Focos da doença refletem subdesenvolvimento do país

Com tecnologia, o gado brasileiro (chamado de “boi verde” devido à alimentação vegetariana) ganhou espaço e conceito no mercado internacional. Mas no ano em que o País se tornaria território livre da aftosa, meta prevista pelo Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa (PNEFA), 49 países restringem a importação da carne brasileira. O pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Pedro Paulo Pires, afirma que o surgimento de 21 focos da doença no Mato Grosso do Sul (MS) é problema da falta de informação dos pecuaristas.

Com tecnologia, o gado brasileiro (chamado de “boi verde” devido à alimentação vegetariana) ganhou espaço e conceito no mercado internacional. Mas no ano em que o País se tornaria território livre da aftosa, meta prevista pelo Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa (PNEFA), 49 países restringem a importação da carne brasileira. O pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Pedro Paulo Pires, afirma que o surgimento de 21 focos da doença no Mato Grosso do Sul (MS) é problema da falta de informação dos pecuaristas.

Ele esclarece que o gado foi imunizado, mas os produtores aplicam vacina armazenada fora da temperatura indicada (entre 4 a 8 graus). Segundo Pires, a responsabilidade é coletiva, porque se um produtor não imunizar a criação e essa for infectada, todo o estado não pode vender carnes e alguns produtos, como a melancia, que também teve a comercialização vetada para outros lugares do país. “O problema é instrucional, os produtores não recebem condições e informações de como guardar a vacina. Alguns não têm nem termômetro para verificar a temperatura”, ressalta o pesquisador do MS.

Em quase todos os estados do Brasil, a vacinação é obrigatória para conter a aftosa (principalmente no contexto brasileiro onde as fronteiras são fiscalizadas de forma precária) e para diminuir danos aos pecuaristas. Desde 2000, apenas Santa Catarina é considerada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) livre de aftosa sem vacinação. Com a crise, a Secretaria da Agricultura catarinense reforçou as barreiras sanitárias com a ajuda do exército. Segundo informações da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), se descoberta a vacinação de animais, o rebanho será sacrificado e o produtor não terá direito à indenização. Ainda, o pecuarista pode ser acusado de difundir doenças e se culpado, a reclusão varia de dois a cinco anos.

Pressão

A luta para a erradicação da aftosa é estimulada pelo mercado internacional, porque ele paga mais pela carne proveniente de território livre de aftosa sem vacinação. O professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro de Felício constata que “a vacinação não desvaloriza a carne, mas o fato de um país não ter ainda erradicado a doença a ponto de não precisar mais vacinar”. Ele explica que o prejuízo ao produtor com a vacinação é a retirada de meio quilo de carne de pescoço (paleta) no local da aplicação.

Com relação ao embargo do mercado internacional, Felício avalia que não será preciso agradar a ninguém para que os importadores retornem ao mercado brasileiro. Segundo ele, os preços do mercado internacional já subiram muito. “O mundo precisa de carne brasileira que é muito barata e bastante saudável, processada pelos frigoríficos mais higiênicos do planeta”, opina o especialista em produtos de origem animal.

Erradicação

Desde 1960, o Brasil institucionalizou a luta para acabar com a doença, o que também representou aumento de recursos destinados à campanha. A quantia investida saltou de US$ 85 milhões em 1992 para US$ 196 milhões em 2004 (a iniciativa privada foi responsável por 81% desse valor). Além de privados, esses recursos são provenientes dos governos federal e estadual e não incluem gastos com salários e com vacinas. Em 2005, depois dos focos, foram liberados para o MAPA R$ 33 milhões, destinados à erradicação da febre aftosa (incluindo o pagamento de indenizações) e ao apoio à população dos cinco municípios onde o vírus se manifestou.

Apesar dessa iniciativa, o pesquisador do Núcleo de Biossegurança da Fundação Oswaldo Cruz, Gabriel Schütz analisa que as políticas elaboradas pelo PNEFA são verticais (de cima para baixo). “É preciso fazer um programa que integre várias perspectivas, que escute mais as pessoas envolvidas. Mas isto desde o momento da formulação dos programas, e não como normalmente acontece: uma consulta formal depois que as decisões foram tomadas”, explica.

Outra instituição que atua no Brasil e na América é o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Panaftosa), criado há 54 anos e vinculado à Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Ele também realiza pesquisas e atividades, como o Programa Hemisférico para a Erradicação da Febre Aftosa (PHEFA). Em 2004, numa conferência, chegou-se à Declaração de Houston, acordo que estabeleceu o compromisso de extinguir a doença na América do Sul até 2009. Segundo relatório do PNEFA (2004) dos 11 países da América do Sul, apenas o Chile e as Guianas são considerados territórios livres sem vacinação. Paraguai, Venezuela e Equador estão infectados com a doença e os países restantes têm zona livre de aftosa, exceto o Uruguai, que não apresenta mais a doença por vacinar o gado.

Uma ação conjunta com os países que fazem fronteira com o Brasil deve ser realizada porque o vírus se espalha facilmente. Embora sem provas, o Relatório do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) divulgado em outubro pelo governo de MS reforça indícios de que a origem dos focos de febre aftosa no Estado seja proveniente do Paraguai onde é comum a compra de animais pelos brasileiros por preços mais baixos se comparados do Brasil. No entanto, Pires considera que o vírus está presente na fronteira e a saída para exterminá-lo é a vacinação correta do gado brasileiro e paraguaio ou a vigilância cerrada da fronteira.

Riscos

Doutor em saúde pública, Schütz, avalia que a aftosa não representa ameaça à saúde humana. O mais grave são os efeitos econômicos. Ele alerta também para o problema ambiental causado pelo maior rebanho de gado comercial do planeta (segundo IBGE, em 2003, só o rebanho bovino estava estimado em quase 196 milhões de cabeças). “Primeiro se desmata para criar gado, depois se mata o gado e se enterram as carcaças em imensas valas. Trata-se de uma agressão ambiental cujo impacto à saúde é incerto”, avalia.

Religião e futebol são válvulas de escape em sociedade de risco

As crenças religiosas aparecem em todos os times de futebol. Segundo o pesquisador Clodoaldo Gonçalves Leme, do Departamento de Ciências da Religião da PUC de São Paulo, essa é a maneira encontrada por muitos jogadores de suportar as pressões e as dificuldades da profissão dos sonhos de muitos brasileiros, devido à desigualdade social do país.

A influência das manifestações religiosas é marcante no futebol brasileiro. Santinhos, capelas dentro dos clubes, oração de Ave Maria e Pai Nosso nos vestiários (independente da crença), camisas louvando Jesus e devoções afro-brasileiras invadem os campos de todo Brasil. Essa é o tema da dissertação de mestrado em Ciências da Religião “É Gol! Deus é 10 – A religiosidade no futebol profissional paulista e a sociedade de risco”, defendida pelo professor de educação física Clodoaldo Gonçalves Leme, em 15 de outubro.

Na opinião de muitos jogadores, técnicos e integrantes de comissão técnica, a fé potencializa o desempenho esportivo. Segundo o pesquisador, a religião tem lugar de destaque na vida destes profissionais, porque é um meio de ascensão instável, num país de grande desigualdade social. Muitos sonham com o profissionalismo, mas é um caminho difícil, a que poucos têm acesso, precisando passar por diversas provações. “Os profissionais da área sofrem grande pressão psicológica e física e muitas vezes não têm estrutura suficiente para suportar as dificuldades, de onde vem a necessidade de apoio religioso e apelo ao sobrenatural”, afirma Leme.

Os exemplos de fé no futebol são muitos.Em 2002, quando o Palmeiras foi rebaixado para a segunda divisão, a torcida Mancha Verde resolveu protestar fazendo um enterro simbólico de jogadores e dirigentes em frente ao clube. Para afastar o “mau agouro”, a calçada do clube Palestra Itália também foi lavada por baianas, como se faz na Igreja do Senhor do Bonfim, em Salvador. Esse é apenas um dos exemplos da influência das práticas religiosas no país pentacampeão.

De acordo com a pesquisa, a relação entre religião e futebol aparece com freqüência no Brasil, desde o início do século XIX, quando o esporte foi levado para os colégios pelos padres jesuítas. Não é à toa que domingo é o dia da missa e também de futebol. A maioria dos jogadores usa um amuleto ou escapulário no peito. Os traços religiosos aparecem até mesmo no nome dos clubes como Santos e Parque São Jorge. “Alguns técnicos levam as camisas para terreiros de umbanda, sem os atletas saberem, outros fazem rituais escondidos com velas e flores no campo, e já houve casos até de mandarem colocar sal grosso dentro da chuteira ou no gramado”, conta Clodoaldo Leme.

Segundo o pesquisador, a busca por uma segurança em um ambiente de constante pressão começa entre os jogadores amadores. Os garotos costumam ser muito cobrados, podem sofrer lesões e problemas pessoais que influenciam no rendimento esportivo. “A probabilidade de sofrer pressões e, assim se desestruturar emocionalmente, é enorme, pois nem todos são capazes de suportar essa situação de risco”, afirma Clodoaldo. “Para conquistar uma vaga num time profissional, buscam respostas por meio do transcendente”.

No país do sincretismo religioso, as demonstrações coletivas de fé envolvendo todo o time ocorrem mais nas finais de campeonatos, quando uns vibram pela vitória e outros choram o rebaixamento. É comum, por exemplo, jogadores comemorarem o gol apontando para o céu, agradecendo a graça recebida. “Quando ganham agradecem e nas derrotas, costumam acreditar que a crise foi enviada por Deus para que aprendam alguma coisa”, diz Clodoaldo Leme.

O curioso é que até na mídia o discurso religioso aparece nas manchetes de esporte associados ao futebol: “Só um milagre pode salvar”; “Reza do Palmeiras não resolve, Romário joga”; “Jogo de vida ou morte”; “Do céu para o inferno” e “Robinho desceu do Paraíso” são alguns exemplos.

Clodoaldo Lemelembra que este não é um fenômeno apenas brasileiro. Quando Maradona esteve internado em estado grave, a manchete era “Deus, salve Dieguito”, mostrando um torcedor segurando a imagem de Nossa Senhora e rezando. Quando estava se recuperando, os fãs argentinos costumavam dizer: “Deus não morre”. Eles chegaram até a fundar a Igreja Maradoniana, onde cantam hinos de louvor ao ídolo, há chuteiras em forma de cruz e até a estatueta do jogador rodeada de anjinhos. “Para muitos, o futebol ainda significa a única forma de salvação”, conclui o pesquisador.

Cristiana Felippe

Incertezas sobre mudanças climáticas precisam ser ressaltadas

A necessidade de evidenciar à sociedade, especialmente aos tomadores de decisão, as incertezas inerentes aos modelos de previsão de mudanças climáticas foi um dos assuntos da “II Conferência Regional sobre Mudanças Globais: América do Sul”, que reuniu pesquisadores de vários países para apresentar o panorama atual das pesquisas sobre mudanças climáticas no continente sul-americano e discutir uma agenda de investigações futuras.

A necessidade de evidenciar à sociedade, especialmente aos tomadores de decisão, as incertezas inerentes aos modelos de previsão de mudanças climáticas foi um dos assuntos da “II Conferência Regional sobre Mudanças Globais: América do Sul”, que reuniu pesquisadores de vários países para apresentar o panorama atual das pesquisas sobre mudanças climáticas no continente sul-americano e discutir uma agenda de investigações futuras.

Entre os participantes da conferência, Walter Baethgen, do Instituto de Pesquisa para Previsão Climática (IRI – Estados Unidos), foi um dos que mais defendeu a importância de se destacar na interação entre geradores e usuários dos modelos não só os cenários futuros previstos, mas também o grau de incerteza associado a cada um deles. “Um problema sério de comunicação científica é que os resultados das pesquisas são apresentados de modo extremamente simplificados”, criticou Baethgen. “Isto é um risco muito grande, pois os usuários dos modelos, incluindo tomadores de decisão e os próprios cientistas, os entendem como cenários verdadeiros”, advertiu. O pesquisador lembrou que as incertezas podem ser tão grandes que, em alguns casos, diferentes modelos aplicados para uma mesma região podem apresentar previsões completamente opostas em relação, por exemplo, a aumentos ou diminuições de temperatura e chuva.

A existência de tanta incerteza, no entanto, não significa que os modelos não sejam úteis. “A modelagem é a única forma para poder fazer previsões de como poderá ser o clima no futuro”, ressalvou José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). As incertezas das previsões têm várias origens: compreensão ainda limitada da dinâmica atmosférica e de sua relação com as dinâmicas hidrológica e dos ecossistemas, a partir das quais são baseadas as equações matemáticas para funcionamento dos modelos; imprecisões e lacunas no registro dos dados climáticos do passado (histórico e geológico), que servem como ponto de partida para as projeções sobre o clima futuro; e o próprio caráter probabilístico das análises estatísticas a que os dados são submetidos.

No caso dos modelos que buscam avaliar os impactos das mudanças climáticas em determinado setor (como agricultura, saúde ou ecossistemas naturais), a maior dificuldade refere-se às projeções de como será o cenário socioeconômico futuro, que é determinante para se tentar prever, por exemplo, os níveis de emissão de gases de efeito estufa e mudanças no uso das terras. “Isto faz com que os modelos tenham um grande grau de imprecisão, pela própria natureza das incertezas sobre as tendências de crescimento da economia mundial”, apontou o pesquisador Weber Amaral, da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Baethgen, todas essas limitações não podem ser ignoradas quando os resultados das previsões de mudanças climáticas e seus impactos são apresentados aos tomadores de decisão para subsidiar suas ações de planejamento. “Se realmente um dos objetivos do trabalho científico é ter algum impacto social, os resultados devem ser expressos de maneira bem inteligível e destacando sempre a medida da incerteza associada, que é a característica mais importante de qualquer pesquisa em mudança climática”, destacou o pesquisador. Essa também foi a opinião de Marengo. “Temos que qualificar as incertezas e inseri-las na informação, indicando qual o grau de confiabilidade da previsão climática fornecida pelo modelo”, defendeu.

De acordo com o pesquisador do INPE, a preocupação está presente no projeto “Cenários Climáticos Regionalizados de Mudanças Climáticas para América do Sul” (CREAS), por ele coordenado. Segundo Marengo, o objetivo do projeto é usar modelos que forneçam aos tomadores de decisão cenários futuros mais detalhados – acompanhados de suas respectivas incertezas – sobre mudanças climáticas e seus impactos para diferentes regiões do continente sul-americano, uma vez que as previsões atualmente disponíveis são pouco precisas para esta escala espacial. Leia mais:

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