo, o que poderpa ser tarde demais para os animais. Por isso, argumenta Mendelson, foi preciso começar o projeto nos Estados Unidos. Neste momento, novas coletas estão sendo feitas nas áreas já afetadas pelo fungo para transferir anuros para o cativeiro local e tratá-los.

Diversidade genética

Um ponto muito debatido da conservação em cativeiro é a dificuldade de manter diversidade genética adequada. Embora representantes de uma espécie sejam muito semelhantes a nossos olhos, há um imenso acervo oculto. É essa diversidade no patrimônio genético que permite a uma espécie reagir a doenças, por exemplo – os indivíduos com capacidade de resistência sobrevivem e se reproduzem. “Preservar 15 indivíduos não adianta, geneticamente a espécie está extinta”, argumenta Célio Haddad, herpetólogo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro.

Joseph Mendelson concorda, e explica que o ideal seria montar uma população em cativeiro com um número muito grande de indivíduos não aparentados, de forma a manter variedade. Mas a realidade é outra. “O que faz um conservacionista quando só restam cinco indivíduos daquela população no planeta?”. Numa situação de emergência, ele defende que se faça o possível. É provável que a iniciativa fracasse em impedir extinções, mas o norte-americano acredita que as tentativas não prejudicam outras estratégias.

No caso dos animais transportados para o zoológico de Atlanta, a equipe coletou tantos indivíduos quanto possível, de 35 espécies que corriam maiores riscos de extinção, segundo estudos anteriores. Dessa forma, algumas espécies estão representadas por quatro indivíduos; outras, por 40. Longe do ideal, mas, de acordo com Mendelson, o possível. Ronald Gagliardo, também do zoológico de Atlanta, diz que já conseguiram reproduzir em cativeiro cerca de uma dúzia de espécies, algumas delas pela primeira vez no mundo.

Talvez seja possível manter os animais vivos e reproduzi-los em cativeiro. Mas o passo seguinte é ainda incerto. Para reintroduzir os anuros em seu ambiente original, muita pesquisa é ainda necessária. Retornar a áreas infectadas seria uma sentença de morte, afirma Gagliardo.

Estratégias de conservação

Além das dificuldades técnicas em se criar uma população representativa em cativeiro, muitos biólogos acreditam que iniciativas de conservação ex-situ (fora da área natural de distribuição) são perigosas. Kelly Zamudio, da Universidade Cornell (EUA), acha que elas “passam a idéia errada de que são a solução para problemas ambientais”.

Joseph Mendelson, porém, argumenta que este caso é especial. “Mesmo os habitats mais preservados do mundo e as leis mais restritivas estão fracassando em evitar extinções de anfíbios”. O quitrídio não respeita leis nem parques nacionais. Ele defende a importância de se fazer pesquisa básica para compreender a genética da resistência a doenças em populações remanescentes. No entanto, esses estudos demoram, e o herpetólogo argumenta que é necessário ter animais vivos para no futuro tentar reintroduzi-los no ambiente.

Mas o conceito de conservação ex-situ vem ganhando força, sobretudo nos Estados Unidos. É o que conta Bruno Pimenta, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Projetos desse tipo chamam muito a atenção da mídia, sendo altamente atrativos para doadores (empresas, fundações, etc.)”, afirma. Por isso, segundo ele, o enfoque de cativeiro foi destaque no Plano de Ação de Conservação de Anfíbios, um workshop que reuniu 60 cientistas de todo o mundo em setembro do ano passado em Washington (EUA). O pesquisador relata que a maioria de seus colegas foi contra a adoção dessa estratégia, que cresce em detrimento de investimento para estudos do meio ambiente e sua proteção.

No Brasil, o quitrídio foi detectado, mas até agora não se mostrou letal como na América Central. Até agora, o grande desafio de conservação é a perda de habitat devido a desmatamento. Haddad sugere que fazendeiros sejam obrigados a reconectar fragmentos de Mata Atlântica, de forma a proporcionar uma maior área viável para animais. “A conservação tem que ser feita in situ“, defende.