Brincar deve ser alvo de políticas públicas para a infância

Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio de 2005, realizada pelo IBGE, mostra que cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros trabalham, o que os priva de tempo para brincar. Para Roselene Crepaldi, responsável pelo Ponto de Cultura do Laboratório de Brinquedos da USP, o maior desafio para a falta de políticas públicas para a infância é vencer as barreiras políticas e privilegiar os valores acima das siglas partidárias.

Toda criança tem o direito de brincar, diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído há 16 anos. O que parece óbvio, além de estabelecido por lei, ainda é raro para um grande contingente de crianças no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad) de 2005, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes brasileiros trabalham, o que os priva de tempo para brincar. A pesquisa mostrou que o número de crianças de 5 a 14 anos que trabalham cresceu 10,8% no ano passado. A importância do brincar para o desenvolvimento das crianças e para as políticas públicas para a infância são questões discutidas no livro “Programa Ludicidade: Uma proposta para a construção de uma política pública para a infância.” (Editora Libra Três), que será lançado pela Associação Sem Fins Lucrativos Ato Cidadão na primeira quinzena de novembro.

A professora Roselene Crepaldi, responsável pelo Ponto de Cultura do Laboratório de Brinquedos da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e ex-coordenadora do Departamento de Promoções Esportivas e Lazer do Programa Ludicidade (2001-2004), acredita que a falta de políticas públicas que garantam às crianças o direito a espaços públicos de lazer e recreação com qualidade é conseqüência da falta de reivindicações desses espaços, uma vez que a população não tem sequer acesso a serviços públicos de saúde e educação, tidos como “mais importantes”. Para Paula Tubelis, presidente do Ato Cidadão e responsável pela Coordenação Geral dos Projetos realizados pela instituição, “o brincar deve ser alvo das políticas públicas para a infância, pois propicia socialização, convívio familiar e desenvolvimento físico, cognitivo e emocional daqueles que participam dessas atividades, auxiliando o desenvolvimento integral do indivíduo e estimulando uma formação saudável da infância”.

Lazer e recreação são diretamente relacionados à qualidade de vida. A pesquisadora lembra que a criação de novos espaços que valorizem o lúdico, o convívio familiar e a cultura da infância aliada à participação infantil na construção democrática de ações diminuem a exposição das crianças aos riscos sociais presentes em suas comunidades. “Tão importante quanto se sentir seguro nas ruas, ter acesso à educação e saúde públicas, é também o usufruto do tempo livre de forma saudável, lúdica, prazerosa e construtiva”, diz Tubelis.

Críticas e desafios

De acordo com Roselene Crepaldi, as políticas públicas de cultura lazer e esportes (como CEUs, CIAPs, CIACs, entre outros) resultam no confinamento das crianças em instituições com atividades impostas e organizadas por tempo de estudo e faixa etária, além de ficarem longe de suas famílias etc. “É preciso uma revolução cultural”, defende a professora. Para ela, bons exemplos de projetos são as exposições temáticas e oficinas desenvolvidas pelos Serviços Sociais do Comércio (SESCs). “Essas atividades incentivam a participação de todos, os pais vão com os filhos, não é tudo organizado por faixa etária, o convívio é estimulado”, afirma.

O grande desafio apontado pela pesquisadora da USP, maior até que a falta de orçamento, é vencer as barreiras políticas e privilegiar os valores acima das siglas partidárias. Nesse sentido, as políticas públicas ainda precisariam avançar muito. “A rua nos foi roubada pelo trânsito caótico das cidades sem planejamento, sem transportes públicos; as árvores foram cortadas para baratear o custo da limpeza urbana; as praças foram tomadas por estacionamentos; os campos de várzea pelos ‘piscinões’ contra enchentes”, lamenta a professora.

Programa Ludicidade

Programa Ludicidade é uma iniciativa da Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação da Cidade de São Paulo (SEME) e pretende incentivar a convivência familiar e comunitária em ruas e praças e clubes da cidade, favorecendo a integração das pessoas e o divertimento através de atividades lúdicas em áreas públicas, além de estimular os bons costumes, a espontaneidade e a criatividade das crianças e valorizar, assim, as experiências coletivas.

O programa já implementou 14 brinquedotecas fixas, localizadas em Centros Esportivos, um armário-ônibus que possibilita a implantação de brinquedotecas em locais simples e com pouca ou nenhuma infra-estrutura, e transformou dois ônibus em brinquedotecas itinerantes (ônibus Brincalhão). Segundo Crepaldi, os resultados são muito bons, mas não há garantias de que o programa seja permanente. “O programa Ludicidade continua existindo porque há pessoas que acreditam nele, não por se tratar de uma política pública”.

Cerca de 750 exemplares do livro “Programa Ludicidade: Uma proposta para a construção de uma política pública para a infância” serão distribuídos para órgãos públicos governamentais e não governamentais.