É difícil imaginar como será a sociedade brasileira daqui a dez anos. Especialmente quando se faz uma avaliação retrospectiva: “Dez anos atrás, a web apenas começava, os celulares eram caríssimos (e só serviam para telefonar!). Não havia Google, carros flex, a produção agrícola brasileira não chegava aos pés do que é hoje e ninguém falava sobre células-tronco. Hoje, reclamamos quando em um aeroporto não conseguimos nos conectar sem fio!”, aponta Cláudia Maria Bauzer Medeiros, presidente da Sociedade Brasileira da Computação (SBC).
A única certeza para ela é que os avanços – em engenharia, ciências agrárias, biologia e várias outras ciências – dependem muito de apoio computacional. “A computação está cada vez mais entranhada em nossa vida, podendo melhorá-la, mas também complicá-la – como no caso de vírus de computadores, que destroem sistemas ou paralisam bolsas de valores ou salas de operação”, avalia.
Entre os benefícios a serem trazidos pela computação, ela cita diagnósticos mais rápidos e precisos nos hospitais; a reorganização de arquivos e diminuição de fraudes na Previdência; e a agilização da tramitação de processos na Justiça. No entanto, afirma, tudo depende do usuário. Se ele não souber usar os serviços computacionais adequadamente, poderá até complicar a própria vida; se não lhe for garantido o acesso aos serviços, de nada adiantará desenvolver sistemas eficientes. Essas condições constituem desafios a serem enfrentados pela comunidade científica como um todo e pelos membros da SBC em particular. Estes entendem que a comunidade brasileira de computação precisaria ser mais pró-ativa e definir metas de longo prazo, como forma de contribuir para o desenvolvimento cientifico, tecnológico econômico e social do país.
Um primeiro passo foi o seminário “Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil 2006-2016”, promovido pela SBC no ano passado, com o apoio da Fapesp e da Capes. Segundo Medeiros, o evento foi concebido de modo semelhante aos realizados nos EUA, Inglaterra e Coréia do Norte, nos quais foram definidas as “Grand Challenges” -mudanças necessárias capazes de afetar várias áreas do conhecimento, como a biologia e a química, entre outras, que vêm servindo para nortear as principais linhas de ação de pesquisa em tecnologia de informação nesses países desde 2002. Para ilustrar a importância do evento, Medeiros aponta que o financiamento da pesquisa em computação nos EUA e na Inglaterra, foi definido em 2001-2002 a partir de seminários como esse, e até hoje, as linhas de fomento nesses países se referem aos desafios traçados nesses eventos.
Os resultados foram tão importantes que no Brasil, os diretores da SBC têm sido chamados para apresentar palestra sobre os Grandes Desafios em diversos outros eventos, no país – como a reunião anual da SBPC, e no exterior, em fóruns científicos de outras áreas que querem estudar o modelo do evento. Um dos mais recentes foi o III Workshop Tidia – Programa de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada -, realizado em novembro de 2006, em São Paulo.
Entre os objetivos dessas apresentações, Medeiros cita a ênfase em apontar novos problemas e sua multidisciplinaridade; conscientizar os responsáveis pelas políticas de financiamento acerca de problemas existentes e as soluções mais promissoras; e atrair mais cientistas, no Brasil, para estabelecerem parceria em projetos multidisciplinares.
As metas do decênio 2006-1016
Cinco temas foram definidos como os grandes desafios brasileiros que têm ligação com a realidade atual e apontam para grandes progressos para a sociedade como um todo: a gestão da informação em grandes volumes de dados multimídia distribuídos; a modelagem computacional de sistemas complexos artificiais, naturais e sócio-culturais e da interação homem-natureza; os impactos da transição do silício para novas tecnologias, na área da computação; o acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento; e o desenvolvimento tecnológico de qualidade a partir da disponibilização de sistemas corretos, seguros, escaláveis, persistentes e ubíquos (ou seja, que se difundiu de forma universal).
Um exemplo das pesquisas que irão revolucionar o futuro e contribuir para a gestão da informação em grandes volumes refere-se à transição do silício. Como explica Medeiros, todos os chips atuais são feitos de silício e o problema está relacionado à miniaturização dos circuitos nos chips. De forma simplificada, o problema consiste em que há cada vez mais necessidade de velocidade de processamento, o que exige aumentar as funcionalidades de um chip, juntando mais componentes. Como o espaço é limitado e os componentes exigem energia, ao serem acionados, eles produzem calor. Tudo isso, combinado, cria limites para a miniaturização atual e para o número de componentes em um chip.
Uma das primeiras soluções encontradas foi distribuir os componentes em mais de um processador – a chamada tecnologia multicore, da qual se originaram computadores dual core. Outra alternativa foi desenvolver componentes não dependentes do silício, que não sofram o problema do calor dissipado. “Esta é a razão da transição/mudança de base tecnológica, para permitir desenvolver computadores com maior capacidade de processamento”, explica Medeiros. Entre as opções para essa mudança, uma das mais originais é a “máquina biológica”, que foge aos padrões de computação até hoje conhecidos e aproveita a capacidade das células de organismos vivos armazenarem informações!