Comunidades tradicionais e preservação da biodiversidade do bioma

Será possível proteger o pouco que resta da Mata Atlântica e ao mesmo tempo permitir a permanência de humanos no ecossistema? Esta questão opõe os pesquisadores Mauro Galleti, biólogo do departamento de Ecologia da Unesp de Rio Claro e o antropólogo da USP Antonio Carlos Diegues. Ambos debateram o assunto durante a XVI Semana de Estudos da Ecologia, que ocorreu de 26 a 30 de setembro na Unesp de Rio Claro.

Será possível proteger o pouco que resta da Mata Atlântica e ao mesmo tempo permitir a permanência de humanos no ecossistema? Esta questão opõe os pesquisadores Mauro Galleti, biólogo do departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e o antropólogo da USP Antonio Carlos Diegues. O biólogo defende que as pessoas têm que sair das unidades de preservação: “esta é a única e última chance de preservar o que resta das espécies intolerantes à presença humana”. O antropólogo discorda, e afirma que “se perdermos as comunidades tradicionais, teremos perdido um grande aliado. Não porque eles têm consciência ecológica, mas porque eles precisam da natureza”. Os dois pesquisadores debateram o assunto durante a XVI Semana de Estudos da Ecologia, que ocorreu de 26 a 30 de setembro na Unesp de Rio Claro.

De acordo com Galetti, a Mata Atlântica sofre tanto de ameaças antigas como novas. As primeiras incluem caça, desmatamento, tráfico de animais e agricultura. Mais recentemente foram adicionadas construção de rodovias, crescimento urbano rápido, palmiteiros, comunidades tradicionais e tráfico de drogas. “Há muitas estradas cortando a Mata Atlântica, por onde entram os palmiteiros e outros”, alerta o pesquisador. Diegues, por outro lado, defende que a “destruição da mata não tem a ver com comunidades tradicionais e muito menos com caça. Tem a ver sim com a violência da ocupação urbana e das monoculturas”. Ele afirma que tratar os pequenos grupos humanos como um problema é uma forma equivocada de buscar soluções: “O debate não é sobre comunidades tradicionais, é sobre qual a melhor forma de conservação”.

Os dois pesquisadores concordam que a solução não está em delimitar mais áreas de proteção, mas que é preciso preservar a biodiversidade dentro desses trechos de floresta. Por outro lado, a situação leva Diegues a questionar as estratégias atuais de conservação: “Se apesar de todos esses recursos a coisa não vai bem, será que não é necessário um sistema que leve em conta a complexidade natural e social do Brasil?”.

Galetti afirma que, através da caça, as comunidades tradicionais são responsáveis pelo declínio populacional e até mesmo extinção de aves e mamíferos de grande porte nativos da Mata Atlântica. Esses animais incluem o mono carvoeiro (maior primata do Novo Mundo), o bugio, a preguiça, o macaco-prego, a paca, a cutia, o queixada e a anta, e entre as aves a jacutinga e o macuco. Para avaliar o impacto ambiental dos humanos, uma equipe liderada pelo biólogo comparou estimativas do consumo e da produtividade de caça e concluiu que em todas as áreas estudadas o consumo é imensamente maior do que a produção, o que levaria à rápida extinção dos animais de grande porte. Já para Diegues, a cultura dessas populações não é nociva à floresta, pois suas roças são pequenas e diversas, somente para subsistência; segundo ele, a caça e pesca retiradas do ambiente não causam impacto tão sério quanto o apregoado por Galetti. Além disso, os indícios de caça encontrados pela equipe do biólogo podem ter sido deixados por caçadores ilegais e não pelos habitantes das comunidades tradicionais.

Mas não é só por causa da caça que Galetti é contra a permanência de humanos nas reservas naturais. De acordo com ele, as comunidades tradicionais têm o mesmo direito que nós a atendimento de saúde, educação, o que incompatível com unidades de conservação. “Os 2% que restam da Mata Atlântica são finitos, e com o tempo haverá incremento populacional humano, desfigurando a Unidade de Conservação”, alerta. Para ele, a correlação é simples: quanto mais gente, menos fauna. O antropólogo discorda quanto à perspectiva de crescimento populacional. Segundo ele, os caiçaras são migrantes por natureza, portanto essas comunidades não tendem necessariamente a crescer.

Para conciliar a proteção à biodiversidade e a populações humanas, Galetti propõe a transferência de comunidades tradicionais para áreas adjacentes às reservas, onde seriam testados projetos de desenvolvimento sustentável. Diegues, ao contrário, defende que a natureza tem que ser preservada juntamente com as populações tradicionais. O pesquisador acredita que ao longo do litoral sudeste do Brasil, onde há um extenso território caiçara, a floresta permanece saudável exatamente graças ao modo de vida dessas pessoas. “Nós, do planalto, destruímos tudo. Responsabilizar os caiçaras é transformar as vítimas em culpados”. Segundo o antropólogo, “a biodiversidade pode ser preservada, mantida, estimulada porque ela faz parte da relação do homem com a natureza”.

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Etnobotânica no litoral da Mata Atlântica

Análises espaciais podem auxiliar no planejamento de ações contra a doença

A divulgação de que o número de casos de dengue no país durante o primeiro semestre de 2005 foi 70,75% superior ao registrado no mesmo período do ano passado traz a preocupação de haver nova epidemia da doença na recém-chegada estação chuvosa. Entender e tentar prever como se distribuem e difundem, no tempo e no espaço, os casos de dengue é fundamental para se planejar ações de prevenção e combate à doença. As análises possibilitadas pelos sistemas de informação geográfica (SIG) podem auxiliar na compreensão da dinâmica espacial da dengue.

divulgação de que o número de casos de dengue no país durante o primeiro semestre de 2005 foi 70,75% superior ao registrado no mesmo período do ano passado traz a preocupação de haver nova epidemia da doença na recém-chegada estação chuvosa. Entender e tentar prever como se distribuem e difundem, no tempo e no espaço, os casos de dengue é fundamental para se planejar ações de prevenção e combate à doença.

Embora com enfoques, objetivos e escalas de estudo diferentes, duas pesquisas desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontam como a compreensão da dinâmica espacial da dengue pode ser facilitada pelas análises possibilitadas por sistemas de informação geográfica (SIG), programas computacionais em que estão disponíveis diversos tipos de operações analíticas e de suporte a decisões baseadas em informações espaciais.

Experiência municipal

O município de Campinas (SP) conta com um projeto entre a Secretaria Municipal de Saúde, a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e o Núcleo de Estudos de População (NEPO) da Unicamp para utilizar o SIG no combate à dengue. O ponto de partida do projeto consiste em situar num mapa digital das ruas do município os locais de residência das pessoas infectadas pela dengue.

A partir deste procedimento, denominado georreferenciamento (atribuição de coordenadas geográficas ao dado para permitir localizá-lo no espaço), um dos objetivos do projeto é integrar as ações entre Secretaria de Saúde e Sucen. “O SIG permite visualizar nos mapas, os locais onde há surtos da doença e quais tipos de ações foram tomadas em cada local”, conta o Roberto Luiz do Carmo, pesquisador do NEPO e coordenador do projeto. “Estas informações podem ser armazenadas e comparadas mais adiante, por exemplo, quando surgirem outros casos no ano seguinte”, complementa.

A meta do projeto é que o SIG também seja usado para fazer previsões, já que suas ferramentas analíticas possibilitam cruzar essas informações com dados socioeconômicos e ambientais e verificar quais fatores estão relacionados à maior ou menor incidência de casos de dengue. “Se neste ano percebeu-se que houve uma concentração de casos em certo local e isso está relacionado com determinados fatores, pode-se localizar outras regiões da cidade com características semelhantes para concentrar as ações”, exemplifica do Carmo. “A idéia é que esse sistema seja preditivo e que resulte em ações do poder público para andar à frente do problema e não para, como se tem feito, correr atrás dele depois que já está instalada uma epidemia”.

Análise regional da doença

Em sua tese de livre-docência, defendida no final de 2003, Marcos César Ferreira, docente do Instituto de Geociências da Unicamp, buscou modelar a difusão espacial e temporal da epidemia dengue de 2001 entre os 109 municípios da região de São José do Rio Preto (SP). “Do ponto de vista regional, a epidemia de dengue tem um comportamento completamente diferente em comparação à análise local”, destaca.

Na sua pesquisa, Ferreira mostrou que a distância e o grau de conectividade entre cidades em função da rede rodoviária são fatores fundamentais para se entender a dinâmica espaço-temporal da doença. “Na escala regional, os casos novos aparecem num alinhamento preferencial dos grandes eixos de movimento do espaço, seguindo a circulação intermunicipal diária de pessoas para trabalho, serviço e estudo”, explica o geógrafo. A criação de consórcios intermunicipais (parceria entre municípios) a fim de conter a propagação da dengue é uma das sugestões dadas por Ferreira, a partir dos resultados de seu estudo. “Ao invés de realizar o combate numa região determinada, ele seria direcionado a municípios situados em posições estratégicas da rede de transportes, associadas a roteiros futuros da dengue”, propõe o pesquisador.

O estudo de Ferreira baseou-se na chamada “mapemática” – união entre análises matemáticas espaciais e cartografia temática possibilitada pelo SIG. Segundo Ferreira, a grande vantagem do SIG é a rapidez na consulta de dados que permite, já que as epidemias exigem agilidade na tomada de decisões. “Mas isto não significa que aquele que não usa SIG está em condições inferiores”, argumenta. “O SIG não vai revelar coisas diferentes que sem o computador o pesquisador não faria, só demoraria mais tempo”, defende Ferreira, lembrando que a metodologia em que o SIG se apóia é anterior à criação desta tecnologia. Para ele, atualmente se dá uma ênfase exagerada ao aspecto técnico do SIG, deixando-se de lado seu caráter científico. “O que faz o SIG funcionar são as perguntas de análise espacial que o pesquisador faz”, ressalta o geógrafo. “Estas perguntas é que vão se transformar em funções que o programa vai responder ou não”.

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– Migração de pessoas e doenças

“Muro psicológico” ganha espaço nas discussões sobre resultado da eleição alemã

Quinze anos depois da reunificação alemã, a 16ª eleição no país, este ano, não deu nem à CDU (União Democrata Cristã), nem ao SPD (Partido Social-Democrata) votos suficientes para formarem um governo independente. As eleições mostraram que as populações da região ocidental e oriental, mesmo após tanto tempo da queda do Muro de Berlim, ainda têm percepções diferentes sobre a realidade do país. “O muro de concreto caiu, mas ainda há um muro psicológico”, afirma o cientista político e secretário-adjunto de relações internacionais da cidade de São Paulo, Christian Lohbauer.

Quinze anos depois da reunificação alemã, a 16ª eleição no país, este ano, não deu nem à CDU (União Democrata Cristã), nem ao SPD (Partido Social-Democrata) votos suficientes para formarem um governo independente. As eleições mostraram que as populações da região ocidental e oriental, mesmo após tanto tempo da queda do Muro de Berlim, ainda têm percepções diferentes sobre a realidade do país. “O muro de concreto caiu, mas ainda há um muro psicológico”, afirma o cientista político e secretário-adjunto de relações internacionais da cidade de São Paulo, Christian Lohbauer.

Um dos indícios que apontam essa diferenciação é o resultado favorável do partido de esquerda que, depois de 15 anos de resultados negativos, obteve quase 10% dos votos nas eleições nacionais para o parlamento, concentrados, principalmente, entre a população oriental. Esse resultado evidencia, segundo Lohbauer, um fenômeno novo. “A população oriental analisa sua falta de perspectiva como resultado da tradição ocidental”, explica. Mesmo com um investimento de um trilhão de dólares em impostos transferidos da Alemanha Ocidental para a Oriental, as oportunidades profissionais e a qualidade de vida ainda não são as mesmas nas duas regiões do país.

Embora a população oriental seja quatro vezes menor que a ocidental, ainda há o dobro de desempregados na antiga Alemanha socialista. No lado oriental, o nível de qualificação da população é mais baixo e também é menor a arrecadação de impostos e a taxa de natalidade. Dessa forma, mais pessoas continuam a deixar a região oriental em direção ao ocidente. Desde a reunificação, a Alemanha Oriental perdeu cerca de um milhão de habitantes, principalmente jovens em busca de oportunidades de trabalho. Por outro lado, as transformações no lado oriental são visíveis. A infraestrutura foi renovada, as cidades saneadas. As pessoas têm acesso a bens eletrônicos, carros, geladeiras, celulares e TV tanto quanto no ocidente. E a ajuda financeira deve continuar, pelo menos, até 2020.

De acordo com Lohbauer, a população do lado oriental tem certa nostalgia em relação ao comunismo, porque nem todos se adaptaram ao capitalismo. “A população mais jovem se identifica com um movimento de esquerda que nem conheceu, porque vê o passado como um período melhor, já que no momento atual não há emprego, perspectiva”, avalia. Dessa forma, muitos dos votos alcançados pelo partido de esquerda migraram do SPD, partido do atual chanceler Gerhard Schöder. O pesquisador aponta uma divisão da população alemã sobre o que fazer frente à paralisação econômica. “Metade dos alemães concorda que se deve reformar o sistema, a outra metade é contra”, exemplifica. As reformas incluiriam redução dos benefícios sociais, como o seguro desemprego, que hoje é garantido aos alemães por um ano e meio, mas poderá ter o período reduzido.

Lohbauer considera as reformas necessárias porque, segundo ele, a Alemanha deu um passo político maior do que sua capacidade econômica. “A reunificação do país foi um movimento espetacular do ponto de vista político, só que a economia, o estado social alemão, que sustentava o ocidente, não foi capaz de transferir aqueles benefícios para os orientais e manter a estrutura econômica saudável para o país todo”, explica.

Perspectivas
Segundo Lohbauer a reunificação alemã é um dos fenômenos políticos mais bem sucedidos da história do século XX. “A grande conquista foi a união política negociada, sem conflito armado”, aponta. Entretanto, o pesquisador diz que a ideologia que moveu os dois povos a voltarem a ser um povo só ainda tem uma adaptação longa a ser conquistada. “A euforia fez com que muitos acreditassem que em cinco anos a estrutura do país estaria de forma igualitária, e a concepção dos alemães seria uma só, mas não é”, acrescenta. O pesquisador diz que em 25 anos, talvez, esse venha a ser um país unificado. “Desde que não haja mais nenhuma aresta, nem diferença de percepção política entre as populações, nem paralisação produtiva do lado oriental”, explica.

Campanha
Na tentativa de se promover uma maior identificação entre os alemães, e principalmente de se aumentar a confiança individual e a motivação, o governo alemão lançou no dia 26 de setembro a maior campanha de marketing social da história da mídia alemã. Com o mote “Você é a Alemanha”, a campanha conta com o apoio de 25 veículos de comunicação entre rádio, jornal e televisão e não tem orientação política. Como a campanha brasileira “Sou brasileiro e não desisto nunca”, a campanha alemã contou com depoimentos de famosos e desconhecidos, contando suas experiências em inovação e superação de dificuldades. O custo da campanha chega a 30 milhões de euros, mas, ao contrário da campanha brasileira, os custos foram pagos através de apoio corporativo e de personalidades, sem uso de dinheiro público.