Lodo de esgoto já pode ser usado na agricultura em todo Brasil

O Conama definiu regras para o uso do lodo na atividade agrícola, baseadas em estudos brasileiros e em resoluções de outros países. Para sua utilização, é preciso que o lodo seja tratado, a fim de que se reduzam os chamados agentes patogênicos, e há restrições para o uso do resíduo em áreas de pastagens, unidades de conservação, áreas para consumo in natura e em plantações que tenham contato direto com o solo.

Para que a destinação do lodo de esgoto não seja unicamente os aterros sanitários, todo o território nacional conta agora com uma norma que garante o uso deste resíduo como fertilizante agrícola. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definiu regras para o uso do lodo na atividade agrícola, baseadas em estudos brasileiros e em resoluções de outros países, como Estados Unidos, Austrália e alguns da União Européia, em que esta prática já é bem comum. Apenas os estados de São Paulo e Paraná possuíam diretrizes sobre o assunto, que também serviram de base para o Conama.

“Embora a produção de lodo de esgoto sanitário no Brasil ainda seja em pequena escala, em função da precariedade do saneamento básico, a resolução [do Conama] representa um marco regulatório importante, ao fixar as condições e restrições para que o lodo possa ser aproveitado na agricultura de forma segura para a população e para o meio ambiente. A existência de uma norma brasileira significa um considerável ganho ambiental”, explica a pesquisadora Adriana Pires, da Embrapa Meio Ambiente.

Para que o lodo possa ter como característica o uso agrícola, é preciso que ele seja tratado, a fim de que se reduzam os chamados agentes patogênicos, como fungos, bactérias, vírus e os metais pesados. Mesmo após o tratamento, a resolução prevê restrições para o uso do resíduo em áreas de pastagens, unidades de conservação, áreas para consumo in natura e em plantações que tenham contato direto com o solo, como batata, cenoura e hortaliças.

Pires afirma que a diminuição de patógenos pode ser feita na própria ETE (estação de tratamento de esgoto), por meio de processos de compostagem (processo biológico com a atuação de microorganismos), calagem (processo de desinfecção que consiste na mistura de cal virgem ao lodo), secagem térmica (redução da umidade do lodo), entre outros. Mas para os metais pesados, ainda não existe um método operacional de remoção.

“Vamos supor que o esgoto é tratado e gera um lodo de esgoto com teor de algum ou de vários metais pesados acima do limite da resolução. Como não existe, ainda, um método operacional para remover os metais pesados do lodo, este não poderá ser utilizado na agricultura. A solução é averiguar a fonte dos metais, que pode ser, por exemplo, um esgoto industrial, e evitar que esse esgoto seja lançado na rede coletora. Os Estados Unidos estabeleceram normas bastante restritivas para o lançamento de esgotos na rede coletora e, assim, diminuíram significativamente a concentração de metais pesados no lodo”, esclarece Pires.

A resolução traz vantagens para os geradores de resíduos, visto que oferece um meio para que o lodo seja disposto de forma segura, para a agricultura e para a qualidade do solo, já que o lodo é rico em matéria orgânica e nutrientes, e para o meio ambiente e para a população, com a diminuição dos prejuízos causados pela disposição do lodo em aterros. “A disposição em aterros tem um custo elevado, que pode chegar a 50% do custo operacional de uma ETE. Esta prática também traz um agravamento do manejo do lixo urbano, que já é um problema muito sério no país. Isso, devido à dificuldade de se encontrar novas áreas para a construção de aterros e pelo simples fato de que, com o passar do tempo, as áreas ficarão cada vez mais escassas”, destaca Pires.

O lodo em São Paulo

A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb), agência do governo do estado de São Paulo, possui um projeto (P 4.230), de 1999, que estabelece normas para a aplicação de lodo em áreas agrícolas. No final de 2003, o P 4.230 passava por uma revisão quando o Conama deu início à elaboração da resolução. “A norma da Cetesb deverá agora ser finalizada incorporando o que foi estabelecido pela resolução do Conama”, conta a gerente do setor de resíduos sólidos industriais da Cetesb, Mirtes Groke.

A legislação de São Paulo sobre o uso de lodo foi baseada nas diretrizes dos Estados Unidos. “As regiões de Franca e Jundiaí têm utilizado o lodo de esgoto em solos agrícolas desde a aprovação da norma Cetesb em 1999”, diz Groke.

Novo sistema integra informações sobre a flora brasileira

Um banco de informações a ser lançado durante a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre esta semana em Florianópolis, disponibiliza informações sobre a flora brasileira ao público leigo e especializado.

Quase todos os países latinoamericanos já têm levantamentos recentes de sua flora. É o caso de Bolívia, Peru, Venezuela, Equador, Costa Rica, Panamá, Nicarágua e México. Já o Brasil, país megadiverso com metade das 100 mil espécies de plantas neotropicais e uma massa crítica importante em termos de pesquisadores, não possui uma listagem total de suas plantas nativas. Mas algumas iniciativas buscam sanar a deficiência. A mais recente é a “Flora Brasiliensis Revisitada”, que tem seu lançamento oficial hoje, durante a 58ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Florianópolis.

Até agora os esforços brasileiros, catalizados pela Sociedade Brasileira de Botânica, se voltaram para a produção de floras regionais, como a Flora Ilustrada Catarinense, do Rio Grande do Sul, de Goiás, da Reserva Ducke (Amazonas), do estado de São Paulo, do Acre e a Checklist das plantas do Nordeste.

A “Flora Brasiliensis Revisitada” é um sistema eletrônico desenvolvido pelo Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), que incorpora novas ferramentas de informática a serviço da biodiversidade. Seu objetivo é complementar os esforços em andamento, através da integração de dados com relação à flora brasileira. A plataforma tem como base a Flora Brasiliensis On-Line (leia notícia). A partir da obra centenária que é o único levantamento florístico do país, atualizações refletirão o conhecimento atual. Por enquanto estão sendo revistas algumas famílias de plantas escolhidas como modelos, como é o caso das bignoniáceas (a família do ipê) estudadas por Lúcia Lohmann da Universidade de Sãi Paulo (USP), e das clusiáceas (a família do mangostão) estudadas por Volker Bitrich, do departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As informações presentes incluem nomenclatura atual, nomes populares, características para identificação, fotografias, usos, dados sobre ecologia e mapas de distribuição, e têm interesse tanto para cientistas como para o público leigo.

Em paralelo à reunião da SBPC um simpósio internacional discute hoje e amanhã (19 e 20 de junho) os desafios e oportunidades relacionados à revisão da flora brasileira. “É importante que haja um esforço internacional, pois grande parte do material botânico já coletado no Brasil se encontra depositado em museus estrangeiros”, afirma Lohmann. Além disso, ela explica que o diálogo entre pesquisadores de diversos países permite avaliar como a revisão da flora brasileira pode ser útil para iniciativas internacionais, e vice-versa. O evento tem entre seus palestrantes representantes de instituições botânicas nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Áustria, França, além de universidades e institutos de pesquisa brasileiros. “É a primeira vez que tantos especialistas estrangeiros se reúnem no Brasil para falar de questões relacionadas à botânica brasileira”, comemora a pesquisadora.

Os temas tratados no simpósio incluem o estado da arte da botânica no Brasil, o que está acontecendo no resto do mundo, a importância de termos listagens de plantas para os diversos países, apresentação de bancos de dados e tecnologias relacionadas, além do futuro da botânica brasileira. “Uma lista completa das plantas brasileiras é a base para realmente conhecermos a flora como um todo; esta informação permite estudar aspectos relacionados à ecologia, evolução e diversificação das plantas neotropicias. Ter um bom conhecimento da nossa flora é crítico para o uso sustentável e conservação da nossa biodiversidade”, explica Lohmann.

No Brasil moradia é vista como negócio

Entre os dias 12 e 17 de julho, cerca de 40 famílias ligadas sem-teto foram despejadas de imóveis ocupados na capital paulista. Desde 2001, o Estado tem na Lei 10.257 mecanismos para combater a especulação imobiliária e garantir moradia à população, mas os direitos individuais à propriedade têm prevalecido.

Entre os dias 12 e 17 de julho, cerca de 40 famílias ligadas aos movimentos sociais de luta por moradia foram despejadas de imóveis ocupados na capital paulista. No final do mês de junho, 50 famílias sem-teto que ocupavam a 10 anos um casarão na capital carioca tiveram o mesmo destino. Desde 2001, o Estado tem na Lei 10.257 mecanismos para combater a especulação imobiliária e garantir moradia à população, mas os direitos individuais à propriedade têm prevalecido. O grito pela função social da moradia também ecoou no Seminário Habitação e Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, que terminou dia 7 de junho no Rio de Janeiro.

A secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, mencionou o paradoxo que se vive no Brasil da falta e, ao mesmo tempo, sobra de residências no país, e defendeu os subsídios do governo para aluguel de imóveis vazios. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) existem 5 milhões de imóveis desocupados nos principais centros urbanos e um déficit habitacional de cerca de 7 milhões de moradias no país.

Fonte: Programa Gritos Urbanos gritosurbanos.blogspot.com/

 

O conceito de função social da propriedade urbana se opõe ao de propriedade particular sem uso. Não prega o fim da propriedade privada, mas questiona a existência de imóveis urbanos vazios em regiões onde o número de famílias precisando de moradia é bastante elevado. São Paulo é um caso particular nesse cenário. Estima-se que nesse município há mais imóveis vazios do que famílias sem casa para morar, sendo que 10% dos imóveis vagos (cerca de 40 mil), estão no centro, descumprindo sua função social. Cerca de 600 mil moradores estão em cortiços e há 1,2 milhão de pessoas morando em favelas, em mais de 2 mil favelas na capital do estado mais rico do Brasil.

Embora alguns municípios utilizem-se de instrumentos urbanísticos para combater especulação de terras – como o IPTU progressivo -, a Lei que estabelece que o uso da propriedade urbana deve servir a fins coletivos surtiu poucos efeitos sobre a política de habitação do país. Para a arquiteta e urbanista Paula Santoro, do Núcleo de Urbanismo do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Instituto Pólis), “o problema está no fato de que a questão da moradia no Brasil é vista como negócio”. Santoro manifesta esperança de que as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Cidade sejam contempladas nos Planos Diretores dos municípios, que devem ser fechados até outubro de 2006.

Fonte: Déficit Habitacional no Brasil: Municípios Selecionados e Microregiões Geográficas – 2ª edição. Fundação João Pinheiro

 

Os Planos Diretores precisam levar em consideração não apenas os mecanismos urbanísticos de liberação de imóveis que possam ter um destino social, mas um conjunto de variáveis que envolve o direito à moradia. Como lembra Silvia Barboza, coordenadora da Comissão de Habitação do Instituto dos Arquitetos do Brasil e organizadora do Seminário que aconteceu no Rio, “o direito a habitação não é apenas o direito a moradia. É também o direito ao lazer, a circulação pelo território, que envolve as questões do transporte, e até o direito ao descanso”.

Embora a defesa da função social ganhe corpo a cada dia, vale marcar que existem diferenças entre as propostas dos movimentos sociais, governos e algumas entidades do terceiro setor. Os movimentos sociais de luta por moradia têm, em sua maioria, encontrado como saída ocupar imóveis vazios, por vezes abandonados a mais de dez anos, como forma de pressão para que estes sejam desapropriados e transferida sua propriedade aos seus ocupantes. Já a secretária nacional Rolnik acena com a necessidade do Estado subsidiar a locação de imóveis vazios pelas famílias de baixa renda, argumentando que essa alternativa seria mais viável para o governo do que a construção de novas moradias. Neste caso, não se mexe com a propriedade dos imóveis.

Já para Marco Antonio Ramos de Almeida, superintendente geral da Associação Viva o Centro, a solução seria, no caso da cidade de São Paulo, a construção de prédios nos galpões e fábricas abandonados no centro. Esta última opção não mexe com os imóveis vazios, nem toca na questão da especulação imobiliária. Barboza relata que na mesa “Planos de revitalização e reabilitação integrada para áreas urbanas centrais”, que ocorreu do Seminário, também foi discutida a proposta de construção de novos imóveis em antigas fábricas e indústrias. Entretanto, pesquisadores alertaram que, por se tratarem de antigas áreas que desempenhavam funções industriais, pode haver contaminação do solo nesses terrenos. “Há problemas em conceder essas áreas para infra-estrutura habitacional, mas não é impossível, pois existem tecnologias de despoluição desses solos para reverter o local para uso habitacional”.

Leia mais:

40 famílias continuam sob ameaça de despejo

Especulação imobiliária X famílias sem-teto

Estudo de caso: Conflitos em torno do direito à moradia na região central de São Paulo