Jovens dizem uma coisa, fazem outra: contradição?

A pesquisa Este Jovem Brasileiro tem gerado idéias, divulgadas em vários sites, de que há uma contradição entre o que os jovens dizem e fazem. Mas essa não é a única possibilidade de analisar os dados. Para Wenceslao Oliveira, da Faculdade de Educação da Unicamp, os resultados não mostram contradições, mas espelham o humano e a diversidade de situações a que somos submetidos.

Os dados produzidos pelo projeto Este Jovem Brasileiro, elaborado pelo Portal Educacional e coordenado pelo psiquiatra Jairo Bouer, têm gerado idéias, divulgadas em vários sites, revistas e jornais, de que há um desencontro entre a forma como os jovens se enxergam e a maneira como se comportam, ou seja, entre o que se diz e o que se faz. O valor que eles têm de si mesmos não combinaria com suas atitudes: são contra a violência, mas já bateram em alguém; dizem não serem preconceituosos, mas não gostam da idéia de ter um vizinho ou amigo gay; consideram-se honestos, mas negociam com cambistas. Mas as possibilidades de pensar a partir dos dados são múltiplas.

Para Wenceslao de Oliveria Jr., professor da Faculdade de Educação da Unicamp, a pesquisa ratifica o que já se sabe: “Uma coisa é pensar sobre algo numa situação calma, tranqüila, protegida, outra é ter algo importante de nós ameaçado, seja o corpo, o amor, a honra e então certamente agiremos e pensaremos de outra maneira. Dizer que é contra atitudes violentas e depois dizer que já bateu em alguém não traz em si uma contradição, mas sim espelha o humano e a diversidade de situações a que somos submetidos em nossos cotidianos”.

pesquisa foi realizada com mais de 6 mil alunos, de 8ª série e de Ensino Médio, mediada pelos professores que inscreveram suas turmas, com idades entre 14 e 17 anos, de 54 escolas particulares de 17 Estados das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Aborda temas como violência, preconceito, honestidade, individualismo e até meio ambiente. Eduardo Cardoso Jr., gerente de conteúdo do Portal Educacional, revela que o principal objetivo da pesquisa foi o de diferenciar o que se diz do que se faz, o discurso da prática. “Procuramos muito mais provocar debates do que comprovar hipóteses, ou seja, estimular a reflexão sobre as diferenças entre discurso e prática tão comuns na sociedade de hoje. Convidar o jovem a assumir o seu papel de protagonista na sociedade do que simplesmente descrever e avaliar suas atitudes”, afirma.

Com perguntas orientadas para a diferenciação entre teoria e prática a pesquisa mostra que 90% dos jovens se consideraram honestos, no entanto, 42% passariam por cima de princípios para chegar onde querem; 35% não devolveriam troco que recebessem a mais; 29% não devolveriam uma carteira achada na rua; 64%, mesmo afirmando não comprar ingressos de cambistas, negociariam com eles em caso de um show imperdível. Para Oliveira, as pessoas agem condicionadas pelas situações, raciocinando a partir do mundo onde estão e do momento que vivem, agindo, muitas vezes, de uma forma imediata, sem pensar, para compensar o que a sociedade ou o governo não oferece. “É interessante pensar, a partir da pesquisa, os tipos de virtudes que os jovens acham válidas atualmente, como a competitividade, ambição e produtividade. O impacto desses valores individualistas são coletivos. Discutir esses valores é um caminho para pensar os jovens, suas inquietações e formas de se relacionar com o mundo”, analisa o professor da Faculdade de Educação.

Ainda segundo os dados, a maioria dos jovens (66%) não se considera individualista, no entanto, quando questionados sobre sua maior preocupação, o item mais citado é de cunho estritamente pessoal (45% estão preocupados basicamente com estudo e futuro profissional). Em casa, mais de 60% dos entrevistados preferem ficar sozinhos em seus cantos, em vez de dividir o espaço com pais e irmãos. O psiquiatra Jairo Bouer chama atenção para o fato de que, na atual sociedade, talvez a noção de “ser individualista” esteja sendo confundida com o conceito de indivíduo valorizado, independente, com certa autonomia. “Dessa forma, os jovens acabam não vendo problemas em se denominarem como pessoas individualistas”, afirma Cardoso. Já Oliveira ressalta o fato de muitas escolas privadas levarem ao caminho do individualismo, pois são voltadas apenas para a aprovação no vestibular, quando deveriam trabalhar o conhecimento para a formação do indivíduo crítico.

Em relação ao tema meio ambiente, 80% dos jovens afirmam que se preocupam com o assunto, e mais de 90% acham que as pessoas poderiam se envolver mais nessa questão. Por outro lado, a pesquisa mostra que muitos jovens tomam banhos demorados, alguns nem desligam a torneira ao escovar os dentes e, se não jogam lixo no chão também não alertam colegas que venham a fazer isso. “Ainda é preciso que os jovens demonstrem suas preocupações com o meio ambiente em suas atitudes cotidianas. A pesquisa convida a refletir sobre isso”, diz Cardoso. O professor Wenceslao Oliveira ressalta a amplitude temática da pesquisa e a possibilidade de se pensar os dados referentes ao meio ambiente mais relacionados às questões políticas e sociais, do que às questões íntimas de cada indivíduo. “As campanhas sugerem que a economia da água seja feita no chuveiro, na torneira, por exemplo, sendo que o consumo urbano representa no máximo 10% do consumo de água. Já a agricultura representa 50%. Enfim, a preocupação é legitima, mas é muito mais uma questão de política pública do que de meio ambiente”.

Os temas da pesquisa foram escolhidos com base na época em que foi realizada a pesquisa, das eleições de 2006, buscando assim um posicionamento dos jovens. “Agora as escolas recebem um relatório nacional e local, o que lhes permite fazer uma análise mais profunda e comparativa da sua realidade. Também são elaborados textos de orientação para professores de como utilizar a pesquisa”, conta Cardoso. Os dados produzidos na pesquisa poderão ser utilizados pelos próprios participantes, pais e educadores para se pensar os jovens, seus dizeres e práticas. Cada escola trabalha com os dados da pesquisa de forma diferente; em algumas, os orientadores assumem o trabalho de debater o resultado com os alunos, em outras, os pais também são convidados à escola para discutir e os alunos. “As informações sobre o perfil do jovem são interessantes para os educadores e orientadores, que também descobrem temas que merecem ser trabalhados em mais detalhes com seus alunos. Os dados produzidos pela pesquisa dão margem a muitas reflexões”, completa Cardoso.

Conflito entre peritos e acadêmicos dificulta investigações policiais

Embora recente no Brasil, a entomologia forense se mostra cada vez mais eficaz nas investigações de mortes violentas. No entanto, conflitos entre pesquisadores e peritos dificultam a evolução dos estudos científicos e investigações policiais. Esse foi um dos assuntos debatidos no I Simpósio Nacional de Entomologia Forense, organizado por Arício Linhares, professor e pesquisador do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Unicamp.

Embora recente no Brasil, a entomologia forense se mostra cada vez mais eficaz nas investigações de mortes violentas. No entanto, conflitos entre pesquisadores e peritos dificultam a evolução dos estudos científicos e investigações policiais. Esse foi um dos assuntos debatidos no I Simpósio Nacional de Entomologia Forense, organizado por Arício Linhares, professor e pesquisador do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Unicamp. O evento, realizado em fevereiro, reuniu especialistas de diversas instituições para discutir dificuldades, tendências e novidades dessa ciência.

A entomologia forense é o estudo, para efeitos legais, de insetos (como moscas e besouros) e artrópodes (aranhas e escorpiões) que atuam na decomposição de um cadáver. Observando a espécie e o desenvolvimento das larvas presentes no corpo, os especialistas conseguem estabelecer diversos aspectos relacionados à morte: se o corpo foi movimentado de um lugar para outro, tempo decorrido da morte e até a causa do óbito. Segundo Linhares, isso é mais comum em casos que envolvem o consumo de drogas por parte da vítima. Assim, na hipótese de uma morte provocada por overdose de cocaína, essa substância certamente será encontrada no organismo dos artrópodes analisados.

Atualmente, esse campo de conhecimento científico tem sido empregado, sobretudo nos países desenvolvidos, como um importante recurso nas investigações. No Brasil, a entomologia começa a ganhar força, mas com muitos desafios pela frente.

Segundo Janyra Oliveira Costa, perita criminal da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e uma das palestrantes do evento, embora a entomologia forense seja a única maneira de investigar a morte quando o corpo já está em decomposição, ela não decola no Brasil: “Esse campo de conhecimento ainda é novidade por aqui. Quase não há laboratórios de pesquisa conveniados com a polícia, o que facilitaria o contato entre pesquisadores e peritos. Também falta a padronização de metodologia de coleta que contemple todos os estados igualmente”, afirma Costa.

A maior discussão sobre a evolução de pesquisas e aplicações da entomologia nas investigações policiais gira em torno dos conflitos existentes entre peritos e acadêmicos. Diante do desconhecimento científico de delegados e juízes, a atividade do perito é examinar a cena do crime para dar subsídios para as investigações, reconstruindo o evento. A entomologia poderia ser precisa nesses casos, mas em geral, não é utilizada. “Os peritos têm aversão aos insetos. E os acadêmicos, aversão ao cadáver, então a relação entre eles fica distante. A polícia precisa de mais orientação, pois muitos ainda acham que a entomologia não serve para nada e que a prática que possuem já resolve o problema. Já os acadêmicos querem fiscalizar o trabalho da perícia, alegando falta de conhecimento dos policiais. E, devido à burocracia, têm dificuldades em coletar dados para as pesquisas em laboratório”, aponta Costa, ressaltando a necessidade de mais divulgação das aplicações da entomologia entre os policiais e autoridades.

Para Arício Linhares, a solução do conflito seria a abertura do mundo acadêmico aos peritos: “Quem usa o conhecimento científico na prática é a perícia, que ignora a entomologia. Isso prejudica as investigações, pois se joga fora uma ferramenta valiosa para desvendar crimes. Contudo, a interação entre esses setores não pode ser forçada. O que tenho feito é atrair pessoas da polícia para o programa de pós-graduação e buscar convênios com o Instituto de Criminalística”, conta o professor.

Entre as soluções para aperfeiçoar as investigações policiais com a ajuda da ciência, Costa propõe investimentos em segurança, convênios entre instituições policiais e educacionais, além de relação mais sólida entre perícia, governo, agências de fomento e estudantes. Já no âmbito de pesquisa, Linhares aponta que os desafios são metodológicos, como ferramentas mais precisas para identificação das espécies e técnicas para detecção de substâncias no corpo, a partir das larvas presentes.

O relato do primeiro caso moderno de entomologia forense utilizando a estimativa de tempo de morte foi protagonizado pelo médico francês Jean Bergeret, em 1855. Vinte e quatro anos depois, o presidente da Sociedade Francesa de Medicina Forense publicou um novo caso. O primeiro estudo sistemático de entomologia ocorreu em 1881 pelo alemão Reinhard. Entre 1960 e 1980, a ciência tomou novo fôlego graças aos trabalhos do médico belga Marcel Leclecq e do biólogo finlandês Pekka Nuorteva. Desde então, a aplicação da entomologia forense em investigações legais tem sido rotineira em países desenvolvidos. No Brasil, as pesquisas se destacam em instituições como a Unicamp, Unesp, Fiocruz, Universidade Federal do Paraná e Unicentro. Os estudos brasileiros da entomologia foram introduzidos por Linhares no final da década de 80 e a primeira tese, defendida em 1993 na Unicamp.

Empresa brasileira cria sistema universal de robótica

A Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, de São Carlos-SP, inicia este mês o desenvolvimento de um sistema robótico que poderá ser usado tanto para educação e entretenimento, como para a indústria. A interface via internet possibilitará que o sistema robótico seja utilizado como ferramenta para o Ensino à Distância.

Estudos realizados no Japão e EUA apostam que, nas próximas décadas, a robótica deve ser uma das dez linhas de pesquisa de maior produção científica no mundo. Isso graças ao avanço tecnológico que tem permitido novas descobertas e aplicações na área. No Brasil, a empresa Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico, incubada na Fundação Parque de Alta Tecnologia (Parqtec), inicia este mês o desenvolvimento de um sistema robótico universal que poderá ser usado tanto para educação e entretenimento como para a indústria. A interface via internet possibilitará que o sistema seja utilizado como ferramenta para o ensino à distância. A plataforma simula um sistema operacional geral, na qual podem ser aplicados softwares e hardwares para programar o robô a movimentar-se.

A estrutura será comercializada, mas cada empresa ou instituição poderá criar suas aplicações de acordo com seus interesses. “Um dos objetivos do projeto é incentivar a criação de empresas de robótica que poderão iniciar suas atividades com esta plataforma pronta, sem precisar investir em Pesquisa e Desenvolvimento”, garante Antonio Valério Netto, gerente da divisão de tecnologia da Cientistas Associados. Nas universidades, estudantes poderão utilizar a plataforma e o robô para testar algoritmos inteligentes ou possibilitar maior interação em pesquisas com mais de três robôs. “Projetos em robótica semelhantes a estes já são desenvolvidos há mais de 10 anos em diversos países. Porém, desenvolver e fabricar no Brasil são as características de inovação não apenas na área tecnológica, de aplicação, mas também de logística e negócios. Tão difícil quanto desenvolver tecnicamente o robô, vendê-lo em escala requer inovação no modelo de negócios”, completa Valério.

O desenvolvimento da plataforma também deverá incentivar a criação de laboratórios virtuais de robótica, através dos quais robôs instalados em salas remotas em instituições de ensino e pesquisa poderão ser assistidos por câmeras e programados via internet, sendo mais uma ferramenta para o ensino à distância. “Estes laboratórios facilitarão o acesso à robótica às classes menos beneficiadas. Através da internet, estudantes poderão programar e interagir com os robôs, o que é mais uma forma de motivar os alunos para o estudo, principalmente em locais de recursos tecnológicos mínimos”, informa. A robótica educacional é uma boa ferramenta para o aprendizado, como demonstra os resultados do projeto de responsabilidade social denominado Robô na Escola. Nele, crianças de 5ª a 8ª série vão até a empresa para utilizar os robôs, que também podem ser usados pelas instituições de ensino.

A criação da plataforma universal demonstra que é possível utilizar a robótica para as diversas áreas, assim como para brincar, estudar ou aplicá-la na indústria. Empresas podem desenvolver aplicações específicas para os robôs que podem ser programados para cuidar de idosos, por exemplo, além de outras aplicações na área médica. Nas fábricas, trabalhos repetitivos poderão ser feitos pelos robôs que podem ser utilizados como veículos autoguiáveis. O projeto do sistema robótico universal é financiado com verba pública do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do Programa de Inovação em Pequena Empresa (Pipe) que investirão em torno de 300 mil reais.

Marco Túlio Chella, especialista em robótica educacional, ressalta a importância desta ferramenta como mais um recurso para o professor. Ensinar a construir robôs, por exemplo, é uma forma de explorar os conceitos tecnológicos envolvidos no processo e não apenas o conteúdo da sala de aula. No site idealizado pelo pesquisador há exemplos da utilização de diversos materiais de baixo custo para o desenvolvimento em robótica, inclusive com objetos recicláveis como garrafas plásticas que são acopladas ao hardware e software do robô. “Desta forma os robôs tornam-se mais acessíveis financeiramente”, afirma.

Valério ressalta ainda que as grandes produções em robótica são feitas na França, Japão e Estados Unidos. “Porém estes produtos quando são importados, pagam impostos de aparelho eletrônico que podem chegar até 60% a mais do valor original”, diz. Chella destaca os diversos problemas da importação dos matérias tecnológicos, como a linguagem diferente, além dos modelos não corresponderem a realidade brasileira, suas metodologias de utilização, e terem que ser adaptados para serem usados no país. “Ao mesmo tempo este fator é uma motivação para se criarem novos matérias nacionais”, diz Chella.