Nanotecnologia: Brasil vive deslumbre e não avalia impactos

Os investimentos em nanotecnologia no Brasil, desde 2005, ultrapassaram os R$ 70 milhões. Já os recursos para os estudos dos impactos dessa tecnologia são escassos. A falta de avaliação dessa nova tecnologia pode expor a sociedade brasileira a problemas éticos, ambientais, sociais e de saúde, alertam cientistas pertencentes à Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma),

Os investimentos em nanotecnologia desde 2005, até o primeiro semestre deste ano, ultrapassaram a casa dos R$ 70 milhões, segundo dados do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Em contraposição, os recursos para as pesquisas sobre os impactos dessa tecnologia são escassos, bem como os estudos neste segmento. A falta de avaliação dessas tecnologias pode expor a sociedade brasileira a problemas éticos, socioambientais e de saúde. O alerta parte de cientistas da Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Renanosoma), vinculada ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). Esse e outros aspectos da temática serão abordados no III Seminário Internacional da Rede, que acontecerá entre os dias 6 a 9 de novembro no IPT.

“Assim como em outros países, no Brasil não se sabe a amplitude do impacto da nanotecnologia na sociedade. Na agricultura, por exemplo, apontam-se muitos benefícios possíveis da nanotecnologia, entretanto, como será o consumo desses produtos, como acontecerá sua introdução nos ecossistemas e quem terá acesso a esses produtos e processos, são questões pouco exploradas”, analisa Paulo Roberto Martins, um dos fundadores da Rede. Recentemente, o Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração (ETC Group, sigla em inglês) destacou em documento que as aplicações médicas em nano-escala devem beneficiar muito a indústria farmacêutica, aumentando sua receita em U$ 9 bilhões em apenas cinco anos. O acesso aos medicamentos, no entanto, será restrito, visto que a tecnologia será patenteada por países potenciais, como os Estados Unidos.

Segundo Martins, os recursos para os estudos de impacto no Brasil estão aquém do necessário porque não há verba destinada para esta finalidade. Em 2001, um edital do Governo Federal divulgou a aprovação de R$ 125 mil direcionados para redes de pesquisas, mas não na área de Ciências Sociais. Neste mesmo ano foram formadas quatro redes e em 2005 passaram para dez, mas todas sem apoio financeiro do Estado. Cenário diferente do que se observa nos Estados Unidos e Europa, que passaram a investir cerca de 10% do orçamento da União, valor referente a U$ 120 milhões, para os estudos de impacto.

Renanosoma

A ausência de uma regulamentação específica para as nanopartículas e seus impactos à saúde e ao meio ambiente, bem como a correlação com a ética no que concerne ao acesso aos produtos e aos testes de novas tecnologias no país, são os principais pontos de reflexão levantados pela Rede, criada há cerca de dois anos. Como a nanotecnologia vai ser aplicada? Por quem? Com quais objetivos? São estas algumas das questões que interessam à Rede investigar.

Os estudos realizados pela Rede se organizam em três linhas temáticas: sociedade, meio ambiente e política; agricultura e ética. Entre os temas focalizados pelos pesquisadores destacam-se: a análise de como os cientistas se comportam com a produção nanotecnológica; a correlação entre a propriedade intelectual e a nova tecnologia; os impactos da nanotecnologia na soja; os problemas ligados à tecnologia militar; os desafios às Ciências Econômicas face às necessidades de abordagens analíticas e de instrumentos para impulsionar os processos de inovação para o desenvolvimento sustentável (em sua acepção ampla numa perspectiva política culturalmente democrática); e diferenças dos resultados socioeconômicos da nanotecnologia nos setores privado e público.

Atualmente, há 28 pesquisadores da área de Ciências Sociais/Humanas que participam da Rede e que estão espalhados pelo país em instituições como: o Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a Fundação Regional de Blumenau, o Centro Universitário do Pará, o Centro de Estudos Jurídicos e Econômicos da Universidade Federal de Espírito Santo e o Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado de São Paulo. Em cada instituição são desenvolvidos pesquisas diferentes sobre os impactos da nanotecnologia, de acordo com o segmento estudado. Na Universidade Federal de São Carlos, por exemplo, são pesquisados os impactos ambientais.

Os pesquisadores envolvidos na Rede ressaltam que os estudos de impactos ainda são incipientes e que a preocupação tem sido cada vez maior, já que circulam no mercado brasileiro produtos contendo nanopartículas, das quais nada se sabe sobre toxicidade e mobilidade, tanto no organismo humano como no meio ambiente. Uma das propostas da Rede consiste no rastreamento dos objetos e produtos criados pela nanotecnologia para que se possa conhecer as possíveis conseqüências socioambientais. Embora a participação de cientistas na discussão dos riscos da nanotecnologia seja fundamental, Martins defende que o debate não fique restrito à comunidade científica. “A nanotecnologia precisa ser pensada, observada e refletida pelo campo social, não apenas por engenheiros e cientistas que promovem as tecnologias, mas por toda a sociedade, pois o impacto socioambiental será um dos aspectos que todos teremos de enfrentar futuramente”, enfatiza.

Seminário Internacional

Para debater a complexidade, as perspectivas e os desafios do desenvolvimento das nanopartículas nas sociedades modernas, e seus impactos socioeconômicos e ambientais, a Renanosoma realizará de 6 a 9 de novembro, das 9 às 17 horas, no Auditório Cid Vinio do IPT, o III Seminário Internacional em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (Seminanosoma). Ao todo haverá oito mesas de discussão sobre os diversos impactos da nanotecnologia em segmentos, como economia, agricultura e meio ambiente. Também serão apresentados os resultados dos projetos de pesquisa aprovados e realizados por meio do edital 13 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). As vagas são limitadas e as inscrições podem ser feitas até o dia 31/10 através do site www.ipt.br/institucional/eventos/nanosoma. Mais informações podem ser obtidas por meio dos e-mails: eventos@ipt.br e marpaulo@ipt.br. Também pelo telefone: (11) 3767-4918.

Direito das mulheres é ampliado no Marrocos

Após anos de reivindicações, as marroquinas conquistaram direitos com a alteração do novo código civil. Para explicar as mudanças e suas possíveis consequências, a diretora do Instituto de Estudos Africanos, da Universidade Mohammed V do Marrocos, Fatima Harrak, esteve no Brasil, no Núcleo de Estudos de Gênero (PAGU) da Unicamp.

Após anos de reivindicações, as marroquinas conquistaram direitos com a alteração do novo código civil. Para explicar quais foram as mudanças e suas possíveis consequências, a diretora do Instituto de Estudos Africanos da Universidade Mohammed V do Marrocos, Fatima Harrak, esteve no Brasil no Núcleo de Estudos de Gênero (PAGU) da Unicamp.

Segundo Harrak, a situação das mulheres no Marrocos ainda está muito aquém da ideal, mas importantes passos foram dados nos últimos anos. “Como o Estado possui um caráter islâmico, o primeiro código civil foi feito pelos líderes religiosos e não a partir das reivindicações da sociedade civil”, afirma. “Só em 2004 o código foi alterado levando em consideração as pautas dos setores não religiosos”, completa.

O primeiro código, implantado em 1957, não dava às mulheres a condição de maioridade, “assim elas sempre dependiam do pai ou do marido até para realizar tarefas simples como tirar o passaporte”, diz Harrak. Além disso, como o homem era a pessoa responsável pelo sustento da família, a contrapartida exigida da mulher era a obediência ao marido. Para Harrak, esse tipo de estrutura familiar cerceava a liberdade das mulheres. O direito ao divórcio também só era concedido aos homens, assim como a poligamia. “Mesmo não sendo uma prática muito comum no Marrocos, os homens possuíam o direito de ter até quatro esposas”, diz.

A pressão por setores da sociedade para transformação do código começou nos anos 60, quando foi formada uma comissão para discutir o assunto. “Mas essas reivindicações nunca chegaram ao parlamento com força o suficiente”, afirma Harrak. Já nos anos 80, a pauta dos direitos das mulheres foi incorporada ao movimento ligado aos direitos humanos e ganhou força, “tanto que em 1991 foi entregue ao rei (Hassan II) uma lista com um milhão de assinaturas pedindo alterações no código civil”, diz.

Percebendo que precisaria ceder em alguns pontos, o rei autorizou uma reforma no código em 1992 que, entre outras coisas, permitia que a mulher desse o consentimento na aceitação do casamento. O divórcio (ainda só permitido aos homens) ficou mais difícil e as mulheres orfãs podiam se casar sem a autorização de seus tutores. Além disso, duas mulheres passaram a participar do parlamento.

“Esse foi um ponto de inflecção, mesmo que as mudanças tenham sido pequenas, ficou claro que a lei não era estritamente religiosa, já que havia espaço para mudanças. A partir disso outras alterações foram inevitáveis”, afirma Harrak.

Com a morte do rei Hassan II e a posse do herdeiro Mohammed VI, foi formada uma comissão nacional para preparar uma outra mudança no código civil, dessa vez com participação mais ativa das mulheres. “Logo no início o novo rei deu sinais de que haveria mudanças. A própria vida pessoal dele indicava isto, quando apresentou sua noiva publicamente, prática incomum no islamismo”, diz Harrak. As mulheres passaram a ter cota de 10% no parlamento e assumiram alguns cargos importantes no governo.

Em 2004, a reforma no código civil é votada e aprovada pelo parlamento. No que diz respeito aos direitos das mulheres, as transformações são agrupadas em 5 ítens. O primeiro diz respeito ao princípio de igualdade, ou seja, o marido perde a responsabilidade pelo sustento da família e a mulher passa a ter as mesmas obrigações. Além disso, é concedido o direito de maioridade para toda mulher com 18 anos. O divórcio também passa a ser permitido para qualquer mulher.

O segundo item, referente à poligamia, possibilita um acordo pré-nupcial em que o homem se comprometa a não ter outras esposas. Se romper o acordo, a mulher pode se divorciar. E mesmo quando existe a poligamia, o homem precisa se comprometer a dar condições de igualdade a todas as esposas.

O terceiro ponto da mudança do código civil enfatiza o papel do poder judiciário no direito da família. Tanto o divórcio, como a separação de bens de um casal são intermediadas pela justiça. Geralmente os bens são divididos meio a meio.

O quarto ponto refere-se ao direito aos filhos. O reconhecimento de filhos fora do casamento é simplificado. Antes eram necessários 12 testemunhas para confirmar esse direito, atualmente existem testes de DNA. Além disso, houve uma pequena alteração sobre a lei da guarda dos filhos. Antes, quando a mãe não tinha condições de criar os filhos após o divórcio, a criança era passada para outras pessoas na família da mulher, nunca para o pai. Agora, o pai é o encarregado da guarda dos filhos se a mulher não tiver condições. O quinto ítem garante aos judeus a liberdade de expressão de sua religião e hábitos.

“Todas essas mudanças estão atreladas a um processo de diminuição da pobreza e do analfabetismo, males que atingem mais as mulheres do que os homens. Apesar das mudanças ainda serem tímidas, é um grande avanço para o Marrocos”, finaliza Harrak.

E agora, doutores? Mercado premia mas não absorve recém-titulados

Roberta Ceriani, que teve sua tese de doutorado premiada pela Fundação Bunge na categoria Juventude, em setembro, retrata a situação de inúmeros doutores que a cada ano se formam no país: mesmo tendo sido reconhecida sua competência e a originalidade de sua pesquisa, ela não tem ainda nenhuma perspectiva de trabalho em alguma empresa.

A experiência de Roberta Ceriani, aluna desde a graduação da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, que teve sua tese de doutorado premiada pela Fundação Bunge na categoria Juventude, em setembro, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, não é muito diferente da situação de inúmeros doutores que a cada ano se formam no país: mesmo tendo sido reconhecida sua competência e a originalidade de sua pesquisa, ela não tem ainda nenhuma perspectiva de trabalho em alguma empresa e no momento, enquanto realiza o pós-doutorado, está se dedicando a dar aulas. Ou seja: o conhecimento gerado fica restrito à universidade.

Mas Ceriani está feliz: “O prêmio é bastante especial, pois não se faz inscrição para recebê-lo. Os contemplados são indicados”. Ela se declara “totalmente aberta a oportunidades” e afirma que está muito satisfeita com aquilo que tem em mãos: o seu pós-doutorado. “Continuo me dedicando à pesquisa e mantendo o mesmo empenho de antes”, garante.

Se tivesse oportunidade, Ceriani poderia se dedicar, por exemplo, a transformar os relatórios gerados pelo sistema de “Simulação computacional de processos de desodorização e desacidificação de óleos vegetais” – seu objeto de estudo no doutorado -, em imagens ou gráficos mais simples de serem entendidos por qualquer operador, com um mínimo de treinamento. Os gráficos atuais, baseados em cálculos matemáticos combinando variáveis de tempo e temperatura durante o processamento dos óleos, são compreensíveis apenas por especialistas.

A simulação de processos por computador, já amplamente empregada em indústrias de engenharia química, em operações de destilação e absorção, permite compreender sua lógica de funcionamento e, a partir desse conhecimento, otimizar a qualidade dos produtos e atuar para minimizar perdas. A originalidade do projeto de Ceriani está na sua utilização na engenharia de alimentos, onde a complexidade dos sistemas envolvidos torna a simulação trabalhosa. “É algo sem precedentes na literatura científica aberta”, destaca a pesquisadora. Tanto que o tema de seu trabalho deu origem a uma nova linha de investigação no Laboratório de Extração Termodinâmica Aplicada e Equilíbrio (Extrae), do Departamento de Engenharia de Alimentos, da Unicamp, onde desde 1994 se vem estudando o equilíbrio e processos na área de óleos vegetais.

“Na verdade, esse trabalho iniciou-se como um projeto de dissertação de mestrado. Mas ao final de um ano e meio, ele foi expandido para um projeto de tese de doutorado, dentro da modalidade de doutorado direto. Os resultados obtidos até então eram bastante promissores e indicavam que o projeto poderia ser mais abrangente”, relata a pesquisadora. Centrado no estudo dos processos de desacidificação por via física (remoção da acidez responsável por um certo desconforto gástrico) e desodorização (remoção de odores desagradáveis), presentes no refino de óleos vegetais, o projeto buscou a otimização da qualidade nutricional desses produtos.

“Os resultados demonstraram a viabilidade da utilização deste tipo de ferramenta como auxílio na decisão das condições de processamento nas quais os eventos favoráveis (remoção de acidez e de compostos indesejáveis) sejam sobressalentes em relação aos eventos desfavoráveis (formação de gorduras trans e perda de compostos nutritivos), uma das maiores preocupações de nutricionistas e fabricantes de alimentos atualmente”, diz Ceriani. “A diversificação nos setores de produção da indústria de óleos vegetais, com o advento do biodiesel, pode gerar novos interesses e recursos, abrindo novas oportunidades de pesquisa na área”, acrescenta.

Otimismo de um veterano

Outro homenageado da FEA/Unicamp pelo prêmio da Fundação Bunge foi o professor Valdemiro Carlos Sgarbieri, vencedor na categoria Vida e Obra. Engenheiro agrônomo de formação, iniciou sua carreira no Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), na década de 60. Partiu para a área acadêmica na Unicamp em 1973, após ter concluído mestrado e doutorado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Não se arrepende: “Se pudesse voltar atrás e tivesse outras oportunidades na vida, estaria seguindo a mesma trilha”, declara. E acrescenta: “É uma questão de opção, de gostar do que se faz. Antigamente a atividade de pesquisa era vista como um sacerdócio”.

Para melhorar as perspectivas dos que estão se formando, ele acredita que é necessário criar uma cultura, demonstrando que investimento em pesquisa não é grande e retorna à empresa em forma de lucro. Mas é otimista: “Hoje, os doutores têm muito mais oportunidades de trabalho na indústria do que a 10 anos atrás”. Para ele, “tudo depende de uma integração muito maior entre o setor produtivo e a universidade, uma situação que vem mudando lentamente, graças a ações como as da Fapesp, que mantém programas para incentivar empresas a aproveitarem a capacitação oferecida pelas universidades”.

No início, suas atividades foram voltadas à pesquisa sobre proteínas de grãos como soja, milho e feijão, atuando com a colaboração do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto de Biologia da Unicamp. Desenvolveu novas cultivares, entre elas uma nova variedade de milho, a Nutrimais, da qual foi criada uma polpa de milho verde desidratada de alto valor nutritivo.

De 1994 a 2002, seus estudos se concentraram nas proteínas do leite, visando sua utilização como matéria-prima para a produção de ingredientes funcionais, empregados na produção de alimentos. Uma das principais linhas dessas pesquisas refere-se às propriedades medicinais do soro do leite capazes de criar impacto na saúde. Os estudos constataram sua ação antitumoral e anticancerígena, a capacidade de baixar o colesterol, prevenir a úlcera estomacal e limitar ou bloquear a ação de vírus e bactérias.

Num estudo realizado por Sgarbieri em parceria com o Centro de Investigações Pediátricas (Ciped) da Unicamp, com crianças portadoras do vírus HIV, com a saúde não debilitada, foi administrada junto com o coquetel de medicamentos para tratamento da Aids uma certa quantidade de um produto desenvolvido a partir do soro do leite. Após uma série de medições de índices referentes ao estado geral de saúde dessas crianças e uma comparação com as que receberam placebo, verificou-se que o sistema imunológico das que receberam o produto foi reforçado. Nelas, foram apresentados os menores índices de infecções oportunistas.