Reserva do Aqüífero Guarani está ameaçada

A contaminação por poços artesianos clandestinos, e por agrotóxicos usados nas lavouras, além da redução de 60% de seu nível de água, expõe a maior reserva de água potável da América Latina ao perigo. As denuncias constam no relatório Projeto Ecoagri, feito pelo Núcleo de Economia Agrícola (NEA) da Unicamp, e de outros órgãos de Ribeirão Preto (SP).

Os cerca de 500 poços artesianos abandonados em Ribeirão Preto, a redução do nível da água em cerca de 60% e a possibilidade de contaminação dos mananciais próximos as áreas agrícolas, ameaçam a existência da maior reserva de água potável da América Latina: o Aqüífero Guarani. As denuncias constam em um dos relatórios de qualidade ambiental do Projeto Ecoagri criado no Núcleo de Economia Agrícola (NEA), do Instituto de Economia da Unicamp, que definiu a Bacia do Mogi-Pardo como área piloto para a adaptação de metodologias de avaliação de impactos ambientais. A situação levou o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Pardo e Grande (CBHP) a deliberar no dia 6 de setembro uma regulamentação que estabelece áreas de restrição em três zonas da cidade e controles temporários para a captação e uso das águas subterrâneas no município, visando minimizar os problemas da reserva.

Paralelamente a essas ações, o Departamento de Água e Energia Elétrica (Daee) criou um projeto para transformar 250 dos poços em locais de monitoramento do aqüífero e verificar o controle da qualidade e do nível da água. Pesquisadores do NEA, coordenados pelo professor Ademar Ribeiro Romeiro, fizeram um estudo, junto com os órgãos responsáveis, como prefeitura da cidade e Comitê da Bacia, para elaborar uma proposta de gestão para a Bacia do Rio Pardo, que deverá ser financiada pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro). A pesquisa aponta a possibilidade de contaminação do aqüífero por agrotóxicos como uma das maiores ameaças , devido as culturas predominantes na região, como batata, tomate e cana-de-açúcar. “Estamos estudando métodos e indicadores para verificar também os empreendimentos da prefeitura, se estão chegando às metas das bacias e assim criarmos condições para manter a qualidade da água bem como sua preservação”, afirma Romeiro.

A reserva é uma das maiores do mundo, com 1,2 milhão de km2 que se estendem pelo Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai. É considerada estratégica para o abastecimento do Cone Sul, pois cerca de 15 milhões de pessoas vivem na área de abrangência do aqüífero. Uma das medidas preventivas tomadas pelo Projeto Guarani (piloto) foi a elaboração de um plano de ação para preservar a reserva a ser realizado pela Câmara Técnica de Saneamento de Água Subterrânea do CBHP e pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

O plano cadastrou todos os poços existentes em 13 cidades da região e permitirá a cobrança pelo uso da água subterrânea do aqüífero. Outra determinação partiu do Comitê da Bacia Rio Pardo que criou uma regulamentação para restringir a abertura de poços em três zonas do município: a zona 1 é a mais crítica (área central); a 2 oferece apenas abastecimento público; e, a 3 é a região de expansão do município, onde só poderão ser perfurados poços com uma distância mínima de um metro entre cada um. “Sempre observando os parâmetros da regulamentação, seguida de análise e aprovação da prefeitura, do Comitê e Daee”, lembra o assistente técnico de gestão do Daee e secretário executivo-adjunto do CBHP, Luiz Renato Crivelenti.

O cadastramento dos poços já era uma necessidade da região desde suas iniciais construções, há cerca de 30 anos, entretanto, o gerente da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb), Marco Antonio Sanchez, enfatiza a importância das medidas para coibir novos poços clandestinos, pois há dificuldade de abastecimento em Ribeirão Preto. “Quanto mais se abrem postos indiscriminadamente, ou permanece a existência de poços ilegais, maior risco de contaminação qualitativa haverá. Por isso, faremos o cadastramento de todos os poços”, diz.

Outro ponto levantado no projeto do NEA é a possibilidade de uso dos recursos hídricos do Rio Pardo. A água desse rio, embora não seja potável, mantém sua vida aquática e qualidade. Para chegar às residências a água precisaria passar por tratamento. Se pudesse ser usado, o Rio Pardo seria uma interessante alternativa para evitar o uso irracional do Aqüífero Guarani, avalia um dos pesquisadores do Ecoagri, Oscar Eduardo Quilodrán, doutor em Engenharia Mecânica. “Dentro do estudo não está descartado o uso da água do Rio Pardo para aliviar a reserva”, enfatiza. Entretanto, o custo para o tratamento de sua água é relativamente alto, dimensiona Sanchez. “É uma solução para racionar o uso do aqüífero, uma vez que 100% de Ribeirão Preto é abastecida com esta água. Com o manancial tratado, o consumo na cidade seria reduzido”, conclui.

Dança amplia formação cultural

A dança é utilizada como ferramenta pedagógica em instituições de ensino formal e não formal, com objetivos os mais diversos, que não a formação de profissionais. No evento “O artista, a bailarina, a atriz: memórias de artistas que ensinam”, realizado no dia 6 de setembro na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, essas e outras questões foram discutidas.

A dança é utilizada freqüentemente como ferramenta pedagógica em instituições de ensino formal e não formal, como Ongs e associações da sociedade civil, com objetivos os mais diversos, que não propriamente a formação de bailarinos profissionais. No evento “O artista, a bailarina, a atriz: memórias de artistas que ensinam”, realizado no dia 6 de setembro na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, estudantes, pesquisadores, professores e artistas debateram sobre as diferentes formas de ensino da dança e as possibilidades de atuação do artista-professor na sociedade contemporânea.

Para Márcia Strazzacappa, coordenadora do evento e professora da FE, a arte possui um potencial transformador da realidade e a dança, em especial, se diferencia de outras manifestações artísticas por lidar com o corpo de forma mais direta. “Ao nos movimentarmos e expressarmos com o corpo, despertamos sentidos adormecidos, deixamos aflorar nosso inconsciente, ressignificamos ações”, afirmou em entrevista.

A formação ou não de bailarinos está em jogo quando se pensa nas diferenças do ensino de dança praticado em instituições especializadas (academias e conservatórios de dança), escolas de educação formal (ensino fundamental e médio) e nas Ongs. Nas primeiras, forma-se o artista da dança. Já nas escolas a dança entra no currículo como uma linguagem artística a mais no ensino de artes. “Isto quando é oferecida, pois, geralmente, a dança é a última opção das escolas. Por vezes oferecida a contragosto dos meninos (que não querem dançar – é coisa de ‘mulherzinha’). No caso de escolas particulares é a ‘cereja do bolo’, geralmente associada à imagem corporal da mulher”, lembra Márcia Strazzacappa.

Já nos projetos desenvolvidos por Ongs, embora o ensino de dança também explore a beleza visual (que ajuda a mostrar ao mundo seu “produto”), mas se diferencia por exigir muita disciplina e dedicação dos alunos. “Para crianças oriundas de universos que, poir vezes, não têm referências de autoridade, ou afetividade (pai e mãe), ou limites (vivem na rua), a prática da dança auxilia na auto-estima, na consciência corporal, no respeito com o outro (trabalho em grupo). Muitas Ongs optam por trabalhar com a dança por estes motivos, não necessariamente para formar o profissional, mas para aproveitar todo benefício que sua prática proporciona”, avalia a pesquisadora do Laborarte.

Dança e inclusão social

A formação artística deve ser um trampolim para uma formação cultural e educacional mais abrangente, um instrumento de inserção social, defende Clermont Pithan, artista circense residente na França, e um dos palestrantes. E há, na arte, uma característica especial: ela proporciona fruição tanto ao artista quanto ao observador, e não necessita de “objetivos” a serem seguidos para que seja realizada. Por isso ela torna-se um importante instrumento pedagógico, e uma opção profissional.

Entretanto, ressalta Pithan, “para ser um artista a pessoa não depende só de talento. Não basta apenas tocar um instrumento. É preciso utilizar a facilidade que esta nova habilidade confere, como a de aprender a racionar e a escutar melhor, e colocar em prática este aprendizado. Os projetos precisam ter continuidade, ajudando seus alunos a encontrar caminhos para suas práticas”, afirma. E Márcia Strazzacappa completa, lamentando: “já acompanhei projetos que têm dança e música, mas que no final o que dá emprego para o jovem é o curso profissionalizante de auxiliar de escritório”. Para Márcia, faltam estudos e dados que indiquem a eficácia das “portas de saída” destes projetos: como os alunos, depois de formados, observam e vivenciam sua formação artística, como se posicionam no mercado de trabalho e como atentam para as mudanças ocorridas em sua vida pessoal, familiar e social.

Isabel Marques, bailarina e doutora em ensino de dança pela USP, em artigo, discute que, por trás de um ingênuo “plié”, e de outros passos do balé, estão valores culturais, sociais e políticos que precisam ser levados em consideração no ensino. “Trabalhar com o balé clássico na periferia significa levar às crianças e aos jovens posturas, atitudes e comportamentos que muitas vezes contradizem, anulam e menosprezam valores e conquistas da sociedade brasileira contemporânea. Este tipo de ensino exige preparo, consciência e conhecimento na área de educação e, acima de tudo, compromisso social dos educadores”, afirma. Por estes motivos, Marques defende que a dança seja ensinada por profissionais com formação, estudo, reflexão e experiência pedagógica.

Os meninos do Barão

Embora grande parte dos projetos de ensino de dança não focalizem a profissionalização dos alunos, existem alguns que apostam nesse caminho, inclusive tentando viabilizar a inserção dos alunos no mercado de trabalho. Meninos do Barão é um projeto com este perfil. Desenvolvido no distrito de Barão Geraldo, na cidade de Campinas, tem por objetivo a formação de bailarinos profissionais. “Na dança existem poucos homens e muitas mulheres, 1 para cada 500, aproximadamente; as academias estão lotadas delas. No final de ano, elas se apresentam e os príncipes nunca chegam; seja porque é muito caro formar-se em dança, seja porque estamos num país machista e preconceituoso”, afirma Beto Regina, bailarino, pedagogo, e coordenador do projeto, que conta com alguns sócios contribuintes, e recursos dos cachês artísticos.

No projeto os meninos da periferia de Campinas formam-se em dança profissionalmente. O curso é gratuito, com duração de seis anos. Os alunos contam também com aulas de reforço escolar, e apoios de saúde especializados. Além de auxílio para transporte, refeições na escola, material de higiene pessoal, e atendimento às famílias com cursos para a geração de renda.

O objetivo do projeto é propiciar a conclusão do curso quando os garotos atingem 18 anos e tentar inseri-los no mercado de trabalho.“Mandamos os meninos tirarem o DRT [registro profissional na Delegacia Regional de Trabalho]; encaminhamos para audições em companhias profissionais de acordo com o perfil de cada um. A partir daí, tendo um emprego fixo, salário garantido, ele passa a ser um sócio contribuinte, dando parte do salário para o projeto e os novos meninos”, explica o coordenador. Dois bailarinos formados pelo projeto atuam profissionalmente na Companhia de Dança do Amazonas, em Manaus.

Documentos da ditadura militar demandam organização e pesquisa

Quais os acontecimentos e desdobramentos, ou as diferenças e semelhanças das ditaduras militares do cone sul da América Latina? Essa foi uma das questões presentes no 3º Congresso Latino-Americano de Ciência Política, promovido pela Associação Latino-Americana de Ciência Política, no início do mês, na Unicamp.

Quais os acontecimentos e desdobramentos, ou as diferenças e semelhanças das ditaduras militares do cone sul da América Latina? Essa foi uma das questões presentes no 3º Congresso Latino-Americano de Ciência Política, Democracia e Desigualdades, promovido pela Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP), no início do mês. Os debates ressaltaram a importância do estudo sistemático dos documentos da ditadura militar.

A cientista política Maria Celina D’Araújo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, destaca que há dois tipos de memória do período da ditadura: a dos militares e a da esquerda (dos torturados), que devem ser analisadas em contra e sobreposições. “Esse estudo, além de construir um registro histórico mais transparente, que não permita o esquecimento dos episódios dessa época, pode auxiliar na percepção brasileira sobre cidadania”, argumenta D’Araújo.

Documentos da ditadura militar

Durante a ditadura brasileira, haviam congresso e partidos, o que promovia uma institucionalidade do governo militar. Segundo a cientista política, apesar de não ser comum em regimes repressores, os documentos produzidos na época foram guardados porque além dos militares acreditarem em seus projetos políticos, havia uma consciência história.

Embora parte dos documentos tenha sido destruída e ainda existam arquivos fechados com o carimbo “secreto”, o Brasil é o país que mais possui fontes e realiza pesquisas sobre a ditadura militar, comenta a pesquisadora do CPDOC.

Em termos acadêmicos, no entanto, o estudo da ditadura militar enfrentou um impasse logo após o seu término. “Se por um lado, a academia ferida, após prisões e exílios, não queria se dedicar ao estudo de um assunto pouco nobre – explica D’Araújo – por outro, tudo era secreto e inacessível”. Apesar das restrições confidenciais, os arquivos do Departamento de Ordem e Política Social (Dops) começaram a ser abertos a partir de meados dos anos 1980.

De acordo com a cientista política, hoje as principais fontes de documentação são os arquivos, produzidos sob parâmetros burocráticos, do Supremo Tribunal Militar (dos quais a Unicamp possui cópia) e do Arquivo Nacional, que disponibliza os documentos do Serviço Nacional de Informação (SNI), do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e da Comissão Geral de Investigações (CGI), os quais se encontravam em poder da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) até o final de 2005.

Por outro lado, D’Araújo explica que, apesar da quantidade de documentação, a pesquisa é dificultada pela desorganização do material. Nessa direção, a pesquisadora do CPDOC chama a atenção para a importância da organização e análise dessas fontes para nossa memória histórica e compreensão dos nossos atuais movimentos políticos. “São questões a recuperar, cada uma em seu contexto”, completa.

Regimes autoritários do cone sul da América Latina

Enquanto no Brasil, os militares falaram, foram entrevistados e biografados, no Chile ou na Argentina nenhum militar falou sobre o período militar e as fontes são poucas, conforme registra a historiadora Silvia Dutrénit Bielous, do Instituto José María Luis Mora, no México.

Bielous explica que no Chile e Argentina a escala de mortos e desaparecidos foi maior, o que pode explicar que a luta pelos direitos humanos, nesses países, é mais forte. Para D’Araújo, o Brasil não possui um movimento de direitos humanos que mobilize a sociedade. Além disso, nesses países há uma preocupação em julgar os militares pela violência e repressão durante seus regimes autoritários. “No Brasil, a transição se deu em forma de acordo – comenta a cientista política – o que gera impunidade para os militares. Nenhum militar irá para o banco dos réus, porque faltam recursos legais para punir. O que vai contra aos direitos humanos”.

Para César Tcach, cientista político da Universidad Nacional de Córdoba, além do número expressivamente superior (10-30 mil entre 1976 e 1983) de desaparecidos políticos na Argentina, outro ponto que diferencia sua ditadura da brasileira foi o seu término: por colapso, no contexto da guerra com a Inglaterra pela posse das ilhas Malvinas. Já no Chile, o plebiscito de 1989 iniciou o fim da sua ditadura, que foi efetivado em 1990 com a saída de Pinochet.

Os pesquisadores ainda identificaram que tanto na Argentina, quanto no Chile, toda cadeia militar era responsável pela violência e repressão aplicada no país. Diferente do Brasil, onde a repressão era institucional, mas era operacionalizada a partir de uma elite de ações. “A ditadura foi, efetivamente, do exército, cujos braços eram as polícias civil e militar”, afirma D’Araújo.