Acidente Vascular Cerebral compromete aprendizado das crianças

Ao contrário do que estava registrado nos livros médicos, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) compromete funções cerebrais e afeta o desenvolvimento cognitivo das crianças. É o que vêm constatando um grupo de pesquisadores da Unicamp, que desde a década de 1990 estuda o AVC infantil, doença comumente diagnosticada em adultos, mas ainda pouco conhecida em crianças.

Ao contrário do que estava registrado nos livros médicos, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) compromete funções cerebrais e afeta o desenvolvimento cognitivo das crianças. É o que vêm constatando um grupo de pesquisadores da Unicamp, que desde a década de 1990 estuda o AVC infantil, doença comumente diagnosticada em adultos, mas ainda pouco conhecida em crianças.

“Em geral, a idéia passada pela literatura era de que o AVC na infância teria bom prognóstico, porque, exceto pela hemiplegia (paralisia parcial do corpo), aparentemente a criança não apresentava qualquer outro comprometimento. Na verdade, como a seqüela cognitiva não é tão visível como a motora, não se dava muita importância para esse aspecto” comenta a pedagoga e pesquisadora do grupo, Sônia das Dores Rodrigues. Ainda existem poucos estudos sobre o desenvolvimento cognitivo da criança após o AVC e, conforme conta a pesquisadora, as seqüelas da doença na infância não são tão conhecidas como nos adultos. “À medida que novos estudos estão sendo realizados sobre este tema, mais detalhes são acrescentados”, completa.

Rodrigues, juntamente com neurologistas, fisioterapeutas e psicólogos, realiza testes em crianças com diagnóstico confirmado de AVC, desde a fase aguda da doença, para conhecer os prejuízos nas funções cognitivas. No ano passado, a pedagoga publicou nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria uma pesquisa demonstrando que o desempenho cognitivo desses pacientes nos testes aplicados foi significativamente inferior ao das crianças da mesma idade que nunca tiveram a doença.

Em outro artigo, que está sendo analisado para publicação na mesma revista, a psicóloga Inês Elcione, faz uma descrição mais detalhada dos déficits neuropsicológicos do acidente vascular nas crianças. Os resultados foram obtidos por meio de exames e teste aplicados em crianças que tiveram o AVC e um grupo da mesma faixa etária e escolar que não tiveram a doença (que os pesquisadores chamam de grupo controle). Entre as seqüelas, o estudo observou rebaixamento intelectual, dificuldades lingüísticas, viso-motoras, de organização e de integração espacial. Os pacientes estudados também apresentaram significativa diferença de desempenho da habilidade tátil, de leitura e de memória. “Em todos os exames, as crianças que tiveram AVC apresentaram resultados inferiores aos do grupo controle. Nos casos de reincidência do acidente vascular, verificamos resultados muito mais baixos, compatíveis com uma deficiência mental”, aponta a psicóloga. O desenvolvimento cognitivo dos pacientes antes da doença também foi levantado, em entrevistas com pais e professores. Segundo Elcione, em todos os pacientes pesquisados o desenvolvimento cognitivo estava normal até o AVC.

Essas seqüelas, no entanto, podem ser amenizadas se a criança receber acompanhamento adequado. A pedagoga Sônia Rodrigues ressalta que é importante conhecer as novas dificuldades da criança para planejar o melhor método de recuperação do desenvolvimento cognitivo. “Quanto antes o diagnóstico do comprometimento das funções cerebrais for realizado, maior é a chance de otimizar o desenvolvimento das funções cognitivas. Para isso existem métodos pedagógicos de intervenção bastante eficientes”.

Estudos no Brasil começaram na década de 90 Até hoje, o conhecimento sobre o AVC infantil é pouco difundido. No Brasil, as pesquisas sobre a doença tiveram início na década de 1990, incentivadas pela neurologista Maria Valeriana Leme Moura Ribeiro, criadora do grupo de estudos sobre AVC infantil do Departamento de Neurologia da Unicamp.“Na época, ninguém acreditava no AVC em crianças. Os exames de tomografia de crânio e ultra-som foram instalados no Brasil na década de 1990. Até 1992 o diagnóstico do acidente vascular cerebral era exclusivamente clínico, isto é, sem exames específicos. Na Unicamp, os aparelhos chegaram em 1993. Com a documentação em imagens, conseguimos comprovar o diagnóstico de AVC em crianças. Nós fomos os primeiros no Brasil”, lembra a médica.

O Acidente Vascular Cerebral resulta de uma deficiência na irrigação sangüínea do cérebro. Existem dois tipos de AVC: o isquêmico e o hemorrágico. O AVC isquêmico ocorre pela obstrução de uma das artérias do cérebro, que provoca a lesão do tecido cerebral que ficou sem o aporte sangüíneo adequado. Já o AVC hemorrágico ocorre por sangramento de uma das artérias do cérebro e parece apresentar menor número de seqüelas, mas a mortalidade é maior. O isquêmico, ao contrário, apresenta várias seqüelas, mas as chances de sobrevida são grandes.

Menos freqüente que nos adultos, cujas estatísticas mundiais são de 5 a 8 casos em mil habitantes por ano, o AVC afeta cerca de 15 crianças em cada 100 mil hab/ano, “de acordo com estatísticas realizadas em países ricos”, ressalta Ribeiro. No Brasil ainda não existem dados estatísticos, mas estima-se algo em torno de 18 por 100 mil hab/ano. A neurologista conta que no berçário de alto risco do Caism (Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher), na Unicamp, foram identificados 25 casos de AVC em recém nascidos a cada 10 mil nascimentos, “mais ou menos, oito casos por ano”.

Os sintomas do AVC nas crianças são semelhantes aos dos adultos. “De repente, a criança apresenta hemiplegia. Às vezes, a paralisia é precedida de convulsões”, descreve a neurologista. O AVC em crianças tem um diferencial em relação aos adultos: neles, as causas são relacionadas a pressão alta, diabetes, tabagismo ou à utilização de drogas. Nas crianças são muitas as causas: doenças no sangue, disfunções no sistema imunológico, infecções. “Ainda estamos rastreando outras causas. Mais ou menos 25% das crianças ficam sem a definição da causa básica”, comenta.

Além do comprometimento motor, de linguagem e de aprendizado geral a equipe começa a pesquisar as alterações no comportamento das crianças. Segundo a médica, os pesquisadores observaram que, após a doença, algumas crianças podem ficar mais passivas ou mais agitadas.

Ferramenta avalia como a epilepsia é percebida pelas pessoas

A epilepsia é a condição neurológica grave mais comum que existe. Paradoxalmente, é cercada por mitos que rotulam e discriminam os portadores dessa condição. Uma pesquisa realizada na Unicamp propõe uma maneira de avaliar o tamanho e os estragos do estigma da epilepsia sobre a qualidade de vida e a saúde dessas pessoas, iniciativa inédita no Brasil e no mundo: a escala de estigma na epilepsia. Por meio de questões e cálculos estatísticos, a ferramenta mede a percepção que a sociedade tem do estigma na epilepsia. O trabalho representa a terceira fase do Projeto Demonstrativo Brasileiro para a Campanha Global “Epilepsia fora das sombras”, que teve início em 1997, liderada pela Organização Mundial da Saúde, International Bureau of Epilepsy e International League Against Epilepsy.

A epilepsia é a condição neurológica grave mais comum que existe. Paradoxalmente, é cercada por mitos que rotulam e discriminam os portadores dessa condição. Uma pesquisa realizada na Unicamp propõe uma maneira de avaliar o tamanho e os estragos do estigma da epilepsia sobre a qualidade de vida e a saúde dessas pessoas, iniciativa inédita no Brasil e no mundo: a escala de estigma na epilepsia. Por meio de questões e cálculos estatísticos, a ferramenta mede a percepção que a sociedade tem do estigma na epilepsia. O trabalho representa a terceira fase do Projeto Demonstrativo Brasileiro para a Campanha Global “Epilepsia fora das sombras”, que teve início em 1997, liderada pela Organização Mundial da Saúde, International Bureau of Epilepsy e International League Against Epilepsy.

O Projeto Demonstrativo teve início em 2002, com o levantamento epidemiológico da epilepsia. Em seguida, profissionais de saúde e professores fizeram cursos de atualização e capacitação. A escala de estigma na epilepsia colabora para a identificação da percepção do estigma na comunidade. Com base nela, é possível fazer um estudo sobre como a doença é vista pela sociedade e pelo próprio paciente e, então, buscar métodos mais eficazes que minimizem o preconceito sobre ela.

O estigma é a situação de discriminação criada pela sociedade. “Para que exista a percepção do estigma, é preciso que haja o estímulo como por exemplo as crises epilépticas, que são percebidas de uma maneira específica por cada pessoa. O paciente, por sua vez, reage ao preconceito percebido, a partir de suas crenças e história de vida”, comenta Paula Teixeira Fernandes, psicóloga do Departamento de Psicologia da Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia (ASPE) e autora da pesquisa. “A percepção do estigma é o reflexo da existência do estigma na sociedade”, conclui.

Apesar de afetar uma parcela considerável da população mundial, 1% a 2% das pessoas (só no Brasil existem mais de 3 milhões de casos), e de ser tão antiga quanto a própria humanidade, a epilepsia é até hoje associada a possessões demoníacas e problemas espirituais. Por conta disso, a pessoa com epilepsia ainda enfrenta dificuldades sociais como arranjar um emprego, formar uma família e se inserir na sociedade. Ela é considerada diferente e se sente diferente. “O que a gente fez foi avaliar como isso acontece na população brasileira. Nós desenvolvemos esse instrumento para fazer o levantamento epidemiológico da percepção do estigma na comunidade”, explica a pesquisadora.

Para fazer esse levantamento foi preciso antes criar um instrumento: a escala de estigma na epilepsia, que avalia as dificuldades enfrentadas pelos epiléticos no dia a dia, a qualidade das informações e os tipos de preconceito existentes. As perguntas são respondidas tanto pelos pacientes quanto pela comunidade em geral. As respostas são avaliadas em uma escala de quatro componentes – não, um pouco, bastante, muitíssimo. Depois, por meio de uma fórmula estatística, essas respostas são transformadas em um escore geral, utilizado para avaliar a percepção do estigma.

Em Campinas, o levantamento analisou 1850 casos e concluiu que o estigma varia de acordo com o sexo (nas mulheres a percepção do estigma foi maior), com a orientação religiosa (os espíritas são os que encaram melhor a epilepsia) e com a escolaridade (quanto menos a instrução, maior a percepção do estigma). A psicóloga acrescenta que “quanto maior a percepção de estigma, menor a qualidade de vida”.

Por essa pesquisa, Paula ganhou o prêmio Young Investigator Award da Liga Internacional contra a Epilepsia durante o Congresso Mundial de Epilepsia, realizado no final de agosto, em Paris. O prêmio é dado a pesquisadores com menos de 35 anos de idade que realizaram estudos relevantes sobre o tema. Entre 1400 trabalhos apresentados do mundo todo, apenas 31 foram selecionados e 4 deles eram do Brasil.

“O grande mérito desse instrumento é ele ser o primeiro. Até então não existia em nenhuma língua uma escala voltada para quantificar a percepção de estigma na epilepsia. Esse instrumento é uma referência para instrumentos complementares”, comenta Li Li Min, professor do Departamento de Neurologia da Unicamp e orientador da pesquisa. Segundo ele, a escala, como qualquer instrumento de avaliação, tem suas limitações. “Ela serve como uma referência, mas precisa ser complementada”.

Verba para a saúde Os paises que conduzem projetos demonstrativos e mostram resultados estão automaticamente credenciados para solicitar uma verba de U$50 milhões que o Banco Mundial destina à saúde mental. O projeto brasileiro para a Campanha Global “Epilepsia fora das sombras” está previsto para ser concluído no primeiro semestre de 2006.

“O nosso projeto vai ter uma grande utilidade, porque ele tem resultados”, expõe Li Min, que é também presidente ASPE. “Com essa verba, temos a idéia de criar centros estratégicos, um em cada região do Brasil, para atender os pacientes que não se adaptam aos medicamentos. Pelos nossos cálculos, conseguiremos equipar esses centros de referência local com aparelhos adequados e com capacitação de funcionários”.

A idéia, de acordo com o médico, é utilizar as informações levantadas para formular um modelo de atendimento na rede básica aos pacientes de epilepsia no Brasil, adequado à situação da saúde no país. “Tendo em vista que 70% a 80% dos casos são controlados com uma medicação de baixo custo existente na rede básica, o que temos que fazer é pegar o profissional da rede básica e orienta-lo sobre o tratamento com esse medicamento. Os 20% que não se adaptam ao remédio serão encaminhados aos centros de referência”, completa Li Min.

Pesquisadores avaliam a situação de conservação de pequenos mamíferos

Cerca de 40 especialistas em pequenos mamíferos brasileiros se reuniram entre os dias 16 e 19 de outubro em Aracruz, Espírito Santo, para avaliar a situação de conservação de mais de 400 espécies de roedores, marsupiais e morcegos que ocorrem no Brasil, Suriname, Guianas, Uruguai e Paraguai. A Avaliação Global de Mamíferos (GMA) é uma iniciativa da União Mundial pela Natureza (UICN), no Brasil em parceria com a Fundação Biodiversitas e resultará na Lista Vermelha internacional de espécies ameaçadas de extinção. A reunião desta semana foi organizada em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo, que organizaram também o III Congresso Brasileiro de Mastozoologia (estudo dos mamíferos), que terminou no último dia 16, no mesmo local.

Cerca de 40 especialistas em pequenos mamíferos brasileiros se reuniram entre os dias 16 e 19 de outubro em Aracruz, Espírito Santo, para avaliar a situação de conservação de mais de 400 espécies de roedores, marsupiais e morcegos que ocorrem no Brasil, Suriname, Guianas, Uruguai e Paraguai. A Avaliação Global de Mamíferos (GMA) é uma iniciativa da União Mundial pela Natureza (UICN), no Brasil em parceria com a Fundação Biodiversitas e resultará na Lista Vermelha internacional de espécies ameaçadas de extinção. A reunião desta semana foi organizada em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo, que organizaram também o III Congresso Brasileiro de Mastozoologia (estudo dos mamíferos), que terminou no último dia 16, no mesmo local.

O projeto envolve mais de 10 mil cientistas e 180 países. Segundo Wes Sechrest, coordenador da reunião, com a lista vermelha a UICN pretende identificar e documentar as espécies com necessidade de medidas de conservação, fazer um índice global de degeneração da biodiversidade, estabelecer um contexto global para prioridades de conservação e fornecer informações de base para estudos e estratégias conservacionistas.

Durante o encontro, os especialistas se dividiram em grupos de trabalho que discutiram cada espécie de roedores, marsupiais e morcegos. As informações compiladas incluíram alterações ou incertezas taxonômicas, mapas de distribuição, biologia dos animais, preferências de habitat, ameaças principais à espécie, medidas de conservação necessárias e em curso, utilização pelo homem e situação em outras listas vermelhas. François Catzeflis, da Universidade de Montpellier (França), avalia que cerca de 50 espécies descobertas recentemente foram acrescentadas à lista da UICN, o que evidencia o avanço no conhecimento sobre os mamíferos brasileiros. Ao todo, foram avaliadas cerca de 220 espécies de roedores, 150 de morcegos e 50 de marsupiais. Após reunido todo o conhecimento disponível, cada espécie foi classificada em categorias que definem sua situação em termos de conservação. De acordo com Yuri Leite, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), entre 15 e 20 roedores, 5 morcegos e 3 marsupiais foram considerados sob algum grau de ameaça. Outra categoria que reflete possível ameaça é a de “dados insuficientes”, em que são classificadas espécies sobre as quais não se tem informação suficiente, mas há razões para crer que estejam correndo risco. Nessa categoria caíram entre 15 e 20 roedores, 15 morcegos e 4 marsupiais.

Esse tipo de avaliação global poderá nortear futuras estratégias de preservação da biodiversidade mundial. No entanto, diversos pesquisadores presentes no Congresso Brasileiro de Mastozoologia manifestaram preocupação com a elaboração de listas vermelhas. Muitos concordam que as informações sobre a fauna brasileira são, em muitos casos, extremamente escassas, o que torna as propostas de conservação infundadas. Esta situação é agravada pela atenção dada às espécies ameaçadas, em detrimento daquelas sobre as quais quase nada se sabe. Alexandre Percequillo, da Universidade Federal da Paraíba, chamou atenção para o fato de que a Fundação Biodiversitas abriu um novo edital para financiar projetos com espécies ameaçadas. “Continuamos sem verba para estudar o que não sabemos”, lamenta o pesquisador.

Os dados serão agora organizados na sede da UICN e conferidos por uma comissão que avalia a coerência entre diversas avaliações regionais. Em novembro os dados estarão disponíveis para que os participantes da reunião verifiquem as informações, que serão em seguida reunidas com as demais avaliações regionais.

Leia mais: Cientistas brasileiros discordam de avaliação internacional de anfíbios ameaçados de extinção, notícia na ComCiência.