Brasil depende da OMC para não se tornar lixeira de pneus europeus

A União Européia entrou com pedido junto a OMC para que o Brasil permita a entrada de seus pneus reformados. O caso foi discutido no Órgão de Solução de Controvérsias da organização entre 5 e 7 de julho. Instituições governamentais e não governamentais defendem as restrições em prol do meio ambiente e da saúde dos brasileiros..

Durante os dias 5 e 7 de julho, o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) avaliou as medidas restritivas do Brasil para importação de pneus reformados da União Européia (UE). Enquanto a postura brasileira foi se enquadrar a lei de 1981, que proíbe a importação de qualquer bem de consumo usado, a da UE foi cumprir suas normas ambientais e garantir a exportação dos seus pneus velhos. Só em 2005, os europeus exportaram 39.478 toneladas de pneus reformados e 138.206 de pneus usados.

Os argumentos da UE estão centrados na falta de compatibilidade das medidas brasileiras com as disciplinas internacionais do comércio, baseando-se principalmente em artigos do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) – lei de 1948, e no laudo arbitral do Mercosul, que permitiu a entrada de pneus reformados provenientes do Uruguai no território brasileiro. Neste âmbito, o problema acaba restrito apenas a esfera comercial, relegando as questões ambientais brasileiras para segundo plano.

Durante a disputa, o Brasil foi defendido por uma delegação composta por representantes dos Ministérios de Relações Exteriores, da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Meio Ambiente (MMA), do Ibama e da Casa Civil. Em documento, a delegação expressou que a posição brasileira está fortemente baseada em aspectos ambientais e de saúde pública, conforme decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Assim como está de acordo com os regulamentos nacionais e compromissos multilaterais que tratam do assunto, como a Declaração do Rio de Janeiro, adotada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992. A proibição também vai ao encontro do que estabelece a Convenção de Basiléia sobre o Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos e seu Depósito, e a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes.

Caso a OMC seja favorável à UE, o Brasil corre risco de se tornar a lixeira de pneus usados dos países desenvolvidos. É o que acredita a coalizão formada pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fboms), Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), Conectas Direitos Humanos, o Greenpeace Brasil e WWF Brasil, entre outras ONGs. A coalizão acompanhou a discussão, enquanto pedia que a UE revisse sua posição e retirasse sua demanda na OMC.

A Europa não possui uma atuação forte na reforma de pneus usados. Itália e Alemanha, por exemplo, reformam 14% e 11%, respectivamente, enquanto que países do leste sequer realizam qualquer tipo de reforma. Esta é uma das razões porque a UE vê na exportação a solução para os seus pneus, em especial após a aprovação da legislação (Landfill Directive – 1993/31/EC), que proíbe o estoque e o descarte de pneus usados em aterros após 16 de julho de 2006. O destino de mais de 80 milhões de pneus velhos, produzidos anualmente pelos europeus, poderá neste caso ser decidido pela OMC. O parecer final da organização está previsto para o final do ano. Antes, ocorrerão mais duas reuniões para discutir o tema: em setembro e novembro.

Os pneus no território brasileiro

Dentro do território brasileiro, a ação da UE possui reforços. O projeto de lei 216/2003, do senador Flávio Arns (PT/PR), prevê a legalização da importação de pneus para serem reformados dentro do país sob o argumento da geração de empregos e do estabelecimento de concorrência saudável no setor de pneumáticos. Embora ainda importe pneus novos, o Brasil proíbe a importação de usados desde 1991, mas por meio de liminares na justiça, empresários brasileiros conseguem importar milhões de pneus de segunda mão, como matéria-prima ou insumo para as indústrias de reciclagem. Por outro lado, por meio do projeto de lei 203/91 que tramita na Câmara dos Deputados, o Brasil debate internamente a controvérsia sobre os pneus.

Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, há 100 milhões de pneus abandonados no território brasileiro, que quando incinerados emitem gases tóxicos, contaminando solo, água e ar. Além disso, o acúmulo de pneus pode potencializar a difusão de doenças como a dengue, febre amarela e malária.

A partir da Resolução 258/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o Ibama multou oito empresas fabricantes de pneus, em 2005, por não darem destinação final, ambientalmente adequada, aos pneus chamados inservíveis. Estima-se que apenas 10% desses pneus são destruídos de acordo com orientações do órgão dentro do território brasileiro.

O Brasil consome anualmente por volta de 50 milhões de pneus. Destes, apenas 2,5 milhões são remoldados, o que torna difícil a compreensão da razão de se importar algo em torno de 10 milhões de pneus velhos. A indústria argumenta a baixa qualidade do pneu fabricado no Brasil – o que é refutado pelo Inmetro – e do seu estado final como resultado das estradas brasileiras para a reutilização.

Destinações dos pneus inservíveis

Segundo dados da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP), após a sua vida útil, há duas possibilidades para os pneus: os denominados usados, que podem ser reformados, e os inservíveis, que podem ser reciclados.

Os pneus inservíveis podem ser transformados em asfalto, embora o impacto ambiental ainda seja avaliado; artefatos de borracha (como piso e carpetes); artefatos de concreto (em substituição à brita, para a confecção de pisos, blocos e guias) e combustível (nesse caso, os fragmentos de pneus são destinados às cimenteiras licenciadas e servem como geradores auxiliares de energia). Contudo, a incineração de pneus não é ecologicamente adequada, uma vez que emite poluentes para atmosfera.

A última novidade em termos de reutilização de pneus é um invento brasileiro que os transforma em mourões de cercas, dormentes de ferrovias e em cruzetas para fios de alta tensão. A alternativa, definida como ecologicamente simples, tecnicamente eficiente e inovadora pela Unicamp, foi patenteada pelo ex-empresário Reynaldo Teixeira do Amaral Júnior e pode gerar renda para comunidades, além de poupar milhares de árvores a cada ano. Tanto o Ibama, quanto a ANIP já se manifestaram favoráveis à iniciativa.