Livro traça perfil da vulnerabilidade social em Campinas e Santos

Foi lançado este mês no Núcleo de Estudos de População (NEPO), da Unicamp, o livro Novas Metrópoles Paulistas – População, Vulnerabilidade e Segregação, organizado pelo demógrafo José Marcos Pinto da Cunha. A publicação é o resultado dos dois primeiros anos de um projeto de pesquisa, desenvolvido pelo núcleo, que estuda as regiões metropolitanas de Campinas e Santos.

Foi lançado este mês no Núcleo de Estudos de População (NEPO), da Unicamp, o livro Novas Metrópoles Paulistas – População, Vulnerabilidade e Segregação, organizado pelo demógrafo José Marcos Pinto da Cunha. A publicação é o resultado dos dois primeiros anos de um projeto de pesquisa, desenvolvido pelo núcleo, que estuda as regiões metropolitanas de Campinas e Santos. Com 28 co-autores, o livro traça um perfil das duas regiões e levanta questões relacionadas à demografia como a desigualdade social, o crescimento populacional e o planejamento urbano entre outras.

O conceito de vulnerabilidade foi escolhido como eixo teórico de toda a pesquisa por permitir que se trabalhe não somente com as necessidades da população, mas também com os recursos que ela dispõe para enfrentar as privações vivenciadas. Segundo Cunha, a idéia de vulnerabilidade está associada com um risco potencial, como por exemplo a pobreza, e a capacidade de resposta das famílias analisadas em situações semelhantes. “Além disso, o conceito de vulnerabilidade possui um caráter multifacetado em que deve-se levar em conta diversos elementos como a inserção no mercado de trabalho, a debilidade das relações sociais e o grau de acesso aos serviços públicos”, diz Cunha.

Ainda com relação à idéia de vulnerabilidade, existem três aspectos a serem considerados: o primeiro é o capital físico, que inclui moradia, terra, máquinas, animais, bens duráveis e o próprio capital financeiro. O segundo é o capital humano, que engloba o trabalho como sua característica principal e o valor a ele agregado pelos investimentos em saúde e educação. O terceiro é o capital social, que inclui as redes de reciprocidade, confiança, contatos e acesso à informação.

O caso de Campinas

No capítulo A Vulnerabilidade Social no Contexto Metropolitano: O Caso de Campinas os autores (José Marcos Pinto da Cunha, Alberto Jakob, Daniel Hogan e Roberto Carmo) demonstram como o conceito é aplicado para observar as metrópoles. Em Campinas, o rápido crescimento populacional, de 300 mil em 1970 para quase 1 milhão em 2000, provocou uma série de transformações no que diz respeito ao acesso aos serviços de básicos e de infra-estrutura.

A partir desse contexto, os autores identificaram as zonas de vulnerabilidade do município. Considerando o capital físico, foram detectados quatro regiões distintas: uma periferia situada ao sul, onde a situação é precária; outra periferia ao norte, com uma precariedade menos acentuada que a do sul; a periferia mais próxima ao centro, onde as condições são satisfatórias; e a região central que possui as melhores condições.

Levando em consideração o capital humano, as periferias mais distantes continuam tendo as piores condições, principalmente as do norte e sul da cidade. Em direção ao centro, a situação é melhor.

Já o capital social é aquele que mais apresenta diferenças se comparado às duas categorias anteriores. Como este aspecto considera as redes de proteção social e os serviços disponíveis, muitos lugares das periferias mais distantes possuem alguns serviços e não se enquandram em situações críticas. A partir dessa análise, os autores identificaram quais são as zonas de vulnerabilidade do município. Esse tipo de levantamento não só pode se tornar referência para outras pesquisas, mas também auxiliar políticas públicas.

Através de análises como essa, o livro traça um perfil das regiões metropolitanas de Campinas e Santos e nos ajuda a entender melhor como funciona as dinâmicas sociais presentes nessas localidades. “O conceito de vulnerabilidade mostra-se um método poderoso de análise das metrópoles, já que seu caráter multifacetado abre um leque enorme de possibilidades”, diz Cunha.

Com tiragem de 500 exemplares e apoio da Fapesp e do CNPq, o livro está sendo distribuído para universidades, bibliotecas e instituições de pesquisa.

Seminário discute a teoria de Milton Santos

Entre os dias 20 a 22 de setembro foi realizado o Seminário 10 anos do livro A natureza do espaço – legado e desafios para a prática e a teoria geográfica, na USP. Para os participantes do evento, a contribuição mais importante, e também mais polêmica, do livro de Milton Santos é a definição de espaço geográfico.

Entre os dias 20 a 22 de setembro foi realizado o Seminário 10 anos do livro A natureza do espaço – legado e desafios para a prática e a teoria geográfica, na Universidade de São Paulo (USP). Para os participantes do evento, a contribuição mais importante, e também mais polêmica, do livro de Milton Santos é a definição de espaço geográfico; que, para o geógrafo, é um conjunto indissociável, contraditório e solidário, de sistemas de objetos e de ações.

Essa definição de espaço retira do centro a idéia de que a geografia estuda apenas as formas materiais e dá força às intencionalidades nos processos de produção do espaço. Para Maria Laura Silveira, professora de geografia da USP, o conceito de Santos permite pensar que o espaço geográfico é um conjunto de coisas materiais, mas que também é feito de formas normativas, leis, códigos e normas das empresas. “Esse meio geográfico é feito de formas culturais, costumes, discursos e ideologias, ou seja, não é apenas palco das ações. Ele também é ação cristalizada em formas materiais, normativas e culturais, permanentemente recriadas, reformuladas e revivenciadas”, analisa.

No entanto, existem outros pontos de vistas, contrários a essa definição. Um deles afirma que o objeto de estudo da geografia não é o espaço geográfico, mas a espacialização das relações sociais. Segundo essa teoria, o espaço não pode ser ação, ou seja, é apenas materialidade, composto de formas materiais pretéritas e presentes, ao contrário do que afirma Milton Santos.

A análise do espaço nos dias de hoje

No último dia de debates, a mesa redonda “Desafios atuais para a pesquisa e a teoria da Geografia” contou com a presença do economista Ladislau Dowbor e a geógrafa Maria Laura Silveira. Em sua fala, Dowbor, do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), lembrou que Milton Santos é um dos poucos intelectuais brasileiros de alcance internacional, recomendado e lido em qualquer Universidade da Europa, ás vezes, muito mais do que no próprio Brasil. “Ele desenvolveu estudos e chegou a uma proposta de como articular os diversos elementos do território [sociedade, economia, meio ambiente]”. Dowbor chamou a atenção para a raridade de estudos desse tipo no Brasil. “Na economia, nós estudamos as taxas de juros, as taxas de câmbio, preços, etc., mas as dimensões estruturais e as articulações possíveis pelo território intervêm pouquíssimo. Não é possível uma compreensão da economia sem a introdução da dimensão territorial”, afirma.

Ladislau Dowbor (à esquerda) e Maria Laura Silveira, debatem a teoria de Milton Santos. Foto: Thais Parolin

Uma análise atual do espaço geográfico, na opinião de Silveira, é preciso estudar o desenvolvimento da técnica e sua elevação ao status de algo absoluto. A técnica, segundo Milton Santos, não existe sem seu par histórico, a política, independente do período que estamos analisando. Talvez nesse sentido ele tenha escrito que “a geografia é uma filosofia das técnicas”.

Para Silveira, no período atual, a técnica e a política são elementos que ganham dimensões nunca vistas antes. “Uma técnica planetária, porque direta ou indiretamente, está presente em todos os lugares: dos macrossistemas técnicos, como as grandes redes de infra-estrutura; aos microssistemas técnicos, embutido em pequenos aparelhos que hoje carregamos conosco”, explica. Já a política planetária unifica, por meio de ações precisas e pragmáticas, esses macrossistemas técnicos ao criar órgãos supranacionais, normas mundiais, ou quando deixa as grandes corporações à vontade para ocuparem os países.

O seminário foi organizado pelos alunos do Laboratório de Planejamento Territorial e Ambiental e Geografia Política (Laboplan-USP) do Departamento de Geografia da USP. Teve como objetivo principal discutir e dar continuidade ao trabalho iniciado pelo geógrafo Milton Santos (1926 – 2001). Os três dias do evento estavam centralizados no conjunto de conceitos do livro A natureza do espaço, cujo subtítulo é Técnica e Tempo. Razão e Emoção. Outras preocupações que Milton Santos tranformou em livros – Rugosidades, Periodização e aceleração contemporânea: Por uma geografia do tempoObjetos e ações no terceiro mundo hoje; e Desafios atuais para a pesquisa e a teoria em Geografia – também movimentaram as mesas redondas dos dias 21, 22 e 23, respectivamente.

A teoria da geografia presente no livro A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção é o resultado de décadas de pesquisa do geógrafo. O livro teve um longo processo de redação. Escrito na década de 1990, período em que o território brasileiro se caracterizou por ser “o território nacional da economia internacional”, traz uma nova teoria em geografia humana para entender os processos de produção e organização espacial. Em 1994 Milton Santos recebeu uma bolsa para pós-doutores da Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e , em 1995, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nesses anos ele se retirou para os EUA e depois para a França, onde pôde estruturar o que chamou mais tarde de “teoria geográfica da sociedade”.

Combate ao trabalho escravo avança no Brasil

A pedido da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o jornalista Leonardo Sakamoto pesquisou e produziu um relatório sobre o trabalho escravo no Brasil. Recém publicado, “Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI”, traz um levantamento do assunto no país, detecta locais onde a situação é mais grave, e aponta caminhos para a erradicação desta prática ilegal.

Combater o trabalho escravo no Brasil: esse é o principal objetivo da publicação “Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI”, produzida pelo jornalista Leonardo Sakamoto a pedido da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Através de um levantamento do assunto no país, o estudo não só detecta os pontos onde a situação é mais grave, como aponta alguns caminhos para a erradicação deste tipo de atividade.

De acordo com Sakamoto, estima-se que 25 mil trabalhadores sejam submetidos todos os anos como escravos em território nacional. “O reconhecimento da existência do trabalho escravo já é um grande passo. Demorou muito tempo para o Estado e a sociedade reconhecerem o fato”, diz. Só a partir disso é que foram criadas instituições formais de combate à escravidão, como o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

Segundo Sakamoto, o aliciamento de trabalhadores é feito por intermediários chamados de “gatos”. Em geral, a abordagem acontece em regiões distantes de onde o trabalho será realizado e as promessas de salários são boas. As pessoas que aceitam a proposta são transportadas, na grande maioria das vezes, em condições precárias e sem segurança. Em muitos casos, o “gato” chega a oferecer um adiantamento de salário para quem precisa.

Quando chegam à fazenda onde irão trabalhar, as pessoas percebem que a situação é diferente da prometida. Os trabalhadores são avisados que estão devendo dinheiro ao dono da terra referente ao adiantamento, ao transporte e à alimentação feita durante a viagem. “Além disso, as pessoas precisam arcar com as despesas de equipamentos necessários ao trabalho, como facões, foices e motoserras”, afirma Sakamoto. Além disso, grande parte das fazendas são distantes das cidades, e os trabalhadores são obrigados a comprar produtos comercializados pelo dono da propriedade. “Com essas condições a dívida de cada um aumenta cada vez mais”, completa. Mesmo que o trabalhador desista do emprego, ele só é autorizado a sair quando a dívida for zerada.

A incidência de trabalho escravo é maior, de acordo com o levantamento feito, nas regiões de fronteira agrícola e é utilizado em atividades agropecuárias. O problema atinge diversos estados do país, mas segundo Sakamoto a situação é pior no Pará. Entre 1995 e 2005, 6 mil pessoas foram libertadas da escravidão no estado. No Brasil todo, no mesmo período, foram libertadas quase 18 mil pessoas. O jornalista argumenta que a região de fronteira agrícola da Amazônia alia grandes propriedades agrícolas com altas taxas de desemprego, situação que favorece o surgimento do trabalho escravo.

De acordo com Sakamoto, o Brasil está obtendo bons resultados no combate ao trabalho escravo, mas ressalta que ainda há muito o que ser feito. “Apesar de eficiente, é um combate incipiente. Precisamos avançar muito”, diz.

Caminhos para erradicar o trabalho escravo

O relatório aponta 5 medidas que podem auxiliar instituições e governo no processo de erradicação da escravidão. O primeiro ponto é a ampliação da estrutura de combate, tanto no que diz respeito ao repasse de verbas, quanto na contratação de pessoal como auditores, policiais e procuradores. Além disso, o relatório sugere uma integração entre os diversos órgãos envolvidos para agilizar as ações.

O segundo ponto é a modificação da legislação vigente com o agravamento das penas para quem pratica esse crime. Um das medidas sugeridas é o confisco de terras onde o trabalho escravo acontece. Além disso, é necessário uma definição sobre a competência de julgamento, se ficará a cargo da instância estadual ou federal.

O terceiro ponto é o fortalecimento da informação com o objetivo de sensibilizar a opinião pública. Sakamoto ressalta que as campanhas existentes não atingem o trabalhador rural, que é a potencial vítima desse tipo de crime. “As campanhas precisam informar esses trabalhadores”, afirma.

O quarto ponto é reforçar os meios de repressão e combate ao trabalho escravo. Um das medidas sugeridas é o fornecimento de transportes mais eficientes para os grupos móveis que agem em regiões distantes. Outra sugestão é a ampliação da “lista suja”, que é usada para cortar créditos de financiamentos de fazendeiros que tenham envolvimento com trabalho escravo. O quinto e último ponto é a prevenção ao trabalho escravo. Nesse item estão inclusos projetos de geração de emprego e renda nas áreas de alto índice de trabalho escravo.