Especialistas defendem usinas nucleares de pequeno porte no Brasil

A energia nuclear é produzida no Brasil pelas usinas de grande porte Angra I e II. Apesar da proposta para a implantação de mais uma grande usina, Angra III, a construção de usinas nucleares de pequeno porte no Brasil não está descartada e é defendida por especialistas.

A energia nuclear é produzida no Brasil pelas usinas de grande porte Angra I e II. Apesar da proposta para a implantação de mais uma grande usina, Angra III – conforme o Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 – a construção de usinas nucleares de pequeno porte no Brasil não está descartada e é defendida por especialistas. No mês passado, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Pinguelli sugeriu, durante seminário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Buenos Aires, a construção de reatores de pequeno porte, em parceria com a Argentina. “Por enquanto é apenas uma sugestão, resta saber a posição do governo sobre o assunto”, diz Pinguelli.

Para Ennio Candotti, presidente da SBPC, a idéia foi muito bem recebida pelo governo argentino, embora ainda não exista nenhuma manifestação oficial sobre o assunto. Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, afirma que a construção de reatores de pequeno porte traria resultados positivos para a geração de energia, sobretudo na região nordeste. “Na revisão do Programa Nuclear Brasileiro [2004], foi proposta a construção de quatro reatores de pequeno porte, além de dois grandes reatores. Só estamos aguardando a apreciação do presidente da república”.

Quanto à sugestão de se firmar parceria com a Argentina, Gonçalves faz algumas ressalvas. “Embora esses países tenham uma longa história de cooperação, é preciso estudar como compatibilizar as tecnologias desenvolvidas em cada país”. Os dois reatores argentinos em operação hoje (Atucha 1 e Embalse) são de água pesada pressurizada (PHWR, na sigla em inglês) e utilizam como combustível o urânio não enriquecido, diferentemente do urânio utilizado nos reatores das usinas Angra I e II (de água pressurizada – PWR, na sigla em inglês), enriquecido a 3,5%.

Entretanto, a Argentina está em fase avançada no desenvolvimento de um reator PWR, denominado Carem (Central Argentina de Elementos Modulares). Desenvolvido pela Comissão Nacional de Energia Atômica e a estatal Invap, o Carem utiliza urânio enriquecido a 3,4%. No Brasil, a tecnologia de propulsão nuclear de submarinos desenvolvida pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) pode ser facilmente adaptada para a construção de reatores de pequeno porte, afirmam Pinguelli e Gonçalves. Está também em desenvolvimento pelo Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob coordenação da Agência Internacional de Energia Atômica, um reator nuclear PWR baseado na concepção de leito fluidizado. Esse reator é constituído por módulos e, portanto, pode ter qualquer tamanho.

O professor da UFRJ e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Física, Fernando de Souza Barros, acredita que o reator de pequeno porte seria compatível com as limitações financeiras de países como o Brasil. “O reator poderia ser transportado por balsas através de rios para locais remotos e ser utilizado em regiões áridas do norte e nordeste brasileiro, para produção de água potável, por exemplo”, diz. Outras vantagens apontadas seriam o menor volume de resíduos radioativos produtivos e um perigo potencial menor, em relação os reatores de grande porte. Mas Gonçalves enfatiza que o que existe é uma diferença de escala. “Com os pequenos reatores, as conseqüências de um possível acidente ocorreriam em escala menor”, diz.

Tecnologia nacional

Os reatores de pequeno porte em desenvolvimento no Brasil, assim como o Carem na Argentina, representam também a independência tecnológica do país, que, para construir Angra I e II, comprou tecnologia de empresas estrangeiras (Westinghouse e Siemens). Para o professor emérito do Instituto de Física da Unicamp Rogério Cezar de Cerqueira Leite, se o país compra pacotes fechados, não há como desenvolver capacitação tecnológica própria. Segundo o professor, o Brasil deve desenvolver tecnologia nuclear e para isso só há um caminho: construir seus próprios reatores.

Os Estados Unidos já estão desenvolvendo um reator nuclear portátil, chamado SSTAR, para ser vendido a países em desenvolvimento, que deverá estar pronto para testes em 2015. O equipamento não exige recarga de combustível e poderá produzir energia elétrica por 30 anos, mas seus produtores cuidariam do resíduo radioativo produzido. A compra desse reator poderia colocar o país numa posição tecnológica frágil, pois não haveria aproveitamento da capacitação local existente, qualquer problema ao longo de sua utilização exigiria a contratação externa de serviços e, ao fim dos 30 anos, o país teria que renovar as compras desses reatores. Segundo Gonçalvez, “o Brasil já tem tecnologia para desenvolver seus próprios reatores de pequeno porte, além do domínio em enriquecimento de urânio”.

A discussão sobre investimentos nesses reatores de pequeno porte ainda está no início e deverá enfrentar oposições à energia nuclear, com seu sempre-presente risco de desastres atômicos, altos custos operacionais – que os reatores de pequeno porte devem reduzir – e a possibilidade de usos militares, vetada por lei no Brasil.

Na Inglaterra, um relatório sobre energia recém-publicado reconhece a importância da energia nuclear e defende um equilíbrio entre as diferentes fontes de energia, em um momento em que o primeiro ministro Tony Blair fala na construção de 12 novas usinas nucleares. Os ambientalistas já estão se manifestando contra, como mostrou o jornal britânico The Independent (12/07). “[A usina nuclear] consome verbas – que poderiam ser mais eficientemente usadas em outras áreas – e possui alta emissão de carbono durante sua construção e no processamento do combustível. Na verdade, as reservas já limitadas de urânio enriquecido logo se extinguirão, forçando a exploração de fontes de urânico não enriquecido – elevando os custos e as emissões de carbono ainda mais”, afirmou Keith Taylor, do Partido Verde inglês.

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Reportagem sobre Energia Nuclear

Jovem doutorando em física é destaque em revistas internacionais

O doutorando Paulo Dainese, do Instituto de Física da Unicamp, conseguiu aos 27 anos um feito aspirado por muitos pesquisadores veteranos. No mês maio, um artigo em que assina como primeiro autor figurou na capa da edição de 1º de maio da Optics Express. E no mês de junho, outro artigo com um enfoque diferente foi destaque na revista on line e na versão impressa da Nature Physics.

O doutorando Paulo Dainese, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, conseguiu aos 27 anos um feito aspirado por muitos pesquisadores veteranos. No mês maio, um artigo em que assina como primeiro autor – entre pesquisadores da Universidade de Bath, da Inglaterra, do Instituto Max-Planck, da Alemanha, e do Institut Femto, da França -, figurou na capa da edição de 1º de maio da Optics Express, publicação on line da Optical Society of América (OSA). E no mês de junho, outro artigo sobre o mesmo tema, com um enfoque diferente, foi destaque na revista on line e na versão impressa da Nature Physics.

Os artigos apresentam os resultados alcançados nas pesquisas que ele realizou durante o seu doutorado, no Laboratório de Comunicações Ópticas (LCO), do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) da Unicamp. Orientado pelo coordenador do Cepof, o professor Hugo Fragnito, Dainese estudou o espalhamento estimulado de Brillouin em fibras de cristal fotônico.

O efeito Brilloiun ocorre em diversos materiais e foi primeiramente estudado pelo físico francês Marcel Brillouin (1854-1948). Como explica a pesquisadora do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPDQ), Miriam Regina Xavier de Barros, especialista em Comunicações Ópticas, com pós-doutorado em telecomunicações pela Lucent Technologies, dos Estados Unidos, este efeito é bem conhecido em fibras ópticas convencionais, usadas para transmissão de sinal pelas operadoras de telecomunicações para interligar estações em cidades diferentes. Ele ocorre quando a intensidade da luz injetada na fibra óptica é forte e é considerado um efeito indesejável, pois causa perda de parte do sinal injetado na fibra. “É muito importante compreendê-lo, para evitar que ele ocorra”, afirma.

No caso das fibras ópticas fotônicas, desenvolvidas na Universidade de Bath, em 1995, esse efeito consiste num espalhamento de luz causado pela interferência de ondas acústicas, chamadas fônons, no núcleo da fibra, que limita a potência de transmissão óptica.

Diferentemente da fibra óptica convencional, construída em vidro, em que o núcleo por onde a luz é transmitida é circundado por uma casca compacta, a fibra de cristal fotônica, idealizada com o intuito de maximizar o potencial de transmissão óptica, têm o núcleo diminuto – do tamanho de um micrômetro, medida que corresponde à milionésima parte de um metro – envolvido por um material repleto de micro-furos por onde o ar circula.

Basicamente, o que Dainese e seus companheiros de equipe observaram é que nas fibras fotônicas a interação fóton-fônon, ou seja, de luz e ondas acústicas, é muito mais forte. A presença do ar nos micro-furos, incapaz de transmitir fônons (vibração acústica) de tão alta freqüência como os gerados pela própria luz (2 GHz), faz com que o som se concentre no núcleo da fibra, interferindo na transmissão óptica. Em outras palavras: as vibrações fazem com que parte da luz emitida pela fonte geradora seja devolvida ao ponto de origem (retroespalhada, ou seja, refletida para trás). Aqui também o efeito Brillouin impede (ou dificulta) que a informação transmitida chegue ao seu destino.

De acordo com Fragnito, orientador do estudo, o avanço realizado pelo grupo foi conseguir demonstrar que o diâmetro do núcleo das fibras, desenvolvidas especificamente para essa pesquisa, influencia diretamente na ocorrência do efeito de Brillouin. “Há anos pesquisamos esse fenômeno na esperança de que, se o entendermos melhor saberemos como eliminá-lo”, relata.

Dainese conta que ao iniciar o doutorado não tinha muita certeza sobre o que gostaria de trabalhar e passou muito tempo procurando algo interessante a que se dedicar no laboratório. E ao definir o tema de sua tese, não estabeleceu algo que pretendia provar. “Na área de engenharia, existe muito disso. O aluno resolve que vai desenvolver um dispositivo que vai ter uma utilidade determinada. Na ciência mais básica, não existe o objetivo claro de se chegar ao final com um produto fechado. Às vezes, o estudo visa mais uma contribuição para o avanço da área em que se está trabalhando”, explica. “Em geral, quando a coisa está mais nebulosa é porque existem coisas interessantes a serem descobertas”, pondera. Por exemplo, em relação ao efeito Brillouin, ele diz que não se pode afirmar que o efeito seja apenas ruim. Pode haver também aspectos positivos.

É como explica a pesquisadora do CPDQ: a fibra de cristal fotônico, devido à sua estrutura, pode ser utilizada para aplicações diferentes da fibra convencional, como um amplificador óptico, por exemplo, se injetarmos nela uma luz com características adequadas. Neste caso, em vez de se usar centenas de quilômetros de fibra, são necessários apenas algumas dezenas de metros. Entretanto, esta é uma aplicação que ainda está em fase de pesquisa e as fibras de cristal fotônico não são ainda comercializadas para aplicação em sistemas de transmissão para operadoras de telecomunicações.

Na opinião de Dainese, o fato dos seus artigos terem sido publicados não significa necessariamente que eles sejam bons. “Simplesmente eles foram aceitos, de acordo com critérios editoriais”, afirma. No seu entender, o que vai determinar sua importância é o número de citações e as referências que forem feitas a ele. “Um artigo científico é julgado ao longo do tempo”, acredita.

Ele atribui ainda essa conquista ao fato de ter estabelecido uma rede de contatos com pessoas de diferentes laboratórios e locais, participando de eventos, congressos, etc. Já em 2004 ele recebeu menção honrosa da New Focus Student Award, companhia americana do setor de óptica, por um artigo apresentado na Conference on Laser and Electrical Optics (Cleo), realizada na Inglaterra. E passou três meses estudando em Bath, em companhia de Jonathan Knight, que integra a equipe do estudo e desenvolveu a primeira fibra fotônica do mundo. Seu empenho e sua rede de relacionamentos lhe renderam um emprego numa companhia americana, motivo pelo qual está se mudando para os Estados Unidos, antes mesmo de terminar de escrever a sua tese, que será defendida em setembro deste ano.

Número de favelas cresce no mundo

Pela primeira vez, o número de pessoas vivendo nas cidades superou o número de pessoas vivendo no campo. O crescimento dos grandes centros urbanos ao invés de possibilitar uma melhoria na qualidade de vida, gera condições precárias de vida para grande parte da população. De acordo com o relatório UN-Habitat 2006/07, das Nações Unidas, um bilhão de pessoas viverão em favelas em 2007.

Um bilhão de reais. Esse é o montante que o governo liberou esse ano para o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). A verba será utilizada para recuperação de áreas degradadas, instalação de equipamentos comunitários, implantação de redes de água, esgoto, energia elétrica e regularização fundiária. Parece bastante, mas o crescimento de favelas e ​_moradias precárias é tão intenso que o investimento do poder público passa a ser ínfimo.

É isso o que indica o relatório das Nações Unidas, chamado UN-Habitat, o estado das cidades 2006/07. Pela primeira vez, considerando o mundo todo, o número de pessoas vivendo nas cidades superou o número de pessoas vivendo no campo. O crescimento dos grandes centros urbanos ao invés de possibilitar uma melhoria na qualidade de vida, tem gerado condições precárias de vida para grande parte da população. De acordo com o relatório, um bilhão de pessoas viverão em favelas em 2007.

Das nove megacidades do mundo, locais onde os problemas referentes à habitação são exacerbados, apenas duas estão no centro do capitalismo – Tóquio e Nova York. As demais estão nos países emergentes, como é o caso da cidade de São Paulo.

De acordo com o pesquisador do Núcleo de Estudos da População (NEPO) da Unicamp, Roberto do Carmo, o processo de crescimento das cidades no Brasil intensificou-se na década de 50. “A concentração fundiária e o surgimento de tecnologias que necessitam de menos mão-de-obra gerou êxodo rural. Por seu lado, as cidades passaram a oferecer oportunidades com o desenvolvimento industrial”, diz. Carmo enfatiza que São Paulo foi a cidade brasileira onde esse processo foi mais intenso. Para se ter uma idéia da intensidade da urbanização, em 1950, a população urbana no Brasil era de 19 milhões. Já em 2000 pulou para 138 milhões.

Uma das conseqüências desse processo é a sobrecarga da infra-estrutura das cidades que não comportam o número de pessoas que chegam. Isso significa a formação de favelas. “Por isso os investimentos do poder público nunca são suficientes”, afirma Carmo.

A pesquisadora do Instituto Pólis, Patrícia Cardoso, chama a atenção para um outro fato. Além da falta de infra-estrutura, a precarização das moradias nos grande centros urbanos se deve pela não inserção social das pessoas que vieram do campo. “Em muitos casos existem moradias suficientes, mas grande parte das pessoas que não estão inseridas no mercado de trabalho não podem pagar o aluguel”, afirma.

De acordo com Cardoso, essa situação remete para o problema da desigualdade social no Brasil. Enquanto muitos imóveis estão vazios, grande parte das pessoas estão comprimidas em um pequeno espaço, em moradias precárias.

“Mesmo a concepção de revitalização dos centros das grandes cidades muitas vezes é excludente. A população pobre é tirada do centro e empurrada para a periferia”, afirma Cardoso.

Mais do que causar déficit habitacional, a forma de organização dos grande centros contraria a concepção de cidade. Segundo Cardoso, a expansão urbana desordenada gera a intensificação dos conflitos urbanos como por exemplo a violência. Assim, as classes mais abastadas vão para os condomínios fechados. Desse modo, a idéia de cidade como um espaço comum perde o sentido.

Segundo a coordenadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Urbanos (LabHab) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Maria Lúcia Refinetti Martins, alguns dados evidenciam o crescimento das favelas. O primeiro é que o aumento da população em favelas é maior que a média do crescimento da população como um todo, ou seja, a quantidade de favelas está aumentando no Brasil. O segundo dado é o inchaço das favelas já existentes. Segundo Martins, é muito comum a construção de um segundo ou terceiro pavimento em cima das moradias. Assim, mais de uma família mora no mesmo local. O terceiro dado é o aumento populacional nas periferias das cidades, enquanto nos centros há perda de população.

O relatório das Nações Unidas aponta que a retirada das pessoas pobres das grandes cidades não é a solução. Integrar é a única saída. Uma das metas propostas no relatório é a melhoria das condições de moradia de 100 milhões de pessoas até 2020. Para isso serão necessários US$ 67 bilhões. Apesar da boa intenção da meta, as estimativas são baixas já que no ano que vem um bilhão de pessoas viverão em moradias precárias.

Sobre o Brasil, Carmo afirma que os demógrafos estimam que a população deve estabilizar em 2050 entre 240 e 250 milhões de pessoas. “Hoje temos 180 milhões de pessoas, precisamos pensar onde viverão esses 70 milhões a mais que teremos em 2050”, afirma. O investimento do governo brasileiro, via FNHIS, beneficiará 180 mil famílias de baixa renda esse ano.