Jornalismo científico cresce, mas dilemas permanecem

Começa no dia 6 de setembro o XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), em Brasília. Entre os diversos segmentos jornalísticos que serão debatidos, está o jornalismo científico. É um momento importante para a reflexão sobre produção, formação e institucionalização da área no país.

Começa no dia 6 de setembro o XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), em Brasília. Entre os diversos segmentos jornalísticos que serão debatidos, está o jornalismo científico. É um momento importante para a reflexão sobre produção, formação e institucionalização da área no país.

De acordo com o jornalista e professor das Universidades Metodista e USP, Wilson da Costa Bueno, o jornalismo científico no Brasil passa por um momento de expansão. “Tanto o número de publicações como o interesse por parte do público vem aumentando”, diz. Para Bueno, diferente do que aconteceu na década de 1980, quando houve um rápido crescimento do jornalismo científico seguido de um retrocesso, atualmente há um crescimento gradual e sólido.

“Nos anos 80, o jornalismo científico virou moda e muitas revistas rapidamente aumentaram suas tiragens. Depois do modismo, já nos anos 90, houve uma estagnação, resultando inclusive no fechamento de alguns veículos”, diz. Bueno lembra que a maioria dos grandes jornais do país possuía cadernos semanais sobre ciência, que depois foram reduzidos a poucas páginas ou desapareceram.

Segundo Bueno, agora o jornalismo científico no Brasil volta a ocupar mais espaço nos grandes veículos, mas de uma forma ainda tímida, longe do que ele considera suficiente. “Por outro lado, o surgimento de revistas especializadas ajuda na solidificação do mercado nessa área”, reforça Bueno. Dois bons exemplos são as versões brasileiras das revistas Scientific American e Astronomy.

O presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), Ulisses Capozoli, também acredita que há um pequeno crescimento do espaço ocupado pelo jornalismo científico na mídia e chama a atenção para um outro fato: esse crescimento reflete o aumento da própria produção científica no Brasil. Para Capozoli, tanto o poder público, como a iniciativa privada passaram a apostar na ciência como forma de construção de conhecimento. Para se ter uma idéia, o número de artigos de cientistas brasileiros publicados em periódicos indexados pela base de dados do Institute for Scientific Information (ISI) triplicou em 12 anos. A produção passou de 3.552 artigos em 1990, número que representava 0,64% da produção mundial, para 11.285 em 2002, o que equivalia a 1,55%. Em termos mundiais ainda é um número modesto, mas indica uma tendência de crescimento. O país pulou da 28ª posição no ranking mundial, em 1980, para a 17ª posição em 2000, segundo dados do ISI. “O aumento da produção científica gera demanda por informações qualificadas e por isso o jornalismo científico vai ganhando espaço”, diz Capozoli.

Bueno acredita que esse interesse em ciência por parte do público é percebido também em outros meios como o mercado de livros. “O crescimento do número de livros e de editoras que lançam coleções destinadas à ciência vem aumentando nos últimos anos”, afirma. Além disso, Bueno chama a atenção para o espaço na internet. “Muitos institutos de apoio à pesquisa viram na internet um meio de divulgar suas produções”, diz.

Esse outro aspecto, a preocupação da comunidade científica em divulgar o que produz, também sofreu mudanças nos últimos anos, de acordo com Bueno. “As universidades e os centros de pesquisas perceberam que precisavam democratizar o conhecimento científico, até por uma questão de legitimação”, afirma. “Mas ainda assim estamos longe do ideal”.

Formação e produção deixam a desejar

Apesar de elogiar o pequeno crescimento de espaço na mídia, Capozoli faz críticas à forma como o jornalismo científico é produzido. De acordo com ele, há um legado positivista que reduz e simplifica a ciência. “O positivismo que influenciou e ainda influencia a própria produção científica expandiu-se para o jornalismo”, afirma. Ele cita como exemplo as notícias sobre o mapeamento genético, que traziam previsões de resolução de muitos problemas de saúde a partir de seu desfecho. “O mapeamento foi feito e as questões permaneceram, não há soluções fáceis na ciência”, argumenta ele.

De acordo com Capozoli, o esquema normatizado do positivismo quando aplicado ao jornalismo científico pode dar a ilusão de que a ciência traz respostas rápidas e imediatas. “Muitos veículos de comunicação seguem essa lógica, mas ao mesmo tempo, outros veículos estão superando isso, da mesma forma que a produção científica”, diz.

Já a jornalista da agência de Jornalismo Científico Notisa, Ilana Polistchuck, diz que em muitos casos a escolha das pautas segue critérios que não os da importância científica. “Às vezes um assunto ganha espaço somente porque é novidade, mesmo que não traga informações realmente relevantes, em detrimento de outro mais importante do ponto de vista científico”, afirma.

Capozoli também critica a falta de formação de qualidade dos profissionais da área. “O jornalista especializado em ciência precisa ter formação intelectual e são poucos os cursos que oferecem isso”, afirma. Bueno também acha que a formação fica a desejar, “a maioria dos cursos superiores não possuem nem disciplinas sobre jornalismo científico, quanto mais cursos específicos”, diz.

Dilema entre crescimento na área e institucionalização

O Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico, que acontece a cada dois anos, deveria ser realizado esse ano, mas a ABJC decidiu adiar para o início do ano que vem (ainda sem data definida). Segundo Capozoli, o motivo do adiamento é a falta de verba para realização do evento. “Como a ABJC não tem verba própria temos que captar em outras instituições e isso dificulta e burocratiza o processo”, afirma.

Capozoli diz ainda que a instituição não está realizando todas as atividades que deseja porque todos os membros precisam se dedicar muito tempo a outros trabalhos sobrando pouco tempo para a ABJC. Para Bueno, que já foi presidente da ABJC, esse tipo de situação cria um descompasso entre o pequeno aumento de espaço do jornalismo científico na mídia e a instituição que representa o segmento.

Religiosidade do médico determina postura frente ao aborto

Pesquisa do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) Unicamp mostra que, embora 69% dos médicos entrevistados, tenham relatado que nunca ou poucas vezes tomam atitudes que contrariam a sua religião, as atitudes práticas mostram o contrário.

As discussões em torno da descriminalização do aborto estão paradas desde o fim do ano passado e esbarram nas questões jurídicas. Um fator relevante e até agora pouco considerado é a religiosidade dos médicos como mostrou pesquisa apresentada no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism- Unicamp). Embora 69% dos médicos tenha relatado que nunca ou poucas vezes tomam atitudes que contrariam a sua religião, a pesquisadora identificou atitudes que mostram o contrário.

A legislação brasileira permite o aborto em caso de gravidez por estupro, porém menos da metade dos médicos (37%) disseram que fariam e quase 50% solicitariam que outro médico o fizesse. Para a pesquisadora Maria José Osis isso indica que mesmo amparado pela lei, o tema ainda traz desconforto aos profissionais e as concepções religiosas pessoais influenciam as decisões clínicas.

O aborto é permitido pelo Ministério da Saúde em caso de estupro ou risco de vida da mãe, mas isso não muda a percepção do ato como algo negativo que produza culpa, desconforto e estigma social para o médico. “Mesmo amparado pela lei, o profissional teme ser apontado como aborteiro”, diz a pesquisadora.

A conduta frente ao aborto também depende da proximidade do médico com o caso. Pelos questionários, 38% ajudariam uma mulher que solicitasse o aborto, e caso a mulher seja de sua família essa porcentagem aumenta para 42%. Quando perguntados sobre a sua própria vida, 21% das médicas e 33% dos médicos disseram já ter passado por gravidez indesejada e desses, 80% fizeram aborto. De acordo com Osis, a atitude dos médicos frente ao aborto depende mais de suas concepções religiosas pessoais do que de uma religião institucionalizada, já que apenas 32% puderam ser classificados como não religiosos.

A postura de mais de 3300 médicos de todo o país foi analisada por pesquisadores do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp). Eles receberam o questionário em casa, no início de 2005, junto com o jornal da Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia de Enquanto 67% se declarou católica, 9,1% eram espíritas, 3% evangélicos, 3% protestantes e 13,6% disseram que não tinham religião. A maior parte, 75%, tinha mais de dez anos de profissão e 63% participam de cerimônias religiosas. As pesquisadoras entrevistaram ainda 30 médicos de Campinas e São Paulo para a parte qualitativa da pesquisa e a maioria deles afirma que não gostaria de se envolver em situações de aborto, mas em caso de pessoas próximas, indicaria o misoprostol – remédio para úlcera, com efeito abortivo.

Mesmo em relação à indicação do uso do dispositivo intra-uterino (DIU) e da pílula do dia seguinte, ambos distribuídos na rede pública de saúde, alguns profissionais admitiram resistência na indicação destes métodos anticoncepcionais. Enquanto 7% dos ginecologistas consideram o DIU abortivo, sendo que 2% nunca o prescreveria, 22% dos profissionais acreditam que a pílula induz o aborto e, portanto, 7% não a indicaria. As combinações dessas respostas dos médicos que se disseram religiosos foram estatisticamente significativas, o que levou a pesquisadora a associar essa tomada de atitude ser devida às práticas religiosas.

Números fora da lei

O aborto induzido não é um direito assegurado pela constituição federal e há controvérsias, reações e resistências tanto da sociedade quanto dos profissionais de saúde. Para Maria José Osis, a educação médica deve discutir o tema de forma mais explícita, para que não se trate o tema com tanto desconforto. “Não há lei que mude as concepções religiosas. Mudanças na legislação que visam à legalização da prática estarão fadadas ao fracasso, se não há o respaldo dos profissionais da saúde”, finaliza.

As religiões cristãs consideram que a vida começa no momento da concepção, no encontro do óvulo com o espermatozóide, daí não apoiarem qualquer prática de interrupção da gravidez, mas sim métodos naturais de contracepção. Há inclusive, técnicas de psicologia que realizam abordagem direta ao inconsciente do indivíduo e trazem relatos de pacientes que vivenciam a experiência desse encontro de gametas.

Enquanto cientistas, religiosos e sistema jurídico não chegam a um consenso, o número de gestações indesejadas chega a 75 milhões por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Dessas, de 30 a 50 milhões resultam em aborto induzido, nem sempre feito em condições adequadas e legais. No Brasil, o aborto inseguro é causa de 250 mil internações no Sistema Único de Saúde e em Salvador, é a primeira causa de morte materna, desde a década de 1990.

Cativeiro é alternativa para reduzir mortalidade de peixes ornamentais

Pesquisa da UFPE aponta que 11% dos peixes marinhos coletados para a prática do aquarismo no Ceará são descartados. Para minimizar a pressão sobre as reservas naturais, uma saída sustentável seria a criação em cativeiro, hoje feita em apenas 10% das espécies marinhas.

Medidas simples como educação ambiental e melhoramento das condições dos tanques ajudariam a minimizar a pressão sobre as reservas naturais de Peixes Ornamentais Marinhos (POMs), já que 90% deles são capturados no seu habitat. Uma saída sustentável seria a criação em cativeiro. Segundo pesquisadores do Grupo de Ictiologia Marinha Tropical da Universidade Federal de Pernambuco, as mortes se devem principalmente às condições de coleta, de armazenamento e de comercialização desses animais.

pesquisa, publicada no Boletim Técnico Científico do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Explotação de peixes ornamentais marinhos no estado do Ceará, Brasil: Capturas e Manutenção nas empresas e exportação, apontou que medidas relativamente simples, como manter a aeração dos reservatórios, garantiriam a sobrevivência das espécies nos tanques das empresas de exportação.

Ainda, de acordo com a pesquisa, estuários e recifes em mar aberto são os lugares mais freqüentes de coleta espécies para o aquarismo. Ela é feita manualmente ou com equipamentos autorizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), como tarrafas e puçás. Em seguida, os peixes de diferentes espécies são colocados em um mesmo tanque e essa é uma das principais causas de descarte, que chega a 11% dos animais. Mais da metade desse percentual é rejeitado por motivos estéticos, já que o pequeno espaço faz com que os peixes se agridam e acabam machucados. “Os peixes chegam [à baía] extremamente atordoados e injuriados e, ao serem lançados no mar, serão facilmente capturados pelos predadores que vivem na baía do porto ou de um outro local qualquer de despesca”, afirma Maria Elisabeth Araújo, uma das autoras do artigo e coordenadora do Grupo de Ictiologia Marinha Tropical. Além do descarte por motivos estéticos, essa prática ocorre em função do aparecimento de doenças (20%) e da descompressão ineficiente durante a captura (feita por meio de perfuração da bexiga natatória – estrutura que auxilia o equilíbrio dos peixes), em 19% dos casos.

A mortalidade dos POMs se eleva após a captura, durante a espera da viagem para outras localidades do país ou do exterior. O armazenamento é feito em tanques por períodos que chegam a 15 dias, onde existe apenas sistema de aeração e troca de água em intervalos de uma semana, mas sem sistema de filtragem de água apropriado. A visita a coletores e empresas exportadoras revelou ainda o uso de água sem tratamento, a falta de aclimatação dos peixes entre a água de desembarque e a do sistema da empresa, o grande número de animais por tanques, a embalagem dos peixes para a exportação em água de má qualidade e transportes prolongados.

“O impasse é bem maior para os peixes marinhos que os de água doce, pois tudo é mais caro e complexo. Manter aquários de grande porte e de qualidade técnica é bastante oneroso e requer experiência com aquarismo marinho”, esclarece Araújo. A fragilidade desses animais faz com que apenas 10% sejam criados em cativeiro, em oposição aos 90% das espécies de água doce. O peixe palhaço (Amphiprion spp) foi a primeira espécie reproduzida em cativeiro e, hoje, esse processo se aplica a, aproximadamente, 30 espécies marinhas.

De acordo com o artigo sobre o ordenamento da exploração dos POMs, até 1997, não existiam pesquisas sobre extração desses animais. A atividade era desconhecida e não se sabia a quantidade ou quais espécies eram capturadas. Em 2004, a Instrução Normativa 56 do Ibama limitou a captura de peixes ornamentais a 135 espécies e uma cota anual de mil indivíduos de cada espécie por empresa. O Instituto também passou a limitar o número de empresas de exploração dos peixes e os instrumentos de coleta. Mesmo com determinações práticas, Araújo acredita que falta incentivo dos órgãos de fomento à pesquisa para ampliar o conhecimento sobre alternativas sustentáveis de criação em cativeiro.

Apesar da exploração em larga escala, Maria Elisabeth Araújo lembra que outras práticas que depredam mangues e recifes são mais impactantes que a própria coleta de POMs. Para minimizar este efeito, especialistas sugerem que seja feito um plano de ordenamento sustentável, já que a atividade gera renda, emprego aos setores pesqueiros. Ela também propõe o reconhecimento de empresários que trabalhem com medidas que minimizam prejuízos da atividade, como o treinamento técnico e educação ambiental dos coletores, descompressão e aquários com filtragem adequada.

O Brasil se destaca no setor de exportação de peixes ornamentais, movimentando anualmente cerca de US$ 4 milhões. Segundo artigo publicado no Boletim Técnico Científico do Ibama, em 1998, o país se encontrava entre os seis maiores fornecedores de peixes para a União Européia. O Ceará é um dos estados que mais exportam peixes ornamentais marinhos, atualmente para 19 países, e também é pioneiro no desenvolvimento de trabalhos sobre a exploração de espécies de aquarismo.

Atualmente, estima-se que 1,5 milhão a 2 milhões de pessoas tenham aquários marinhos, atividade que movimenta cerca de US$ 500 milhões anualmente com o comércio de 1500 espécies.