O futuro à computação pertence

No seminário “Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil 2006-2016”, promovido pela SBC no ano passado, e concebido de modo semelhante aos realizados nos EUA, Inglaterra e Coréia do Norte, foram definidas as “Grand Challenges” – mudanças necessárias capazes de afetar várias áreas do conhecimento nos próximos dez anos.

É difícil imaginar como será a sociedade brasileira daqui a dez anos. Especialmente quando se faz uma avaliação retrospectiva: “Dez anos atrás, a web apenas começava, os celulares eram caríssimos (e só serviam para telefonar!). Não havia Google, carros flex, a produção agrícola brasileira não chegava aos pés do que é hoje e ninguém falava sobre células-tronco. Hoje, reclamamos quando em um aeroporto não conseguimos nos conectar sem fio!”, aponta Cláudia Maria Bauzer Medeiros, presidente da Sociedade Brasileira da Computação (SBC).

A única certeza para ela é que os avanços – em engenharia, ciências agrárias, biologia e várias outras ciências – dependem muito de apoio computacional. “A computação está cada vez mais entranhada em nossa vida, podendo melhorá-la, mas também complicá-la – como no caso de vírus de computadores, que destroem sistemas ou paralisam bolsas de valores ou salas de operação”, avalia.

Entre os benefícios a serem trazidos pela computação, ela cita diagnósticos mais rápidos e precisos nos hospitais; a reorganização de arquivos e diminuição de fraudes na Previdência; e a agilização da tramitação de processos na Justiça. No entanto, afirma, tudo depende do usuário. Se ele não souber usar os serviços computacionais adequadamente, poderá até complicar a própria vida; se não lhe for garantido o acesso aos serviços, de nada adiantará desenvolver sistemas eficientes. Essas condições constituem desafios a serem enfrentados pela comunidade científica como um todo e pelos membros da SBC em particular. Estes entendem que a comunidade brasileira de computação precisaria ser mais pró-ativa e definir metas de longo prazo, como forma de contribuir para o desenvolvimento cientifico, tecnológico econômico e social do país.

Um primeiro passo foi o seminário “Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil 2006-2016”, promovido pela SBC no ano passado, com o apoio da Fapesp e da Capes. Segundo Medeiros, o evento foi concebido de modo semelhante aos realizados nos EUA, Inglaterra e Coréia do Norte, nos quais foram definidas as “Grand Challenges” -mudanças necessárias capazes de afetar várias áreas do conhecimento, como a biologia e a química, entre outras, que vêm servindo para nortear as principais linhas de ação de pesquisa em tecnologia de informação nesses países desde 2002. Para ilustrar a importância do evento, Medeiros aponta que o financiamento da pesquisa em computação nos EUA e na Inglaterra, foi definido em 2001-2002 a partir de seminários como esse, e até hoje, as linhas de fomento nesses países se referem aos desafios traçados nesses eventos.

Os resultados foram tão importantes que no Brasil, os diretores da SBC têm sido chamados para apresentar palestra sobre os Grandes Desafios em diversos outros eventos, no país – como a reunião anual da SBPC, e no exterior, em fóruns científicos de outras áreas que querem estudar o modelo do evento. Um dos mais recentes foi o III Workshop Tidia – Programa de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada -, realizado em novembro de 2006, em São Paulo.

Entre os objetivos dessas apresentações, Medeiros cita a ênfase em apontar novos problemas e sua multidisciplinaridade; conscientizar os responsáveis pelas políticas de financiamento acerca de problemas existentes e as soluções mais promissoras; e atrair mais cientistas, no Brasil, para estabelecerem parceria em projetos multidisciplinares.

As metas do decênio 2006-1016

Cinco temas foram definidos como os grandes desafios brasileiros que têm ligação com a realidade atual e apontam para grandes progressos para a sociedade como um todo: a gestão da informação em grandes volumes de dados multimídia distribuídos; a modelagem computacional de sistemas complexos artificiais, naturais e sócio-culturais e da interação homem-natureza; os impactos da transição do silício para novas tecnologias, na área da computação; o acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento; e o desenvolvimento tecnológico de qualidade a partir da disponibilização de sistemas corretos, seguros, escaláveis, persistentes e ubíquos (ou seja, que se difundiu de forma universal).

Um exemplo das pesquisas que irão revolucionar o futuro e contribuir para a gestão da informação em grandes volumes refere-se à transição do silício. Como explica Medeiros, todos os chips atuais são feitos de silício e o problema está relacionado à miniaturização dos circuitos nos chips. De forma simplificada, o problema consiste em que há cada vez mais necessidade de velocidade de processamento, o que exige aumentar as funcionalidades de um chip, juntando mais componentes. Como o espaço é limitado e os componentes exigem energia, ao serem acionados, eles produzem calor. Tudo isso, combinado, cria limites para a miniaturização atual e para o número de componentes em um chip.

Uma das primeiras soluções encontradas foi distribuir os componentes em mais de um processador – a chamada tecnologia multicore, da qual se originaram computadores dual core. Outra alternativa foi desenvolver componentes não dependentes do silício, que não sofram o problema do calor dissipado. “Esta é a razão da transição/mudança de base tecnológica, para permitir desenvolver computadores com maior capacidade de processamento”, explica Medeiros. Entre as opções para essa mudança, uma das mais originais é a “máquina biológica”, que foge aos padrões de computação até hoje conhecidos e aproveita a capacidade das células de organismos vivos armazenarem informações!

Criado na Unesp o “flex livro” brasileiro

Misto de caderno-livro eletrônico, desenvolvido na Unesp de Bauru, é barato e emprega tecnologia 100% nacional. Seus criadores o definem como um dispositivo típico da era da convergência e estimam que poderá custar o equivalente ao que uma família gasta no início do ano com material escolar, e seria útil por quatro a cinco anos. Mas para isso, dependem de parceria com a indústria para a produção e distribuição do produto.

Com 29 cm de comprimento e 17 cm de largura, o protótipo desse computador portátil, originalmente idealizado para ser usado por estudantes, é pouco menor que um caderno universitário: pesa apenas 450 gramas com sua bateria básica mais barata, que oferece autonomia de carga para 48 horas. Dotado de processador RISC de 400 MHz, 128 MB de memória RAM, display colorido de alta resolução, 1 GB de capacidade interna e conectividade wireless (sem fio) e por cabo, ele foi desenvolvido no Laboratório de Tecnologia da Informação Aplicada (LTIA), ligado ao Departamento de Computação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Bauru, no interior de São Paulo.

Embora pequeno e de baixo custo (US$ 250 em sua versão mais simples), é capaz de realizar várias tarefas com os aplicativos mais usados: navegador de Internet, programa de mensagens, editor de texto, leitor de PDF e e-books, reprodutor de MP3 e Vídeos (MPEG2), acesso como terminal remoto de um PC, compartilhamento de arquivos, suporte a objetos educacionais, além de outros aplicativos para Windows. Acessa a Internet sem fio e a rede de dados utilizada pela telefonia celular tradicional, conhecida como GPRS e poderá ser utilizado como um e-book, e-movie e e-apostila, além de outros usos educacionais.

O projeto, que recebeu o codinome Cowboy, para facilitar a troca de informações sigilosas entre os pesquisadores envolvidos nesse trabalho, foi idealizado por Daniel Igarashi, 24 anos, aluno de mestrado em Ciência da Computação daquela universidade, na área de Arquitetura de Computadores, com a orientação do professor Eduardo Morgado, coordenador do LTIA.

A proposta era criar um dispositivo de baixo custo, com tecnologia nacional, capaz de atender as necessidades computacionais básicas de usuários que não têm, não querem ou não precisam de todos os recursos que os computadores atuais são capazes de oferecer; mas sem a intenção de ser um sub-PC ou competir com o espaço onde os notebooks “normais” estão cada vez mais presentes. “A nossa criatividade foi usar como ponto de partida, para desenvolvimento desse projeto, uma plataforma de embarcados – aquela sobre a qual se constroem PDAs (Portable Device Assistans, ou computador de mão) e Smart Phones. Não usamos as plataformas de PC como ponto de partida. O processador do protótipo é um processador de embarcado”, destaca Morgado.

Por semelhança de uso, seus criadores entendem que ele poderia ser classificado como um “super-PDA” (computador de mão), porém dotado de um teclado de PC e com uma proposta inovadora de interface, muito envolvente e de “computação confortável”. Essa “computação confortável”, explica Igarashi, é um conceito novo cunhado pela equipe do LTIA, que consiste numa navegação mais simples, organizada e intuitiva. Dispensa, por exemplo, o uso do mouse para operação, pelo fato de qualquer de seus aplicativos poderem ser acionados com o toque de apenas duas teclas. No caso dos usuários serem acostumados com o mouse, o Cowboy possui duas entradas USB auxiliares que possibilitam a conexão de um mouse USB (que custa cerca de R$ 10) ao dispositivo.

Outra facilidade enquadrada nesse conceito é a possibilidade de uso flexível: o display pode ser movido tanto na horizontal quanto na vertical, permitindo a leitura em ambas as posições. Quando aberto, pode ser usado de maneira semelhante ao do notebook comum. Deitado, permite a leitura e navegação confortável em qualquer situação de uso. E fechado torna-se compacto e conveniente para ser levado a qualquer lugar.

Foram considerados ainda na sua construção aspectos saudáveis e ergonômicos: além da leveza do equipamento, o display de LCD não emite os mesmos tipos e intensidades de radiações emitidas pelos monitores de raios catódicos (prejudiciais aos olhos e à pele). No entanto, ressalvam os pesquisadores, ainda não foram feitos testes em larga escala nem com a participação de especialistas em medicina ocupacional. “A ergonomia que propusemos foi a partir de uma observação simples de diversos consoles de jogos portáteis que adotam esse modelo. Isso realmente ajuda a navegação em menus complexos, como os dos jogos eletrônicos modernos”, explica Igarashi.

Apesar de dotado de potência menor que a de um PC convencional, o Cowboy possibilita acesso a outros PCs ou servidores por meio de um sistema de conectividade, “conversando” com outros dispositivos sem necessitar de uma configuração adicional. Isso será possível porque o protótipo foi dotado de uma tecnologia conhecida como UPnP (Universal Plug and Play), uma tendência da indústria de eletrônicos, que permite a conexão entre dispositivos de uma forma mais amigável.

O projeto da Unesp foi elaborado durante um ano e exigiu investimentos de aproximadamente R$ 80 mil da universidade. Contou com o apoio das empresas parceiras Texnequip e Mstech, que ofereceram apoio tecnológico onde o domínio técnico era restrito, e ainda da Microsoft, que ofereceu cursos e suporte para entender e modificar o sistema operacional Windows CE 5.0. “Acredito que ele é um dispositivo típico dessa era de convergência que se aproxima. É mais importante sua capacidade de MP3/MPEG e de exibir e-books do que sua capacidade de escrever textos. Ele pode ser o considerado ‘livro eletrônico brasileiro’, ou melhor, o ‘flex-livro’ brasileiro”, opina Igarashi.

A esperança do professor e do aluno é conseguirem mais um parceiro, dessa vez na indústria, que os ajude a dar os próximos passos ligados à produção, distribuição e posicionamento do produto no mercado. Outra expectativa é que o custo seja mais baixo que o estimado pelos estudos que realizaram, equivalente aos gastos que uma família ou o governo têm com material escolar no início do ano letivo. Porém, o Cowboy seria comprado uma única vez e duraria de quatro a cinco anos.

Ainda segundo os pesquisadores, o novo dispositivo poderá ser o de maior índice de nacionalização no país e o único que ao ser exportado gerará patentes de hardware e software para o Brasil. “O Cowboy quebra paradigmas e apostamos nisso para levantar a bandeira de inovação brasileira”, conclui Morgado.

Rodovias: “se o Estado não prover, ninguém mais o fará”

A melhoria das estradas é considerada crucial para se alcançar o tão desejado “crescimento econômico”. Na análise de Augusto Hauber Gameiro, professor da USP, as rodovias são um bem público que “o mercado ‘falha’ ao tentar ofertá-lo espontaneamente”. Por isso o governo precisa investir na recuperação e manutenção das rodovias.

A melhoria das estradas é considerada crucial para se alcançar o tão desejado “crescimento econômico”. Pelas rodovias brasileiras passam 96% do transporte de passageiros e 62% do transporte de carga do país. No entanto, cerca de 75% da malha rodoviária nacional apresenta algum tipo de deficiência, segundo a Confederação Nacional de Transportes (CNT). Isso acarreta aumento nos gastos com combustível e manutenção de veículos; alta no valor do frete e, conseqüentemente, nos preços dos produtos ao consumidor; e eleva a emissão de gás carbônico. Isso sem falar nos riscos de acidentes envolvendo pedestres, motoristas e passageiros. Na análise de Augusto Hauber Gameiro, professor da USP, a maior parte das rodovias é caracterizada pelo que se chama na Teoria Econômica de bem público. “De forma bastante resumida, poderíamos dizer que um bem dessa natureza é aquele em que o mercado ‘falha’ ao tentar ofertá-lo espontaneamente. Ou seja, se o Estado não prover, ninguém mais o fará. O mais liberal dos economistas sabe disso”, afirma.

Tendo isso em vista, o Ministro dos Transportes afirmou que o programa de manutenção e recuperação das estradas brasileiras deve ser uma das prioridades do governo já em 2007. Paulo Sérgio Passos afirmou, durante o seminário “Desenvolvimento de Infra-Estrutura de Transportes no Brasil – Perspectivas e Desafio”, que o governo tem consciência da importância dos transportes para o desenvolvimento do país. E parece ter mesmo. No seminário, a ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff anunciou investimentos de R$ 55,8 bilhões para o setor de transportes nos próximos quatro anos. “O Brasil precisa fazer um grande esforço para recuperar a infra-estrutura de transportes existentes em todas as áreas. Assim, será possível viabilizar o desenvolvimento econômico”, justificou ela.

O setor espera que, de fato, se cumpra o prometido. De acordo com o próprio ministro dos Transportes, entre os anos 2000 e 2004 foram investidos em média cerca de R$ 0,7 bilhões para manutenção da malha rodoviária brasileira. O valor evoluiu, atingindo recursos da ordem R$ 2 bilhões em 2005. Ainda na avaliação do ministro, as Parcerias Público-Privadas (PPP), no setor de transporte, devem merecer atenção especial.

“As PPP são a esperança do governo no sentido de conseguir canalizar o capital necessário para a concretização dos investimentos. Mas por mais que a iniciativa privada se interesse – e se esforce para investir nesse setor – provavelmente nada vai acontecer sem o forte e eficiente envolvimento público, tanto na coordenação das políticas quanto na alocação de recursos financeiros”, avalia Gameiro, que também é pesquisador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-Log), da Escola Superior de Agricultura “Luiz Queiroz” (Esalq/USP).

A participação da iniciativa privada ocorre por meio da concessão de trechos de rodovias, situação em que, por um período pré-estabelecido em contrato, deve cumprir um cronograma de investimentos, sob a fiscalização do Estado. Ao final da gestão privada, a rodovia volta ao Poder Público com todas os benefícios realizados, como a ampliação e modernização da malha rodoviária, a custo zero para o Estado. A vantagem da concessionária é a exploração do pedágio durante o período de concessão. Contudo, em trechos em que o tráfego de veículos não é intenso a ponto de compensar, via pedágio, o investimento que deve ser realizado, a responsabilidade recai sobre o governo – caracterizando então o “bem público”.

Mas com tantas outras prioridades na área social, de onde viriam os recursos do governo? Flávio Benatti, presidente da seção de cargas da Confederação Nacional de Transportes (CNT), explica: “recursos para isso existem e são originados pela Cide (Contribuição para Intervenção no Domínio Econômico), que desde a sua criação [2001] já arrecadou R$ 34 bilhões, dos quais apenas R$ 11 bilhões foram aplicados nas estradas” – trecho extraído da revista CNT.

A revista também traz a opinião do economista Raul Veloso, segundo o qual os investimentos no setor de transportes triplicariam se a parte do dinheiro da Cide que deveria ser aplicada nas estradas tivesse realmente essa destinação. De acordo com a revista, “toda vez que um carro é abastecido, R$ 0,28 por litro de gasolina, R$ 0,17 por litro de álcool e R$ 0,07 por litro de óleo diesel são destinados para a Cide (considerando o preço médio desses combustíveis nas grandes cidades em outubro de 2006)”.

Condições das estradas

A CNT divulgou em Brasília, em outubro, a Pesquisa Rodoviária 2006, que avaliou as condições de toda a malha federal pavimentada, as rodovias concessionadas e as principais estradas estaduais, num total de 84.382 km. Os resultados mostram deficiências em 75% dos quilômetros analisados, indicando necessidade de investimentos da ordem de R$ 22,5 bilhões para que as rodovias fiquem em perfeito estado e mais R$ 1 bilhão por ano para mantê-las nessa condição.

Conforme o estudo, o pavimento das estradas foi considerado regular, ruim ou péssimo em 54,5% dos quilômetros avaliados; 40,5% do total não possuía acostamento e 70,3% apresentava sinalização com problemas. Apenas 25% da malha avaliada foi classificada positivamente (11% ótima e 14% boa). As melhores estradas do país estão localizadas no Estado de São Paulo.

Pesquisa do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea), divulgada em outubro, calcula que os acidentes de trânsito nas rodovias brasileiras geram um custo de R$ 24,6 bilhões ao país por ano, incluindo perda de veículos, gastos com hospitais e funerais.

Ratificando os prejuízos causados pela má condição das estradas, Daniela Bacchi Bartholomeu, em tese de doutorado defendida em novembro na Esalq/USP, mostra que se as rodovias em pior estado de conservação fossem recuperadas, haveria uma redução de 4,8% no consumo de combustível e de 4,5% na emissão de gás carbônico, além de uma economia, para o motorista, de quase R$ 34,00 a cada 100 quilômetros rodados.