Ilustrações ainda têm seu lugar nas ciências, mostra exposição

O século XX trouxe novas tecnologias que, apesar dos rumores, não conseguiram tomar o espaço ocupado pela ilustração científica. Talvez, serviram até para lhe dar mais força. Agora, em junho de 2007, a Unicamp recebe a I Exposição Nacional de Ilustrações Científicas, mostrando o profissionalismo e perfeição que esta arte gráfica atingiu em nosso país.

Botticelli, famoso pintor italiano, foi também ilustrador científico. A arte rupestre das cavernas de Altamira (Espanha) e Lascaux (França) é considerada por muitos uma forma de arte precursora da ilustração científica. Pois tais pinturas feitas em rochas a mais de 15 mil anos, descrevem com riqueza de detalhes a natureza que cercava o homem pré-histórico. O Brasil do século XVI já recebia artistas europeus em busca da beleza de nossa fauna e flora, assim como do nosso povo multiétnico para compor suas ilustrações. O século XX trouxe novas tecnologias que, apesar dos rumores, não conseguiram tomar o espaço ocupado pela ilustração. Talvez, serviram até para lhe dar mais força. Agora, em junho de 2007, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) recebe a I Exposição Nacional de Ilustrações Científicas, uma tentativa de mostrar o nível de profissionalismo e perfeição que esta arte gráfica atingiu em nosso país.

“Mãos” de Bruno Amaral, de Londrina-PR
Fotos: Luiz Juttel

A mostra, aberta ao público no dia 30 de março, acontece na biblioteca do Instituto de Biologia (IB). Até 15 de junho, quem for à Unicamp poderá ver, gratuitamente, 84 reproduções de ilustrações de 26 artistas brasileiros, além de dois portugueses e um espanhol convidados. A exposição foi dividida em cinco áreas: botânica, zoologia, medicina, odontologia e astronomia. As técnicas empregadas nos desenhos vão da aquarela, de efeitos belíssimos, ao lápis de cor, passando pelo guache, nanquim, bico de pena e grafite. Tem ainda ilustrações digitais dos portugueses Nuno Farinha e Fernando Correia e do Espanhol Juan Ángel Munhoz. Alguns destes desenhos parecem ser impossíveis de serem produzidos em computadores.

“Opunthia monacontha” de Fátima Zagonel (Curitiba-PR)

Uma seção do evento foi reservada à homenagem de quatro grandes ilustradores científicos brasileiros já falecidos. São eles: Etienne Demonte, Margaret Mee, Maria Werneck de Castro e Emiko Naruto. Tal espaço contém ilustrações e uma breve biografia destes profissionais. Margarete Mee (1909-1988), por exemplo, é lembrada, entre outras coisas, por suas inúmeras viagens em barcos ribeirinhos floresta amazônica adentro, seja de dia ou de noite, em busca de espécimes vegetais desconhecidos pela comunidade acadêmica para servirem de modelo as suas obras.

A exposição foi apresentada pela primeira vez em 2006 no I Encontro Nacional de Ilustradores Científicos, em Belo Horizonte. O ilustrador responsável pela mostra de Campinas, Rogério Lupo, conta que a idéia de realizar o encontro de BH, e posteriormente a mostra itinerante, surgiu da preocupação de muitos artistas em se unirem por melhores condições de trabalho, além da divulgação da ilustração científica para o público leigo. De 2006 até agora, a exposição percorreu o Jardim Botânico de Curitiba e a Universidade Federal de Uberlândia. Em Campinas ela integra as comemorações dos 40 anos do IB.

Fernando Correa e Nuno Farinha, Portugal

Para a professora universitária Regina Lúcia de Oliveira Moraes, de 50 anos, expectadora da exposição, foi muito boa a idéia de aproveitar o prédio da futura biblioteca do IB, ainda em obras, para eventos culturais desta espécie. Sobre as ilustrações, ela fala que “alguns quadros chocam a gente”, ao se referir aos desenhos que descrevem ossos, músculos e artérias do corpo humano utilizadas pela medicina e odontologia.

A ilustração científica no Brasil

A ilustração científica é uma das áreas da arte gráfica que serve de instrumento de apoio ao ensino e à pesquisa, em seus vários ramos, além de ser um meio de divulgação científica. No Brasil, a principal área a utilizar ilustração científica é a botânica taxonômica, cujos desenhos descrevem plantas e animais, assim como os dividem em categorias de acordo com suas características. Lupo, que também é biólogo, diz que “uma espécie nova descoberta precisa ser descrita e desenhada e posteriormente publicada em revistas especializadas”. Em ocasiões como esta, a ilustração científica se apresenta como a técnica que obtém os melhores resultados.

Mesmo com o advento da fotografia, a ilustração científica não perdeu espaço, pois, as duas técnicas servem a objetivos diferentes. Uma foto, apesar de reproduzir a natureza com grande realismo, não consegue delinear estruturas e evidenciar aspectos da cena reproduzida em nível de detalhamento semelhante ao atingido por um bom ilustrador. Por mais moderna que seja a câmera fotográfica, ela só consegue focar com alta precisão parte do objeto enquadrado. Uma ilustração científica consegue detalhar com grande precisão toda a cena reproduzida. Lupo fala que uma boa ilustração não deve precisar de descrição para ser compreendida. Ela deve se fazer entender por si. O diretor do IB, Paulo Mazzafera complementa dizendo que a ilustração é uma arte científica. É “um tipo de arte que não morre, não desaparece. São gravuras que guardam proporcionalidades”, afirmou Mazzafera.

Lupo destaca que apesar da ilustração científica sofrer preconceito atualmente e ser muitas vezes substituída por esquemas descritivos “frívolos”, ela vive seu melhor momento na história. “A arte já não funciona mais tão bem. A exposições atuais já não aceitam mais desenhos clássicos, bem feitos. Um bom desenho é considerado ultrapassado. Os grandes desenhistas hoje estão restritos a compra de trabalhos por pesquisadores, que valorizam este tipo de arte até hoje”. Além da botânica, outras áreas como a astronomia, as ciências médicas, a engenharia de automóveis e navios possuem amplo mercado no exterior para a ilustração científica. No Brasil, porém, estes ramos de atuação são bem mais restritos, completa Lupo.

COVs: os pouco estudados vilões das emissões veiculares

Em tempos de aquecimento global, estudos sobre o gás carbônico e seus efeitos tomam grande parte do tempo de pesquisadores e da pauta de debates sobre o tema poluição. Em contrapartida a esta tendência, Édler Albuquerque, aluno de doutorado da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, realizou um importante estudo sobre compostos orgânicos voláteis (COVs), poluentes perigosos e pouco estudados pelo meio científico.

Em tempos de aquecimento global, estudos sobre o gás carbônico e seus efeitos tomam grande parte do tempo de pesquisadores e da pauta de debates sobre o tema poluição. Em contrapartida a esta tendência, Édler Albuquerque, aluno de doutorado da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, realizou um importante estudo sobre compostos orgânicos voláteis (COVs), poluentes perigosos e pouco estudados pelo meio científico. Sua pesquisa, que culminou em tese defendida no dia 14 de maio, traçou de forma inédita e detalhada o perfil destes compostos na atmosfera da região metropolitana de São Paulo.

Compostos orgânicos voláteis, também conhecidos como COVs, são compostos que contêm carbono, são facilmente vaporizados em condições de temperatura e pressão ambiente e reagem fotoquimicamente na atmosfera. Monóxido e dióxido de carbono não estão presentes nesta categoria e não foram estudados nesta pesquisa. Os COVs têm um grande impacto sobre a saúde humana em função da sua alta toxicidade e efeito cancerígeno. Além disso, através de reações químicas, formam o ozônio troposférico, que fica concentrado nas baixas camadas da atmosfera. Segundo dados da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), este tipo de ozônio é o único poluente monitorado que ainda ultrapassa, com freqüência, os limites de qualidade e segurança estabelecidos pela legislação.

Segundo Albuquerque, tolueno, xileno, hexano, etilbenzeno e trimetilbenzeno foram os COVs encontrados em maior concentração na atmosfera. Estes compostos, que estão entre os COVs com maior potencial para a formação de ozônio, são os de maior emissão pelos veículos. Os dados obtidos formaram uma espécie de “impressão digital” das emissões veiculares, que pode ser aplicada à maioria dos grandes municípios brasileiros, em função da dinâmica semelhante entre eles. Para se chegar a esses resultados, foi realizada uma campanha de recolhimento de amostras em dois grandes túneis da cidade de São Paulo: os túneis Maria Maluf e Jânio Quadros. Este estudo comprovou que a principal fonte de COVs é, de fato, a crescente frota veicular das cidades.

Para a coleta e análise das amostras na pesquisa, foram utilizados tanto o método passivo quanto o método ativo de amostragem. A amostragem ativa depende do bombeamento contínuo e controlado do ar atmosférico através de uma estrutura que retêm os poluentes. Normalmente esse tipo de amostragem leva em torno de uma hora, fato que gera um número pequeno de amostras e um grande tempo despendido. Na amostragem passiva, os poluentes se difundem através de um tubo que fica exposto ao ar atmosférico por cerca de 12 dias. Enquanto na primeira coleta são usados centenas de tubos para cada ponto de amostragem, na segunda usa-se apenas um. O uso da amostragem passiva, ao invés do uso exclusivo da amostragem ativa, permitiu uma economia de tempo e dinheiro e uma ampliação da área de monitoramento e número de locais monitorados.

O estudo de Albuquerque é de grande importância para o meio científico, uma vez que dados sobre esses componentes são muito escassos na literatura científica. “Há uma dificuldade muito grande de coleta e os métodos analíticos são complexos e caros, de forma que não há uma grande quantidade de dados disponíveis a respeito de compostos orgânicos voláteis”, declara o professor Edson Tomaz, orientador do trabalho. A pesquisa, que foi abrangente e detalhada, poderá orientar políticas de contenção dos poluentes em todas as grandes cidades brasileiras. A primeira vez que a legislação brasileira apontou alguma forma de controle desses compostos foi em 2006 e ainda não há políticas públicas específicas de controle de COVs.

Políticas públicas versus aumento da frota veicular

A década de 1970 e, principalmente, a década de 1980 ficou marcada pelos níveis exorbitantes de poluentes na atmosfera e pelos graves problemas de saúde pública causados por eles em grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Cubatão. Para sanar a questão, foi criada a resolução Conama n° 3 , em 1990, que estabeleceu limites para emissão de poluentes atmosféricos. O setor automobilístico, por exemplo, foi obrigado a desenvolver novas tecnologias de forma que os novos carros atendessem às regulamentações. Os limites aceitáveis de emissão foram tornando-se cada vez mais rigorosos e hoje os carros são bem menos poluentes que os carros mais antigos. Juntamente com ações como o rodízio de automóveis, essas políticas públicas tiveram um resultado positivo.

Na pesquisa de Albuquerque, foi realizada uma comparação dos dados obtidos por ele com alguns dos poucos dados existentes sobre os compostos orgânicos voláteis na Grande São Paulo. A comparação indicou que as políticas adotadas para a redução da concentração de diversos componentes também produziram bons resultados em relação aos COVs.

No entanto, em contrapartida a estas reduções, a frota de 4,3 milhões de veículos automotores da cidade de São Paulo – número estimado pela Secretária de Transportes Metropolitanos do Estado – cresce cada vez mais, fato que é observado também em outras cidades brasileiras. Segundo Tomaz, existem, na verdade, dois efeitos concorrentes. “De um lado está a redução das emissões por veículo, fruto de uma legislação bem sucedida; de outro, o aumento da frota veicular. Por enquanto, o primeiro supera o segundo. Contudo, a redução das emissões por automóvel vai ter uma evolução cada vez mais lenta. Há uma tendência de estabilização e uma expectativa de que, no futuro, os níveis de poluição voltem a crescer novamente, a menos que novas tecnologias surjam e políticas de organização do trânsito sejam criadas e aplicadas”, afirma o orientador da pesquisa.

Pesquisa reafirma que Amazônia absorve carbono

Plínio Barbosa de Camargo, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, apresentou resultados de suas pesquisas no Fórum sobre “Agricultura Sustentável na Amazônia” na Unicamp. Ele afirma que Amazônia atualmente absorve carbono, contradizendo as previsões de que a Amazônia tende a desaparecer, ou virar cerrado, com os efeitos do aquecimento global.

No último dia 24, no auditório da Biblioteca César Lattes da Unicamp, foi realizado um Fórum Permanente de Agronegócios sobre “Agricultura Sustentável na Amazônia”. As palestras abordaram temas como a segurança alimentar da população brasileira, os entraves do desenvolvimento da agricultura sustentável na região e o papel da floresta equatorial na manutenção do equilíbrio do clima global, através dos ciclos de carbono. Com relação a este último tópico, destacou-se a apresentação do pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, Plínio Barbosa de Camargo, que discutiu a dinâmica do carbono no solo e vegetação da floresta amazônica.

Na mesa redonda “O mundo da Amazônia”, Camargo apresentou resultados de duas pesquisas sob sua coordenação: “Dinâmica do carbono em solos e vegetação em transectos na Amazônia”, que começou em 1999, e “Respiração de ecossistema florestal na região amazônica”, iniciada em 2003. “Podemos afirmar, sem medo de errar, que a Amazônia atualmente absorve carbono na ordem de 1 tonelada por hectare”. Essa afirmação contradiz todas as previsões colocadas nos últimos meses pela mídia de que a Amazônia tende a desaparecer, ou virar cerrado, com os efeitos do aquecimento global. “Se há mais carbono na atmosfera, tem mais alimento para a fotossíntese. Nesse caso, a Amazônia poderá dobrar de tamanho”, afirmou o pesquisador.

Duas técnicas são mais utilizadas para mensurar o fluxo de CO2 na região que envolve a pesquisa de Camargo. A menos comum envolve o uso dos satélites de observação. Essa técnica consiste em traçar uma estimativa da altura das árvores e do tamanho da copa para ter uma noção da quantidade de biomassa. Na outra, emprega-se as torres de fluxo de carbono, onde é possível medir a quantidade de CO2 na atmosfera. Essa técnica é a mais utilizada na Amazônia. “De acordo com a linha ecológica de medida de carbono, a Amazônia absorve pouco carbono. Mas o método da torre mostra que a Amazônia pode absorver de 7 a 8 toneladas de carbono por hectare”, afirmou Camargo. No entanto, ele destaca que em função das diferenças entre espécies e idades das árvores, foram constatados volumes diferentes na absorção de carbono pelas árvores. “As árvores de Santarém [no Pará], por exemplo, apresentam maior absorção em alguns anos e, em outros, maior emissão de carbono”.

Os resultados mostram os avanços do conhecimento científico e tecnológico sobre os mecanismos que funcionam como integradores dos elementos naturais presentes na Amazônia. “Apesar das técnicas usadas na medição do ciclo de carbono serem recentes, já permitem apontar alguns resultados preliminares”, avalia Camargo. Existem muitas pesquisas e sobre a contribuição da floresta para a atmosfera, que buscam entender qual é o papel da Amazônia no ciclo global do carbono. A definição do papel da floresta – de emissora ou captadora de carbono – é um importante elemento na elaboração de políticas que minimizem os impactos do aquecimento global, na avaliação do peso que têm os países na emissão de gases estufa, bem como na determinação de como funcionará o mercado de créditos de carbono.

Atualmente, o Brasil está classificado como o quarto maior emissor de carbono na atmosfera, quando os métodos para esse cálculo incluem as queimadas de florestas. Segundo dados de 2001 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 15 e 20 mil quilômetros quadrados ao ano, são queimados, somente na Amazônia brasileira. Entretanto, uma série de estudos recentes sobre o papel da Amazônia no ciclo de carbono abre a possibilidade de que as florestas tropicais estejam desempenhando um papel relevante como sumidouros de CO2 (veja artigo).

Desenvolvendo pesquisas a mais de dez anos na região amazônica, Camargo não tem dúvidas de que as atividades antrópicas têm aumentado a concentração da de CO2 na atmosfera. Segundo ele, a concentração atual desse gás está na ordem de 382 partes por milhão (ppm). Em 2005, segundo a organização de pesquisa Worldwatch Institute, essa concentração era de 379,6 ppm, um crescimento de 2,2 ppm em relação a 2004.

Agricultura sustentável na Amazônia

Entre os aspectos que nortearam o dia de discussões no Fórum, destacou-se a realidade ímpar que contribui para formar o mosaico que caracteriza a maior floresta tropical do mundo: a sua enorme biodiversidade; os interesses de empresários internacionais e nacionais; a atuação dos ambientalistas; o papel do governo; e a participação das comunidades locais. A questão que norteou o Fórum estava relacionada à exploração: como é possível degradar o mínimo, extraindo o máximo de riquezas da floresta? Entre as saídas apontadas, o desalento de que ou a exploração será feita de forma seletiva, controlada por uma elite econômica, ou a degradação é inevitável. O evento foi organizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), ambos da Unicamp.

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