Internet mil vezes mais rápida!

Embora a Internet esteja ainda longe do alcance de milhões de brasileiros, as pesquisas para seu desenvolvimento não param e prometem novidades ilimitadas, com o emprego de fibras ópticas, que possibilitam a ampliação da velocidade e barateamento do uso rede.

Implementada no país nos meados da década de 90, a Internet ainda não alcançou uma abrangência que possa ser classificada como democrática. Na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2004, o IBGE constatou que apenas 12,2% dos domicílios brasileiros tinham computador com acesso à Internet, o que corresponde a aproximadamente 21,6 milhões de pessoas. Mesmo assim, as pesquisas para o aprimoramento da rede, como as do Projeto Kya Tera, da Unicamp, ou do Projeto Giga, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações, de Campinas (SP), só têm avançado e prometem novidades capazes de beneficiar acadêmicos, empresas e o cidadão comum.

Um dos avanços é a perspectiva de, em vez de alugar um DVD numa locadora, o usuário “baixar” o filme pela rede em poucos segundos, sem limitação de disponibilidade na prateleira. Mas isso é pouco quando se tem conhecimento do que está por vir: um médico poderá observar, de qualquer computador, exames com imagens de alta resolução, e agilizar um diagnóstico. Biólogos poderão analisar via Internet as características mais pormenorizadas de uma abelha criada em estufa. Aulas e experimentos poderão ser realizados à distância: um pesquisador de um laboratório da USP poderá controlar, por meio de softwares desenvolvidos para a rede, os instrumentos de um laboratório da Unicamp, e fazer uma videoconferência com todos os envolvidos.

Essas possibilidades já estão sendo desenvolvidas no Projeto Kya Tera, um trabalho cooperativo desenvolvido a partir do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp, para a criação de tecnologias de alto impacto nas áreas de informação e comunicações. Esse projeto é ligado ao TIDIA, programa para o aprimoramento de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento de Internet Avançada, financiado pela Fapesp.

Outro trabalho visando o desenvolvimento de Internet rápida é o Projeto Giga, iniciado em janeiro de 2003, coordenado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), em Campinas, e pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), no Rio de Janeiro. Um de seus primeiros resultados práticos foi a implantação da Rede IPË, usada pela RNP para interligar as principais instituições de ensino e pesquisa do país.

São projetos colaboradores e de certa forma complementares, com objetivos um pouco diferentes. Embora ambos sejam voltados para pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Giga visa o desenvolvimento de novas tecnologias e a transferência do conhecimento para empresas brasileiras. Já o Kya Tera atua predominantemente na formação de pessoal, interligando laboratórios para a troca de informações. As duas redes realizam trabalhos conjuntos e o ponto de interligação é o CPqD, de Campinas.

Miriam Regina Xavier de Barros, pesquisadora do CPqD, explica que o Giga está entre as maiores redes experimentais do mundo, com 750 km de extensão. Utilizando fibras ópticas e infra-estrutura de quatro operadoras de telecomunicação, possui linhas específicas para teste de equipamentos, num ambiente semelhante ao que serão utilizados na prática, sem causar impacto negativo para os usuários da rede. O mesmo recurso é oferecido pelo projeto Kya Tera, que em tupi-guarani, significa rede (de pesca) gigantesca. Seus criadores o definem como “o primeiro laboratório geograficamente distribuído do mundo para pesquisas em telecomunicações e aplicações avançadas de Internet”.

Laboratório de apoio da rede, onde são colocados os protótipos em teste

 

O fundamento da evolução para uma Internet mais rápida é a substituição gradativa dos fios de cobre (usados na rede telefônica) por fibras ópticas, que por características físicas detêm muito maior capacidade de transmissão de dados. Tais redes têm sido chamadas de Internet 3 ou 4. Basicamente, as pesquisas consistem em estudar os motivos pelos quais a Internet não é estável, identificar fatores que possam interferir na transmissão da luz pelas fibras ópticas (o que os especialistas chamam de pesquisa básica), a maneira de lidar com esses fatores para intensificar a velocidade de transmissão, e o uso desse conhecimento para o desenvolvimento de novos materiais, equipamentos e aplicações.

Segundo a pesquisadora do CPqD, a banda que o usuário recebe hoje está entre 256 kb/s e 8 Mb/s (tecnologia ADSL, oferecida pelas operadoras de telecomunicação, e tecnologia de cable modem, oferecida pelas provedoras de TV a cabo). Com as novas tecnologias, que permitirão levar a fibra óptica até as dependências do usuário (como a de rede óptica passiva, ainda em desenvolvimento), esta banda pode chegar até centenas de Mb/s. Com as tecnologias de multiplexação de freqüências (CWDM), que consistem na combinação de vários canais ópticos com freqüências diferentes em uma única fibra óptica, a capacidade de transmissão da fibra se multiplica por um fator correspondente ao número de canais. Isso permitirá aumentar a banda disponível hoje em mil vezes.

Além da velocidade, a transmissão por fibra tem também um aspecto econômico. Segundo o gerente de rede do Laboratório de Comunicações Ópticas da Unicamp, ligado ao Kya Tera, Marco Aurélio Quesada Fortes, a tendência é que ela se torne mais barata, até mesmo para o usuário comum, pois acabará com a dependência do limite de largura de banda oferecido pelo prestador de serviços. Em vez de contratar um serviço de 100 megabits ou 1 gigabit por segundo, que devido ao alto custo tornaria inviáveis experiências como a medicina remota, o usuário vai pagar apenas pelo uso da fibra, mais em conta.

Distribuidor Interno Óptico sendo manipulado por Fortes

 

Obviamente, existe um longo caminho a ser trilhado até se alcançar tudo isso. Atualmente, o projeto Giga enfrenta uma lentidão nos desenvolvimentos previstos por conta do atraso na liberação das parcelas por parte do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). E o Kya Tera, já conectado a diversas cidades do interior de São Paulo, ainda não conseguiu chegar à capital do estado, devido ao alto custo das concessões para uso das redes de telecomunicações. A solução para esse entrave seria o estabelecimento de parcerias com empresas detentoras de redes que possam ceder espaço para a passagem das fibras.

Para atrair novos colaboradores, o Kya Tera está com inscrições abertas, até o dia 31 de agosto, para pesquisadores das áreas de redes ópticas interessados em desenvolver tecnologias em colaboração com outros grupos do mundo e testá-las na rede de alta capacidade totalmente dedicada ao projeto, cujas fibras chegam até dentro dos laboratórios. Pesquisadores de ciências experimentais de todas as áreas de conhecimento, que desejem desenvolver web labs a partir dos equipamentos disponíveis na Unicamp podem submeter suas propostas a qualquer tempo. Assim como empresas e centros de P&D interessadas em firmar parceria para desenvolvimento de inovações tecnológicas.

Nova ferramenta pedagógica flexibiliza uso de laboratórios remotos

O ensino ganha uma nova ferramenta para o desenvolvimento de experimentos remotos em engenharia elétrica, que permite ao usuário (o professor), montar seu próprio experimento, sem ter que se preocupar com os instrumentos de integração com a Internet.

Com o rápido desenvolvimento da Internet, professores e alunos viram-se frente a várias alternativas para o enriquecimento das aulas, e uma delas é a possibilidade de acesso a laboratórios reais de forma remota, a partir da comunicação pela web. Um trabalho, apresentado pelo pesquisador Marco Túlio Chella, Unicamp, vem contribuir para a flexibilização do uso dessa tecnologia, que é considerada uma das grandes apostas para o melhor acesso a conteúdos técnicos.

Trata-se de uma ferramenta para o desenvolvimento de experimentos remotos em engenharia elétrica, que permite ao usuário, neste caso o professor, montar seu próprio experimento, sem ter que se preocupar com os instrumentos de integração com a Internet. Basta que ele conheça o que vai ser feito no experimento. Ou seja, o professor só precisa entender o que pretende ensinar, mas não necessariamente tem que conhecer as aplicações em rede.

“Meu propósito é oferecer recursos para que o usuário possa elaborar seu experimento que envolva o controle de instrumentos e acionamento de relês, chaves eletrônicas, potenciômetros digitais, entre outros, sem se preocupar com os aspectos relacionados a programação da comunicação do hardware dos instrumentos e integração com a rede Internet”, explica Chella.

O trabalho é resultado do doutoramento de Chella, que já vinha pesquisando a aplicação de diversas ferramentas na educação à distância. Segundo ele, uma das dificuldades na utilização de laboratórios de acesso remoto é a necessidade de se desenvolver uma plataforma de acesso específica para cada experimento. “Não há flexibilidade para se mudar o tipo de experimento usando-se a mesma plataforma”, afirma Chella.

A plataforma desenvolvida por Chella permite essa flexibilização para laboratórios de engenharia elétrica e eletrônica e foi baseada em experimentos propostos no laboratório do curso de eletrônica industrial oferecido na graduação da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp. As atividades envolvidas nas experiências incluem selecionar, por meio de chaves (reles), a associação de componentes eletrônicos pré-definidos, e levantar curvas através da variação dos valores de resistores. Um osciloscópio conectado ao experimento permite a visualização dos sinais.

Para isso, foi implementado um sistema de hardware constituído por uma placa eletrônica de controle, um barramento de dados e as placas de experimentos com comunicação com o computador. Segundo o pesquisador, cada placa de experimento pode controlar até 32 reles, oito potenciômetros digitais e substituir até oito canais de instrumentos de medição, o que permite o controle de até oito experimentos simultâneos.

Elnatan Chagas Ferreira, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp e orientador do projeto de Chella, diz que o ambiente desenvolvido pelo pesquisador é muito funcional, na medida em que o permite criar novos experimentos sem precisar de uma equipe de suporte em programação, o que, no fim, resulta em uma maior flexibilidade de ação para o professor e uma economia de tempo.

Segundo Ferreira, o trabalho é inédito, e a partir de agora, o professor que resolver trabalhar com laboratórios remotos nesta área pode ter acesso a uma ferramenta com a qual não há a necessidade de se desenvolver hardware, interface gráfica e tecnologia de rede para comunicar. “O ambiente dá poder aos não especialistas para desenvolverem um laboratório de acesso remoto”, conclui Chella.

Franquias podem ampliar tratamento da Aids

O atendimento a portadores de HIV/Aids no mundo está longe de satisfatório. Um relatório publicado pelo Centro de Pesquisas em Saúde do Departamento para Desenvolvimento Internacional do Governo Britânico (DFID, na sigla em inglês) defende a utilização de sistemas de franquia para aumentar a cobertura do tratamento da Aids.

O atendimento a portadores de HIV/Aids no mundo está longe de satisfatório. As condições são especialmente deficientes nos países menos desenvolvidos, sobretudo no continente africano. Um relatório publicado pelo Centro de Pesquisas em Saúde do Departamento para Desenvolvimento Internacional do Governo Britânico (DFID, na sigla em inglês) defende a utilização de sistemas de franquia para aumentar a cobertura do tratamento da Aids. A principal vantagem do sistema, segundo o autor do documento Roger England, é a ampliação do número de pacientes atendidos com padrões elevados de qualidade e preços controlados, graças à participação do capital privado.

Em janeiro de 2005, após estimar que seis milhões de pessoas portadoras do vírus HIV no mundo necessitavam urgentemente de terapia antiretroviral, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fixou a meta de fornecer tratamento para três milhões de soropositivos nos países pobres ou em desenvolvimento até o final daquele ano. De fato, constatou-se o atendimento de apenas 1,3 milhão. Para agravar o quadro, estudos realizados por England sugerem que a estimativa da ONU está bem abaixo da realidade e que atualmente o número de pessoas que precisam de tratamento esteja em torno de 12 milhões. Por isso, encontrar um sistema para o tratamento da Aids capaz de atingir mais pessoas é tão desejado.

Pode soar estranho falar em franquias, conhecidas nas cadeias de refeições e cosméticos, para o tratamento da Aids. Mas O trabalho de England procura esclarecer seu funcionamento, custos e vantagens para os franqueados, dando exemplos de sucesso de franquias em saúde como no PaquistãoQuêniaFilipinasMéxico, Zâmbia, Índia, Nicarágua, Nepal, Madagascar, Egito e Etiópia. A franquia em saúde segue o princípio básico de qualquer franquia, isto é, visa aumentar a oferta de determinado produto ou serviço por meio da contratação de varejistas independentes em diferentes localidades. De acordo com o documento, “o sucesso decorre das vantagens da identificação de uma marca, das economias de escala e do equilíbrio de incentivos econômicos entre franqueador e franqueado”.

Nesse estudo, England também admite que há especificidades locais a serem consideradas e que a prática de franquias em saúde ainda é recente. Mas elas poderiam ser alternativas para a oferta de tratamentos antiretrovirais aos pacientes não atendidos por outros meios, incluindo os serviços governamentais. Isso porque há países onde as restrições no orçamento do governo impedem que a população tenha acesso universal gratuito ao tratamento. “No Brasil, as franquias não se aplicariam porque o sistema de distribuição gratuita tem sido satisfatório”, diz a pesquisadora Margareth Crisóstomo Portela, do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fiocruz.

Brasil: avanço com obstáculos

Mesmo contra recomendações e advertências do Banco Mundial, o Brasil adotou em 1996 uma política de distribuição de medicamentos contra a Aids, via Sistema Único de Saúde (SUS), para todas as pessoas infectadas pelo HIV. Naquele ano foi aprovada uma legislação garantindo o acesso universal aos medicamentos e, desde então, o programa nacional de DST/Aids reúne periodicamente especialistas para estabelecer parâmetros de tratamento e acompanhamento de pessoas com Aids. O tratamento inclui a distribuição gratuita de medicamentos, o monitoramento das respostas dos pacientes à medicação e a realização de exames, como a contagem de linfócitos CD4 (células do sistema imune com papel chave no sistema imunológico) e o teste de carga viral (que estima a quantidade de vírus circulando no organismo).

O elevado preço dos medicamentos protegidos por patentes levou o governo brasileiro a defender a supremacia das necessidades emergenciais da população sobre os direitos de propriedade intelectual. Em 2001, na rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio, em Doha, Qatar, o Brasil manifestou sua posição e conseguiu significativas reduções de preço sem que a quebra das patentes tenha sido de fato efetivada até o momento. Em artigo publicado na ComCiência, a consultora em propriedade intelectual Maria Fernanda Macedo prevê um “sério abalo na sobrevivência do Programa Nacional DST/Aids se os preços dos remédios anti-retrovirais patenteados, praticados no Brasil, se mantiverem nos atuais níveis”.

A produção de medicamentos genéricos, que são química e farmacologicamente idênticos aos de marca, mas não embutem os gastos com propaganda e marketing, permitiu a queda dos preços. Dos quinze medicamentos atualmente distribuídos pelo SUS, oito são produzidos nacionalmente, a preços reduzidos. De acordo com Mariângela Simão, diretora do Programa Nacional de DST e Aids (www.aids.gov.br), no contexto para garantir o acesso à prevenção e ao tratamento, um dos caminhos para a sustentabilidade financeira é a produção nacional de insumos e medicamentos. “Do ponto de vista orçamentário, 80% da nossa receita para compra de medicamentos são comprometidos com drogas importadas e somente 20% com as produzidas por laboratórios nacionais, públicos e privados”, diz.

O Brasil se tornou referência internacional na disponibilização do tratamento para a Aids, mas alguns desafios ainda persistem. Além da questão das patentes dos medicamentos, o quadro econômico desfavorável pesa permanentemente sobre a sustentabilidade dos programas sociais governamentais, questionada por Portela. “Se o Programa Nacional DST/Aids não puder ser mantido, novas alternativas terão de ser pensadas”, diz a pesquisadora. Talvez a franquia esteja entre elas.