Dança batalha por espaços de pesquisa

Um método de preparação de bailarinas, que utiliza as técnicas de respiração de Martha Graham e as propostas de improvisação e criação de Rudolf Laban, foi desenvolvido e avaliado na Unicamp. Segundo a pesquisa que realizou este trabalho, o método aumenta a qualidade expressiva e artística e quando aplicado em atletas ajuda a prevenir lesões.

A respiração correta favorece a saúde de todos, mas dentro das artes corporais, como a dança, ela é decisiva para a qualidade expressiva e artística. Essa foi a principal conclusão de Patrícia Leal, doutoranda do Instituto de Artes da Unicamp. A pesquisadora acaba de lançar o livro “Respiração e Expressividade – práticas corporais fundamentadas em Graham e Laban”, fruto de sua pesquisa de mestrado, financiada pela Fapesp, em 2006.

Contando com a aplicação de técnicas de respiração e expressão em quatro alunas do último ano da faculdade de dança, Leal propôs uma metodologia para o desenvolvimento do processo criativo, necessário em seu trabalho, unindo cena, coreografia e expressividade. Segundo a dançarina, os questionamentos gerados pela técnica de Martha Graham, um dos maiores nomes da dança moderna norte-americana, foram os motivadores centrais do trabalho. “Quis demonstrar que o uso correto das técnicas de respiração de Graham pode resultar numa expressividade maior”, explica.

Para desenvolver sua técnica, utilizada até os dias atuais, Martha Graham observou os movimentos corporais decorrentes da respiração. A inalação foi associada a um movimento de expansão e liberação do corpo, denominado release. A exalação foi associada a um movimento de contração, denominado contraction. A bailarina resumiu o movimento como sendo uma continuidade entre releases e contrações a partir de um centro motor. A prática dessa técnica permite a integração corporal, pois os exercícios trabalham o corpo como um todo indissociável, sem fragmentar movimentos de braços e pernas em que o centro fica esquecido.

Ao lado da aplicação da técnica de Graham, Leal adotou, para preparação corporal das alunas, exercícios de yoga, alongamento, além de improvisações e criações coreográficas, propostas por Rudolf Laban, teórico representante da dança moderna alemã.

Na pesquisa, pôde-se observar que a respiração adequada facilitou principalmente a fluência do movimento, isto é, a precisão e continuidade do mesmo. “Isso é positivo, pois dá ao intérprete maior capacidade expressiva. A expressividade do dançarino se mede pela passagem por várias nuances qualitativas. No começo, as transições entre um movimento e outro eram abruptas. Com o tempo, houve transições mais suaves, habilidade de emenda dos movimentos. Em outros fatores analisados, como espaço e tempo, também houve mudanças”, explica a pesquisadora. Além da melhora na expressividade, o método, aplicado em atletas, também ajuda a prevenir lesões, compensando relativamente os movimentos repetitivos.

Dança na universidade é recente

Segundo dados da Associação Brasileira de Artistas Cênicos, houve aumento significativo de pesquisas em dança no Brasil nos últimos anos, acompanhando a tendência das pesquisas em arte no geral. Isso se deve, em parte, à notável organização política dos dançarinos, o que facilita a disseminação do conhecimento. “Essa organização partiu necessidade de lutar contra algumas organizações que não consideram a dança como campo de conhecimento, o que é paradoxal em um momento de intensificação de pesquisas. Nossa maior luta é contra o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), que quer impedir que dançarinos possam ensinar dança. Isso só poderia ser feito por professores de Educação Física. Para eles, a dança não é um campo de estudo”, denuncia Strazzacappa.

Ao longo da história é possível verificar mudanças no tratamento e desenvolvimento do corpo para a expressão artística. O balé romântico anterior à dança moderna supervalorizava o decorativo, desumanizando seus protagonistas. No final do século XIX e início do século XX, sobretudo nos EUA e Alemanha, a dança moderna se contrapôs ao academicismo do balé, valorizando não apenas a leveza mas a expressividade. O trabalho com o corpo desce do ideal, das pontas, e valoriza o contato com o chão, ganhando novas propostas estéticas e menos rigidez.

No Brasil, esses ideais tomaram forma nos anos 50, com o fim da guerra. Neste contexto, a presença da dança nas universidades é recente. A primeira faculdade surgiu na Universidade Federal da Bahia, em 1956, fruto de movimentos internacionais para institucionalizar a arte.

Até então, a dança era praticada em conservatórios e pequenos estúdios, onde o bailarino se preparava para o ingresso em uma grande companhia. Na década de 80, surgem cursos superiores de dança na Universidade Federal do Rio de Janeiro e Unicamp. “A dança moderna como pesquisa, difundida nas faculdades, ampliou os olhares, pois sempre somou idéias às danças já existentes. O conhecimento passou a ser institucionalizado, trazendo mudanças nos conceitos de arte. A ênfase é na pesquisa, na corporeidade do brasileiro. A dança contemporânea, que vemos hoje, nasce da dança moderna do começo do século XX, mas com ideais populares e mais recursos tecnológicos”, afirma Márcia Strazzacappa, pesquisadora da Faculdade de Educação da Unicamp e membro do Fórum Nacional de Dança.

Hoje o Brasil conta com 15 cursos de graduação em dança e cerca de 30 cursos de pós. “Esse movimento partiu dos próprios dançarinos, que sentiam necessidade de pensar a dança, relacioná-la com a antropologia, educação e outras áreas de conhecimento”, afirma a pesquisadora.

Pesquisadores paraibanos desenvolvem biocombustível da algaroba

Espécie que invadiu o sertão nordestino a partir da década de 1940 traz promessa de desenvolvimento: além da produção de madeira de excelente qualidade e de um ótimo carvão, a algarobeira também poderá encher o tanque do seu carro. Mas ela também traz ameaça de graves problemas ambientais.

Já se sabia que sua madeira é de excelente qualidade para fazer cercas e outras construções rurais, além de dar um ótimo carvão. Sua vagem é rica em fibras, sais minerais, carboidratos e açúcares, o que a torna um alimento de alto valor nutricional e que virar farinha, mel, açúcar, vinagre, ração animal e até de aguardente. A novidade, fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é que a Prosopis juliflora, conhecida como algarobeira, também poderá encher o tanque do seu carro.

O primeiro álcool de algaroba (vagem da algarobeira) foi extraído este ano pela equipe liderada pelo engenheiro agrícola Mário Eduardo Mata, professor da UFCG. O projeto de pesquisa foi idealizado pelo engenheiro de alimentos Clóvis Gouveia da Silva, doutorando na mesma universidade. Nascido no Cariri Paraibano, região sertaneja a cerca de 300 quilômetros de João Pessoa e onde há grande incidência da planta, Silva tem uma forte ligação com a algaroba. Três patentes relacionadas à vagem são de sua propriedade: a aguardente e o vinagre de algaroba e o aparelho reator que produz este último.

Adaptada ao calor e a solos rasos, a algarobeira domina a paisagem da caatinga apesar de não ser nativa da região. A espécie foi introduzida no Brasil na década de 1940 vinda do Peru e do Sudão e se proliferou com uma velocidade impressionante. Apesar de seu potencial nutricional para a alimentação humana, a planta é usada pela população sertaneja basicamente para a produção de madeira, carvão e ração animal. É essa subutilização que Silva busca eliminar com o desenvolvimento de novos produtos de algaroba, entre os quais o álcool combustível.

Ainda não há estudos sobre a viabilidade econômica da produção do novo biocombustível, mas a alta produtividade da planta animou o grupo de pesquisa. “É possível extrair cerca de 260 litros de álcool por tonelada de algaroba, enquanto a média da cana-de-açúcar é de 90 litros por tonelada,” compara Clóvis da Silva. No entanto, a produtividade de vagem por hectare, cerca de dez toneladas, ainda é baixa frente à da cana que chega a mais de 100 toneladas por hectare em algumas espécies. Uma desvantagem que o pesquisador acredita eliminar com o desenvolvimento tecnológico. “Já foram registradas produções de 30 toneladas de algaroba por hectare, esse número pode subir com o desenvolvimento em laboratório das espécies e o aprimoramento técnico das lavouras,” acredita Silva.

As propriedades combustíveis do etanol de algaroba também não foram testadas, mas o grupo prevê que elas devem ficar bem próximas das do álcool hidratado da cana-de-açúcar. O custo do processo produtivo, uma das razões que faz o álcool de milho norte-americano ser mais caro que o similar brasileiro de cana, não será problema de acordo com o pesquisador. “A maior dificuldade é a obtenção do açúcar e esse processo nós já dominamos,” afirma Silva. Para coletar mais dados, estão sendo montadas duas mini-usinas experimentais de destilação de álcool de algaroba, uma na Universidade Federal de Campina Grande e outra numa fazenda no interior da Paraíba.

No entanto, o entusiasmo de Clóvis Silva com a algaroba não é uma unanimidade entre os especialistas. Para o engenheiro agrônomo Leonaldo Andrade, professor da Universidade Federal da Paraíba, a algarobeira é um sério problema ecológico não-resolvido. Andrade coordenou um projeto de avaliação dos impactos da algaroba sobre a fitodiversidade e a estrutura da Caatinga. Nesse trabalho, realizado em seis municípios na Paraíba e no Rio Grande do Norte e financiado pela Fundação O Boticário, a equipe levantou dados alarmantes. De proliferação agressiva, a algarobeira chegou a dizimar várias espécies nativas em determinadas regiões. A oiticica e a caibreira, árvores nativas importantes da vegetação ciliar do sertão, estão entre as espécies mais ameaçadas pela algaroba.

“É necessária uma ação urgente de governo a fim de conter a proliferação da algarobeira e salvar as espécies nativas,” declara o agrônomo. Sobre a perspectiva de um futuro mercado de álcool de algaroba, o pesquisador se mostra ainda mais preocupado. “Uma lavoura de algaroba teria que ser bem controlada. Isolada dos animais, por exemplo. E, no Brasil, sabemos que esse controle é difícil,” diz Andrade. Os animais ao comerem as vagens se tornam os principais vetores das sementes. Por isso, eles estão entre os objetos do novo projeto de pesquisa de Andrade, o mapeamento da dinâmica de proliferação da algaroba, também fomentado pela Fundação O Boticário.

Clóvis da Silva e Leonaldo Andrade concordam que a planta deva ser cultivada em lavouras controladas e sob técnicas específicas para garantir produtividade e segurança ao meio-ambiente. O engenheiro agrônomo, porém, defende uma solução radical para as plantas selvagens, a dizimação. “Uma invasão biológica só se agrava com o tempo. Sem inimigos naturais, a espécie invasora que consegue se adaptar e se reproduzir tende a dominar o novo ambiente e a eliminar as demais,” explica.

Andrade também acredita que o álcool da algaroba pode se transformar numa nova febre a respeito da espécie. “Na década de 1970, o governo propagou a algaroba como a árvore maravilha contra todos os males. A panacéia incentivou o desmatamento para dar lugar à nova planta. Por fim, a vagem como fonte de alimento humano jamais se concretizou porque há pontos mais complexos envolvidos como o próprio hábito alimentar da população. Ninguém come o que não quer comer, independente do gosto ou valor nutricional do alimento,” conta o agrônomo.

Para o pesquisador, muito mais do que desenvolvimento e capacitação tecnológica, uma provável produção de combustível de algaroba vai esbarrar num obstáculo conhecido no Brasil, a dificuldade de se manter um controle governamental rígido sobre o setor. Se o governo não consegue controlar nem o preço do álcool da cana, prerrogativa dos usineiros, é pouco provável que haja uma preocupação ecológica no caso da algaroba.

Articular conhecimento científico e local é desafio do Projeto Rondon

Como sair de dentro das universidades, situadas na região mais rica do Brasil, sem pensar que os conhecimentos e valores das ciências são mais importantes do que tantos outros? Essa foi uma das questões que movimentou o “Fórum Permanente de Extensão Universitária. Projeto Rondon na Extensão da Unicamp”, no último dia 10 de abril.

Como sair de dentro das universidades, situadas na região mais rica do Brasil, sem pensar que os conhecimentos e valores das ciências são mais importantes do que tantos outros? Como acontece a relação entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento nos projetos de extensão-intervenção universitária? Essas foram questões que movimentaram o “Fórum Permanente de Extensão Universitária. Projeto Rondon na Extensão da Unicamp”, no último dia 10 de abril.

Os participantes do evento traçaram um panorama de avaliação da atuação das equipes de estudantes e professores e a integração entre os representantes do Ministério da Defesa (principal responsável pelo projeto) e o poder público dos municípios assistidos. A avaliação, em geral positiva pelos objetivos alcançados, foi marcada por algumas críticas. Segundo os professores coordenadores, as dificuldades de realização de um trabalho mais integrado com as comunidades locais e as disputas entre as forças políticas locais, dificultaram em grande parte as atividades.

Na ponta esquerda da mesa o Professor Paulo Araújo (IB) e na ponta direita, Francisco Ladeira (IGe).
Foto: Dário Crispim

Os objetivos do Projeto Rondon, com foco exclusivamente no universitário, colocam as comunidades como meros atores coadjuvantes desse processo. Entre os quatros objetivos do projeto, apenas o último cita as comunidades locais, quando assinala que deverá “estimular, no universitário, a produção de projetos coletivos locais, em parceria com as comunidades assistidas”. Nos três anteriores, enfoca-se a prioridade na formação do jovem universitário. Segundo o olhar de alguns pesquisadores, está aí a principal falha do projeto.

Com isso, pensa-se na formação do universitário como cidadão e na integração do universitário à realidade do país. O aprendizado dos alunos e dos professores é grandioso, mas o que fica de concreto para as comunidades depois que a equipe vai embora? Essa questão preocupa um dos rondonistas. Rafael Galeotti Lima, diz que voltou com a sensação de que a Universidade está de braços cruzados para futuros trabalhos com as comunidades.

Equipe de rondonistas. O Professor Francisco Ladeira à esquerda (de azul).
Foto: Dario Crispim

O professor Francisco Sérgio Bernardes Ladeira, do Instituto de Geociências da Unicamp (IGe) e coordenador da equipe que trabalhou no Município de Eirunepé, no Amazonas, relata que o objetivo de sua equipe não era mudar os costumes da população local, nem trabalhar apenas com o poder público local, mas sim em consonância com a comunidade. Ele destaca que há uma tendência do poder público tentar definir os caminhos que as equipes de rondonistas devem seguir, tirando assim, a autonomia de trabalho delas. No entanto, em sua fala, o pesquisador acrescenta que a maior dificuldade encontrada foi apontar as soluções para os principais problemas identificados nos municípios. “Ao entregar o relatório técnico, onde apontávamos as soluções para alguns problemas relacionados com o destino do lixo na cidade, as forças políticas antagônicas começaram a se digladiar”, conta Ladeira.

Na Unicamp, o Projeto Rondon é uma atividade coordenada pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Estadual de Campinas (Preac). De acordo com a Preac, os objetivos das atividades de extensão “se destinam a repassar à sociedade os resultados das atividades de ensino e pesquisa na forma de projetos, cursos e serviços”. Essa definição de extensão exclui, ao pensar em repassar os resultados das pesquisas, as possibilidades de integração com o conhecimento local.

Para Paulo Ferreira de Araújo, coordenador da equipe que trabalhou no município de Tapiraí, no Vale do Ribeira – SP, uma dos maiores dificuldades de trabalho com as comunidades é o tempo. “Trabalhar com as comunidades leva muito tempo, às vezes, o período de um ano é suficiente apenas para conhecermos os costumes e a cultura local”, explica. Ao todo são quinze dias de Projeto Rondon, mas efetivamente, descontando os quatro dias da ida e da volta, acabam somando apenas onze dias. “O que se faz nesses poucos dias?”, questiona o pesquisador.

No pouco tempo de permanência em Tapiraí, destaca Araújo, que é professor do Instituto de Biologia da Unicamp (IB), “não tivemos a pretensão de criar algum conselho comunitário para atuar na área da saúde ou das contas públicas, por exemplo. Nosso trabalho concentrou-se em conhecer os conselhos comunitários que eles têm, como funcionam e quais são suas bases democráticas. Seria preciso mais tempo para atuar em conjunto com a comunidade”.

Araújo, que compôs a mesa “Avaliação da atuação do projeto Rondon no Vale do Ribeira – SP pelo Poder Público local e equipes da Unicamp”, destacou também os problemas de integração com a prefeitura de Tapiraí e sua equipe. A mesa, que contaria com dois participantes da prefeitura de Tapiraí (o Diretor do Departamento Municipal de Cultura e Turismo de Iguape-SP e o Diretor Municipal de Infra-Estrutura e Economia de Tapiraí), ficou marcada pela ausência desses representantes. “As dificuldades de permanência, as dificuldades de comunicação e a precariedade em infra-estrutura como alimentação e transporte são falhas que devem ser resolvidas para um maior sucesso do projeto nas próximas edições”.

Para saber mais:

Unicamp no Rondon

Site do Ministério da Defesa (Projeto Rondon)

Coordenador do Projeto Rondon fala de cidadania e de continuidade