Brincadeira é coisa séria!

Alguns docentes do ensino infantil não sabem brincar ou pensam que brincadeira é perda de tempo. Essa foi a conclusão da pedagoga Fabiana Capistrano, em seu mestrado na Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília.

Alguns docentes do ensino infantil não sabem brincar ou pensam que brincadeira é perda de tempo. Essa foi a conclusão da pedagoga Fabiana Capistrano, em seu mestrado na Faculdade de Educação, da Universidade de Brasília (UnB), durante o qual observou, por dois anos, o trabalho de 17 professoras em uma escola de educação infantil do Distrito Federal.

A pesquisa mostrou que na maioria das vezes as professoras apenas observavam as brincadeiras, assumindo uma atitude autoritária ou sem envolvimento, interferindo apenas em casos de conflitos entre os alunos. “Essa realidade é muito comum em outras escolas”, afirma Capistrano, com base em sua experiência profissional como coordenadora pedagógica de uma escola pública e nas duas décadas em que está na Secretaria de Educação do DF. Essa constatação se torna ainda mais preocupante ao se considerar a ampliação do ensino fundamental, a partir deste ano, de oito para nove anos letivos, levando as crianças a serem matriculadas para a 1ª série obrigatoriamente aos seis anos.

O trabalho desenvolvido por Capistrano consistiu em questionários e entrevistas com as professoras e a diretora sobre o projeto pedagógico da instituição, além de observações da própria pesquisadora na escola. O objetivo era verificar como os professores utilizam o brincar na sala de aula, se as brincadeiras representavam apenas momentos de descanso e ocupação de tempo livre ou possibilidades de construção do conhecimento, cooperação, relações de afetividade, superação de problemas.

Segundo ela, na época de Aristóteles (Antiguidade) e Tomás de Aquino (Idade Média), as brincadeiras eram vistas como importantes e necessárias durante as atividades educativas, mas representando uma oposição entre o repouso e o esforço. “Essas concepções ainda se fazem muito presentes nas escolas”, aponta. Em sua dissertação, ela buscou compreender o brincar a partir de concepções em que a brincadeira é vista como possibilidade de aprendizagem, experimentações e comunicação das crianças com o mundo. “Assim, o brincar não seria dissociado dos momentos de atividades relacionadas com o trabalho acadêmico; fariam parte”, ressalta.

Preocupada com suas constatações, Capistrano defende que se o professor não sabe brincar ou já esqueceu das brincadeiras, é hora de aprender ou reaprender, pois uma das formas do desenvolvimento infantil se dá na interação com o outro e com o meio. “O envolvimento do professor é imprescindível. A criança se sente mais valorizada e mais motivada”, opina.

A pesquisadora acredita que é preciso que pais e profissionais entendam a importância desse trabalho e que o brincar esteja permeando o projeto pedagógico da escola. Isso requer a atuação da sociedade e dos governantes, por meio de mais recursos para garantir a consolidação dessa proposta. Capistrano alerta que não se pode, em função da nova legislação, acreditar que teremos que alfabetizar as crianças a partir dos seis anos, na 1ª série. “O processo vai depender do desenvolvimento, interesse e ritmo de cada criança”, avalia.

Na análise de Capistrano, no entanto, não existe polêmica sobre alfabetizar ou não uma criança mais cedo quando se trata de classes economicamente mais favorecidas. “Essas crianças já freqüentam boas creches, boas escolas, boas academias (dança, música, esportes) desde muito cedo e nunca foi perguntado se isso estaria certou ou errado”, comenta.

Brincadeiras na escola particular

Na Escola Miudinho/Segmento, em São Paulo, um dos momentos em que a professora de educação artística Tatiana Bianchini mais sentiu a necessidade de as crianças brincarem, não só como parte de um processo de alfabetização, mas como forma de lidar com sentimentos, foi durante a guerra entre Estados Unidos e Iraque, quando seus alunos se tornaram demasiadamente ansiosos e agressivos por conta das notícias sobre a guerra. “Eles brincavam simulando ataques terroristas na hora do lanche!”, lembra.

“Então conversamos com as crianças, discutimos, fizemos uma seleção das informações recebidas e a partir daí partimos para a criação”, conta. Naquele momento, as crianças começaram a falar da paz, da mudança de pensamento e de idéias. Os trabalhos resultaram na exposição “Faça a arte, não faça a guerra”, onde as produções, segundo a educadora, foram maravilhosas. A agressividade deixou de ser o foco nas brincadeiras.

O sucesso da estratégia resultou na criação do “Ateliê Espaço Brincar”, uma aula onde os alunos, desde a educação infantil até o ensino fundamental, participam de atividades como brincadeiras antigas, valorizando a cultura e o folclore. É como uma brinquedoteca, orientada por uma psicopedagoga na educação infantil, e um ateliê de arte e jogos, orientados por uma arte-terapeuta – professora especializada na técnica que utiliza a arte como forma de expressão para identificação e resolução de conflitos emocionais.

Esse espaço foi criado pela necessidade de se trabalhar diferentes dificuldades numa mesma sala de aula, como um atendimento em grupo, favorecendo a sociabilização e a troca de experiências e habilidades. “Em um ano de trabalho, pudemos observar que grande parte dos alunos que freqüentam o ateliê se encontraram menos agitados e desenvolveram habilidades como o raciocínio mais rápido nos jogos, coordenação e atenção mais acentuadas nas atividades artísticas e respeito à opinião do outro em discussões com o grupo”, relata Bianchini.