IPCC desconsidera aspectos relevantes para pesquisadores brasileiros

A noção de “consenso”, produzida por pesquisadores sobre o aquecimento global, acolhe diferenças e divergências importantes. No Brasil, cientistas ressaltam que o documento divulgado pelo IPCC não levou em consideração dados sobre derretimentos das geleiras e a influência das correntes marítimas na mudança do clima.

Muitas dúvidas ainda rondam os efeitos do aquecimento global no planeta. A noção de “consenso”, produzida por pesquisadores de institutos e universidades, acolhe diferenças e divergências importantes. Está em jogo não apenas a necessidade de mais estudos sobre o assunto, mas a seleção e conexão que acontecerá entre os resultados na esfera das decisões políticas. No Brasil, pesquisadores ressaltam que o documento divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) não levou em consideração os dados recentes sobre derretimentos das geleiras e a influência das correntes marítimas na mudança do clima. Diante dos cenários produzidos por cientistas, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que também divulgou estudos feitos no final de fevereiro, assume uma postura mais cautelosa tomando os estudos como indicadores e não como verdades absolutas.

Aziz Ab’Sáber, professor emérito de geografia da Universidade de São Paulo (USP), é um dos pesquisadores que tem destacado a necessidade de cautela em relação às informações produzidas na academia. Em entrevista à Folha de São Paulo, divulgada na matéria “Aquecimento é bom para a floresta”, publicada no dia 15 de março, destacou que o relatório do IPCC é um importante instrumento para formulação de políticas, mas acha que foi um “erro” não considerar a influência das correntes marítimas nas mudanças climáticas.

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em entrevista à ComCiência, ressalta outros aspectos que o relatório do IPCC desconsiderou: os últimos resultados apresentados do derretimento de geleiras. Em sua opinião esses dados podem influenciar em um aumento de até 1m no nível do mar até o final do século XXI. “Isso traz profundas conseqüências para os ecossistemas costeiros, para as populações que habitam as cidades litorâneas como também para as Regiões Metropolitanas”, afirma. O aquecimento da atmosfera pode influenciar no aumento do nível do mar de duas maneiras: pela expansão do volume da água através da expansão térmica pode e pelo derretimento das calotas polares.

No último 27 de fevereiro, o MMA, publicou o relatório intitulado Mudanças Climáticas e seus Efeitos sobre a Biodiversidade Brasileira, coordenado pelo professor José Marengo. O estudo foi encomendado em 2004, portanto antes da divulgação do sumário executivo do IPCC, e baseou-se nos dados do Terceiro Relatório de Avaliação (TRA), de 2001. O estudo do MMA, diferente do IPCC, leva em consideração os dados sobre o derretimento das geleiras e conclui, em relação ao aumento do nível do mar, que o aquecimento pode “provocar um empilhamento de até 20 cm de água na costa do Rio de Janeiro, e calçadões, casas e bares construídos à beira mar poderão ser destruídos”. Cerca de 42 milhões de brasileiros, ou 25% das pessoas que vivem em cidades do litoral, seriam atingidas pela elevação do nível do mar, prevê o estudo.

O estudo analisou o comportamento da água e da temperatura do ar ao longo do século passado, e fez projeções sobre como será o clima brasileiro nos próximos 90 anos. Previsões que apontam para graves conseqüências não apenas para as zonas costeiras, mas para todo o território brasileiro. Os cenários, passados e futuros produzidos pelas pesquisas, colocam em questão os rumos a serem tomados daqui para a frente, tanto na própria academia, como nos órgãos do governo envolvidos na formulação de políticas públicas que visem conter os efeitos do aquecimento global, ou pensar em medidas adaptativas para que a população não sofra consequências desses efeitos.

Por exemplo, para Wagner da Costa Ribeiro, professor de Geografia da Universidade de São Paulo, é preciso focar agora em novos estudos sobre eventos extremos – chuvas fortes, nevascas e secas mais intensas – que serão mais freqüentes, em especial nas áreas metropolitanas. “O que devemos fazer é projetar o cenário de aumento de 2° C em média no Brasil – na visão otimista e 4° na visão pessimista – e avaliar em que medida isso afetaria a dinâmica pluviométrica, a oferta hídrica, e em que medida isso afetaria o deslocamento da população”, defende. Em sua opinião, “uma das questões que deveríamos estar muito preocupados é o deslocamento populacional pelo agravamento das questões ambientais”. A possibilidade de que o aumento do nível do mar atinja as cidades litorâneas coloca em discussão a remoção e realocação da população que genericamente tem sido chamada de “refugiados ambientais”.

Representantes do MMA têm afirmado em diversos jornais e revistas que os estudos sobre as mudanças do clima devem ser vistos com muita cautela. Primeiro, porque as metodologias usadas nas pesquisas não são iguais, e geram resultados diferenciados; segundo, porque as políticas públicas a serem formuladas a partir dos resultados não podem ser equivocadas, pois trariam prejuízos de diversas dimensões.

Tendências na temperatura do ar em algumas cidades do Brasil
Fonte: MMA, 2006

 

Divergências entre os cientistas brasileiros

Durante o 1º Simpósio Brasileiro de Mudanças Ambientais Globais, realizado entre os dias 11 e 12 de março, no Rio de Janeiro e organizado pelo INPE, pesquisadores apontaram a possibilidade do impacto do aquecimento global na Amazônia desequilibrar todo o sistema climático daquela região, levando à savanização da floresta. As pesquisas que Carlos Nobre desenvolve no INPE indicam que é muito forte essa possibilidade. Segundo o pesquisador, a floresta equatorial pode se tornar semelhante ao sertão ou ao cerrado do Brasil, porém bastante empobrecida, com uma fisionomia semelhante ao cerrado, mas com uma diversidade biológica bem inferior.

A savanização da Amazônia não é consensual entre pesquisadores brasileiros. Aziz Ab’Sáber, não concorda com as especulações a respeito das conseqüências do aquecimento na Amazônia e destaca que elas precisam ser vistas com muito cuidado. Para o geógrafo, a Amazônia não vai virar cerrado, o que pode acontecer, devido ao aquecimento da atmosfera, é uma alteração apenas nas bordas da floresta e a penetração de novos minibiomas. “Mas é certo que a floresta vai continuar, pois a oeste, os regimes de chuvas não deverão ser muito afetados”, afirma.

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Agregar pequeno agricultor é desafio para gestão das águas

Com a necessidade de outorgas caras e burocráticas para a regularização do uso da água na propriedade, a integração de boa parte dos agricultores, especialmente os pequenos, ao sistema de gestão das águas torna-se inviável. Mas, como os recursos arrecadados na cobrança devem ser investidos em atividades de melhoria da qualidade da água, o pequeno agricultor pode passar de devedor a credor.

Com a necessidade de outorgas caras e burocráticas para a regularização do uso da água na propriedade, a integração de boa parte dos agricultores, especialmente os pequenos, ao sistema de gestão das águas torna-se inviável. A possibilidade de mais uma despesa, com a cobrança da taxa pelo uso da água, também dificulta a agregação deste grupo. Mas, como os recursos arrecadados na cobrança devem ser investidos em atividades de melhoria da qualidade da água – como a manutenção de matas ciliares – o pequeno agricultor pode passar de devedor a credor.

“Se ficar demonstrado que a propriedade presta um serviço ambiental, o agricultor deveria ter o direito a receber por isso, de forma semelhante a que ocorre com os créditos de carbono”, avalia Marcos Vinícius Folegatti, coordenador da Câmara Técnica Rural do Comitê de Bacias Hidrográfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ). No entanto, existem dúvidas e dificuldades para a definição e valoração econômica dos chamados serviços ambientais. Estes e outros temas foram discutidos no primeiro encontro do Ciclo de Seminários Abertos do projeto Bacias Irmãs realizado na quinta-feira passada, na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq).

Serviços ambientais: quem será beneficiado?

Atualmente, o pagamento por esses serviços é feito por empresas que têm interesses econômicos na preservação do recurso. Laura Antoniazzi, mestranda em Economia Aplicada da Esalq, apresentou no evento detalhes sobre o pagamento por serviços ambientais aos agricultores. Em sua análise, ao pensar no desenvolvimento de mercado em serviços ambientais, para proteção de bacias hidrográficas, seria mais barato e fácil organizar o pagamento para um número pequeno de grandes propriedades, do que para um grande número de pequenas áreas.

Dalcio Caron, do Departamento de Economia Administração e Sociologia da Esalq e coordenador do projeto Bacias Irmãs, questionou essa posição e defendeu a necessidade do Estado, através dos recursos dos Comitês de Bacias, intervir para que os pequenos agricultores recebam os benefícios. “Porque na questão da água não podemos pensar em uma coisa bem pequenininha, de base, de agricultura familiar? Os pequenos agricultores familiares são maioria neste país, mas estão completamente desorganizados e terão que entrar em uma cadeia com grandes empresas para obter os benefícios dos pagamentos por serviços ambientais”, argumentou. Em conjunto, esses agricultores contribuem de forma decisiva para a conservação da água e apresentam uma demanda histórica de recursos e incentivos governamentais, que têm priorizado a grande propriedade. A integração das pequenas propriedades ao sistema de cobrança poderia minimizar tanto o impacto ambiental, como a falta de investimentos nesses grupos.

Existem também dúvidas e dificuldades no estabelecimento de valores e definição dos beneficios que os agricultores receberiam por preservação de matas ciliares e não uso de agrotóxicos, entre outras práticas que preservem a água. No cálculo também deveriam estar previstos os impactos negativos gerados na atividade, como poluição orgânica e por defensivos agrícolas. A valoração econômica desses aspectos é bastante complexa e, em alguns casos, inviável e questionável. Quanto vale, para os usuários de água, uma floresta em pé nas nascentes de um rio? Como compensar economicamente práticas conservacionistas na agricultura? Que tipo de contrapartida pode ser dada ao não-uso de defensivos agrícolas?

Outros desafios

No evento, o coordenador da CT Rural apresentou os trabalhos realizados até então pelo grupo e apontou os desafios que a próxima gestão do Comitê terá pela frente, que vão além do pagamento por serviços ambientais: o aperfeiçoamento do processo de obtenção de outorga, para regularização do pagamento e recebimento por serviços ambientais, que é caro e burocrático; a definição de consumo insignificante, considerada complicada porque as bacias do PCJ têm um índice de disponibilidade média de água de 408 metros cúbicos por habitante por ano, sendo que o índice já é considerado crítico abaixo de 1500; a criação e gestão de redes de monitoramento de informações, para o controle do uso e ocupação do solo; a implementação de programas de capacitação e treinamento para usuários e integrantes dos comitês; o desenvolvimento de programas de incentivos específicos para propriedades em Áreas de Proteção Permanentes (APPs), como matas ciliares e áreas de nascentes; e a redefinição dos conceitos de propriedade agrícola nos seus aspectos social, econômico e ambiental.

Cobrança

A cobrança pelo uso da água nas bacias do PCJ foi estabelecida por meio das negociações do Comitê, que prevê a participação dos poderes públicos estaduais e municipais, grandes usuários, e sociedade civil organizada, por meio de ONGs, universidades e instituições de pesquisa, sindicatos etc. Inspirada em modelos da Alemanha e França, os objetivos principais da cobrança são a racionalização do uso da água por meio da taxa e o investimento dos fundos arrecadados em ações para melhoria da qualidade e aumento da quantidade de água.

No caso da agricultura, o valor cobrado a partir de 2006 nos rios de domínio federal (interestaduais) das bacias do PCJ é de 10% da taxa normal paga pelos outros setores de usuários, como a indústria, que é de 1 centavo por metro cúbico consumido. Este redutor na cobrança do setor agrícola é válido por 2 anos. A Câmara Técnica Rural tem até 2007 para estabelecer parâmetros para descontos, de acordo com os impactos positivos da atividade, como práticas que evitam erosão do solo, não uso de agrotóxicos, manutenção da mata ciliar etc. Nos rios de domínio estadual geridos pelo CBH – PCJ a cobrança para o setor agrícola se inicia em 2010.

Qual impacto das parcerias na exploração de recursos naturais?

Quais as vantagens e desvantagens dos acordos e contratos relativos a bioprospecção para países em desenvolvimento? Para analisar o impacto das parcerias e a preservação do meio ambiente foi desenvolvido um estudo no Instituto de Geociências da Unicamp.

A exploração de recursos naturais por diversos países e empresas, decorrente do desenvolvimento da biotecnologia, tem culminado em contratos de bioprospecção. Mas quais as vantagens e desvantagens desses acordos para países em desenvolvimento? Essa é a questão que vem sendo feita pelo Parbio, Natureza e Impacto de Parcerias Norte-Sul na Produção e Utilização de Conhecimento em Bioprospecção, do Instituto de Geociências da Unicamp.

Coordenado pelas professoras Léa Velho e Maria Conceição da Costa, o estudo focaliza esse cenário, analisando o impacto das parcerias e a preservação do meio ambiente. Conforme Léa Velho, a pretensão do trabalho, que está sendo financiado pelo órgão canadense International Development Research Centre (IDRC), é promover um estudo amplo e comparado, contendo dados quantitativos e qualitativos que servirão como ferramenta para orientar os países interessados em futuras ações de cooperação.

Embora a conclusão da pesquisa esteja prevista para setembro deste ano, já é possível apontar alguns resultados. De acordo com Velho, as parcerias entre países do Norte e do Sul estão normalmente marcadas por desigualdades. “Os primeiros contam com instituições que têm poder financeiro e equipes mais consolidadas do que os segundos. Ou seja, as condições de entrada na parceria são quase sempre desiguais”, afirma. No entanto, as colaborações Norte-Sul têm contribuído de maneira significativa para o fortalecimento da capacidade de pesquisa no Sul.

Nos últimos anos, segundo Maria Conceição da Costa, as nações do Norte têm sido representadas principalmente por corporações privadas, interessadas em lucrar com a exploração da biodiversidade. Embora essa atividade seja regulamentada pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB), instituída em 1992 com o objetivo de estabelecer regras para a preservação da biodiversidade e a justa repartição dos benefícios da transformação dos recursos genéticos, ela desperta algumas observações no caso brasileiro. A primeira refere-se a aspectos burocráticos e rigidez da legislação. “Ela é tão complexa que está afastando os potenciais parceiros. Há empresas que estiveram interessadas na cooperação com o país, mas desistiram e procuraram a África, onde as leis são mais flexíveis. Mais do que proteger a biodiversidade local, as normas brasileiras praticamente impedem o acesso a ela”, revela Costa.

O problema é que isso não impede que os recursos naturais continuem sendo explorados pelos países desenvolvidos. Se eles não deixam legalmente o território nacional, isso acaba ocorrendo por meio da biopirataria, comércio ilegal da biodiversidade. “O ideal é encontrar um modelo mais flexível, que preserve a biodiversidade e ao mesmo tempo traga vantagens científicas e econômicas com a sua exploração racional e sustentada”, afirma Costa.

Também fazem parte dos acordos de cooperação os marcos regulatórios estabelecidos pelos países em desenvolvimento. Tais normas ratificam as garantias da CDB e asseguram vantagens extras às nações do Sul, como a transferência da tecnologia resultante da bioprospecção. Para constatar se a prática condiz com a teoria, a Unicamp está analisando a bioprospecção em quatro países: Brasil, Colômbia, Peru e Suriname. O objetivo é constatar se as nações fornecedoras de recursos naturais de fato obtêm vantagens com os contratos.

O Brasil no combate à biopirataria

A biopirataria não é novidade no Brasil, principalmente em casos envolvendo a Amazônia. A fim de evitar a apropriação de recursos genéticos ou conhecimentos de comunidades tradicionais, por instituições monopolizadoras, sem autorização do governo, o país estabeleceu normas internas de prevenção da biopirataria, por meio de Resoluções do CGEN – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – e do INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

A Resolução do CGEN regulamenta o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional, além de estabelecer que o requerente da bioprospecção deve declarar ao INPI que cumpriu as determinações estabelecidas. A legislação vigente determina que o acesso aos recursos com finalidade de desenvolvimento tecnológico só poderá ser efetuado com autorização prévia do IBAMA ou do CGEN. Para José Manuel Dias, chefe geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, embora válidas apenas em território nacional, estas determinações legais são de grande importância nas negociações internacionais e permitem que o Brasil solicite aos demais países a adoção de medidas semelhantes, fortalecendo o combate à biopirataria.

De acordo com Dias, a discussão envolve questões sócio-econômicas. “As nações têm direito de utilizar seus recursos naturais de acordo com a sua vontade, inclusive em proveito próprio. Se não houver vontade de compartilhar, a legislação brasileira oferece proteção. Mas existe obrigação da repartição dos benefícios econômicos adquiridos com as comunidades tradicionais detentoras dos recursos ou conhecimentos”. Diversos exemplos recentes demonstram a necessidade de adequação da legislação e dos procedimentos, em escala global, para prevenir ou coibir a utilização indevida de recursos. O caso mais conhecido foi o registro do nome “cupuaçu” como marca por uma grande empresa japonesa. O registro foi cancelado, após a reação de ONGs brasileiras.

Para saber mais: Projeto Parbio