Cientistas defendem métodos alternativos para experimentos com animais

Biólogos brasileiros estão somando forças na busca por métodos que substituam a utilização de animais vivos em pesquisas científicas (prática conhecida como vivissecção) sem prejudicar, no entanto, o desenvolvimento das pesquisas científicas. Desde a década de 1990, eles encabeçam movimentos e fundam ONGs que, a exemplo de outros países, pesquisam e divulgam informações sobre métodos alternativos, além de reivindicar junto ao Congresso leis específicas para regulamentar a utilização de animais em experimentos científicos. As pesquisas mais recentes sobre métodos substitutivos estão reunidas no livro Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação – pela ciência responsável, escrito pelo biólogo Sérgio Greif e publicado este ano pela ONG Instituto Nina Rosa.

O conjunto de técnicas alternativas defendidas no livro inclui, entre outros, testes in vitro (realizados em tecidos e células vivas), utilização de vegetais, estudos clínicos e não invasivos em pacientes humanos voluntários, estudos epidemiológicos, técnicas fisico-quimicas (como a tomografia) e estudos em cadáveres. O livro destaca ainda a utilização da tecnologia para criar simulações computacionais, softwares educacionais, filmes, modelos matemáticos, nanotecnologia e até manequins criados especialmente para determinados procedimentos.

“Os métodos alternativos de pesquisa que excluem animais são mais baratos a médio e longo prazo, mais refinados, mais confiáveis, mais rápidos e facilmente reproduzíveis”, argumenta o autor. Este é o segundo livro que Greif escreve contra as pesquisas com animais. Em 2000 ele escreveu em parceria com outro biólogo, Thales Trèz, o livro A Verdadeira Face da Experimentação Animal – A sua saúde em perigo, também publicado pelo Instituto Nina Rosa.

Trèz é fundador e principal porta-voz de outra ONG, a InternicheBrasil, que, assim como o Nina Rosa, oferece apoio aos estudantes que se recusam a participar do uso prejudicial de animais no ensino, além de ajudar na implementação de métodos de pesquisa substitutivos que existem. “Como toda metodologia, essas técnicas possuem limitações específicas, pois nada pode simular o verdadeiro quadro clínico ou sistêmico. Mas certamente são mais eficientes do que o modelo animal”, afirma.

Ele argumenta que os laboratórios insistem na vivissecção porque se acomodaram à essa técnica. “Temos toda uma tradição e estrutura que favorecem a perpetuação deste tipo de metodologia. Alguns apontam que as novas abordagens e metodologias de pesquisa que não se baseiam em modelos animais são mais caras, colocando um obstáculo para tal implementação, mas esquecem-se do custo elevado para manutenção de animais em biotérios”, justifica.

Para o coordenador do grupo de pesquisa em Interação de Fotossensibilizantes com Estruturas Celulares do Laboratório de Biologia Celular e Tecidual do Instituto de de Pesquisa e Desenvolvimento (IP&D) da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), Newton Soares da Silva, a vivissecção de animais ainda é uma prática necessária para a experimentação científica, afirma o professor. “O que se pode fazer é tentar reduzir ao máximo o número de animais utilizados na pesquisa, seguindo uma série de protocolos como os estabelecidos pelo Cobea [Colégio Brasileiro de Experimentação Animal] e pelos Comitês de Ética em Experimentação Animal”, aponta. Na farmacologia, por exemplo, ainda é difícil eliminar totalmente o uso de animais, pois vários testes ainda são imprescindíveis para se conhecer os efeitos fisiológicos que uma nova substância causará no organismo como um todo.

O princípio dos três “erres”

A preocupação no meio científico em relação a experimentos com animais começou na Inglaterra logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, com trabalhos da Universities Federations for Animal Welfare (Federação de Universidades para o Bem Estar Animal) discutindo questões éticas relacionadas às cobaias de laboratórios. Em 1959, o zoologista William M. Russel e o microbiologista Rex L. Burch apresentaram para a comunidade científica o livro The Principles of Humane Experimental Techinique (“Os princípios da técnica experimental humana”), no qual propunham o princípio do “3R’s” na pesquisa científica: Redução, Refinamento e Substituição (em inglês, Reduction, Refinement, Replacement).

Os pesquisadores definiam os três erres como, respectivamente, a busca e desenvolvimento tecnológico de métodos que minimizassem a incidência e a severidade de procedimentos científicos em animais, principalmente no campo da toxicologia experimental; a diminuição do número de animais utilizados; e o emprego de materiais não-sensitivos, substituindo os métodos “in vivo pelos in vitro”.

Debatidos pelos cientistas durante as décadas de 60 e 70, os princípios de Russel e Burch foram adotados pela Europa somente na década de 1980, quando foi criada a European Directive 86/609, uma convenção que descreve as leis que regem a proteção dos animais usados em experimentação. Thales Trèz comenta que esses princípios estão cada vez mais sendo levados a sério pela comunidade científica, “para evitar abusos na utilização de animais”.

Atualmente, tramita em Brasília o projeto de Lei 1691, de 2003, que propõe a proibição de qualquer experimento sem o emprego de anestesia, ou que provoque dores fortes, sofrimento psicológico ou lesões graves nos animais. Com o aval de quase uma centena de entidades de proteção animal, o projeto propõe ainda a obrigatoriedade de submeter as pesquisas que envolvam animais às comissões de ética, a proibição de experimentos com animais quando já existirem métodos alternativos ou substitutivos à experimentação e a determinação do direito de escusa de consciência à experimentação animal. Ou seja, se aprovada, a lei garantirá que nenhum estudante, funcionário, pesquisador ou professor sofra sanção administrativa por se recusar a praticar ou cooperar em experimentos que envolvam animais.

Para saber mais, visite:

http://www.apasfa.org/leis/declaracao.shtml http://www.arcabrasil.org.br http://www.cobea.org.br/ http://dels.nas.edu/ilar_n/ilarhome/index.shtml http://www.internichebrasil.org http://grants2.nih.gov/grants/olaw/olaw.htm http://www.peta.org http://www.institutoninarosa.org.br http://www.pea.org.br/

Livros:

Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação – pela ciência responsável, de Sérgio Greif. Publicado pelo Instituto Nina Rosa e à venda no site da ONG: www.institutoninarosa.org.br .

A Verdadeira Face da Experimentação Animal – A sua saúde em perigo, de Thales Trèz e Sérgio Greif. Lançado em 2000 e também disponível para compra no site do Instituto Nina Rosa.

Conversor de texto em fala é finalista do Prêmio Santander Banespa de Empreendedorismo

Um projeto de conversão de texto em fala desenvolvido na Unicamp foi um dos 20 selecionados para a final do Prêmio Santander Banespa de Empreendedorismo. A tecnologia poderá ser usada por provedores de conteúdo, para ensino à distância, por deficientes visuais e pessoas que gostam ou precisam fazer várias atividades ao mesmo tempo. O acesso ao conversor será possível por meio de celulares e computadores pessoais. O trabalho é resultado de parceria entre pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

Com a idéia de criar tecnologia e soluções para conversão de texto em fala, um grupo de pesquisadores da Unicamp conseguiu ser classificado para a final do Prêmio Santander Banespa de Empreendedorismo. O projeto está entre os 20 selecionados de todo o país.

O grupo que trabalha no projeto é composto por dois pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC) e dois do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). O projeto está pré-incubado junto a Agência de Inovação, a Inova, desde junho deste ano, em parceria com a Empresa Júnior Conpec.

Edmilson da Silva Morais, doutorando pela FEEC, explica que o foco atual das pesquisas é a criação de um software e de aplicativos voltados para a conversão de texto em fala com qualidade para o português brasileiro.

O diretor de Parques Tecnológicos e Programas de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica da Inova, Eduardo Grizendi, que acompanha o projeto, argumenta que a iniciativa do grupo está de acordo com a tendência tecnológica atual de interação entre homem e máquina. Para ele, o trunfo da equipe está em desenvolver uma tecnologia que poderá ser adaptada para vários fins. “O conversor poderá ser usado por provedores de conteúdo, para ensino à distância, por portadores de deficiência visual, ou mesmo por pessoas que fazem várias atividades ao mesmo tempo”, enumera Grizendi.

Um dos cuidados que a equipe tem tomado é de manter a naturalidade da fala do conversor, conforme alerta a doutoranda do IEL, Jussara Melo Vieira. Os pesquisadores pretendem garantir a prosódia da língua, possibilitar variações de estilos de locução e uso de diferentes vozes no conversor.

Morais esclarece que o grupo entrou para o programa de pré-incubação com o intuito de ganhar tempo para amadurecer a tecnologia e adquirir preparo para enfrentar o mercado de forma consistente. Além de terem tempo para fazer o aprimoramento técnico do produto, os pesquisadores passam por cursos sobre gerenciamento de empresa e realizam levantamentos e análises de mercado. O objetivo desses levantamentos é concluir o período de pré-incubação tendo um plano de negócios e um plano de mercado, que serão necessários também para a última fase do concurso.

O Prêmio Santander Banespa de Empreendedorismo

O objetivo do Prêmio Santander Banespa de Empreendedorismo é incentivar e reconhecer projetos e práticas empreendedoras de alunos de graduação e pós-graduação, de instituições de ensino parceiras. O Prêmio está dividido em cinco áreas: indústria, comércio, serviços, responsabilidade social e tecnologia. O melhor projeto de cada categoria será premiado com R$ 50 mil. Entre os cinco premiados em cada categoria, um receberá o Prêmio Empreendedorismo Brasil e mais R$50 mil.

A seleção dos trabalhos teve início em julho. O resultado com os vinte finalistas foi divulgada em outubro. Como avaliação final dos trabalhos selecionados para a última etapa as equipes precisam apresentar, em novembro, um plano de negócios e no mesmo mês será divulgado o resultado final do Prêmio.

Grizendi acredita que a seleção do projeto do conversor de texto-fala como um dos finalistas do Prêmio é a prova de que a tecnologia desenvolvida é viável e o negócio é empreendedor.

Também fazem parte do grupo Jaqueline Vieira Gonçalves, doutoranda pela FEEC, e Pablo Arantes, mestrando no IEL. O professor e pesquisador da FEEC, Fábio Violaro, e o professor e pesquisador do IEL, Plínio Barbosa, são os mentores acadêmicos do projeto.

Conheça os demais finalistas.

Comunidades tradicionais e preservação da biodiversidade do bioma

Será possível proteger o pouco que resta da Mata Atlântica e ao mesmo tempo permitir a permanência de humanos no ecossistema? Esta questão opõe os pesquisadores Mauro Galleti, biólogo do departamento de Ecologia da Unesp de Rio Claro e o antropólogo da USP Antonio Carlos Diegues. Ambos debateram o assunto durante a XVI Semana de Estudos da Ecologia, que ocorreu de 26 a 30 de setembro na Unesp de Rio Claro.

Será possível proteger o pouco que resta da Mata Atlântica e ao mesmo tempo permitir a permanência de humanos no ecossistema? Esta questão opõe os pesquisadores Mauro Galleti, biólogo do departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e o antropólogo da USP Antonio Carlos Diegues. O biólogo defende que as pessoas têm que sair das unidades de preservação: “esta é a única e última chance de preservar o que resta das espécies intolerantes à presença humana”. O antropólogo discorda, e afirma que “se perdermos as comunidades tradicionais, teremos perdido um grande aliado. Não porque eles têm consciência ecológica, mas porque eles precisam da natureza”. Os dois pesquisadores debateram o assunto durante a XVI Semana de Estudos da Ecologia, que ocorreu de 26 a 30 de setembro na Unesp de Rio Claro.

De acordo com Galetti, a Mata Atlântica sofre tanto de ameaças antigas como novas. As primeiras incluem caça, desmatamento, tráfico de animais e agricultura. Mais recentemente foram adicionadas construção de rodovias, crescimento urbano rápido, palmiteiros, comunidades tradicionais e tráfico de drogas. “Há muitas estradas cortando a Mata Atlântica, por onde entram os palmiteiros e outros”, alerta o pesquisador. Diegues, por outro lado, defende que a “destruição da mata não tem a ver com comunidades tradicionais e muito menos com caça. Tem a ver sim com a violência da ocupação urbana e das monoculturas”. Ele afirma que tratar os pequenos grupos humanos como um problema é uma forma equivocada de buscar soluções: “O debate não é sobre comunidades tradicionais, é sobre qual a melhor forma de conservação”.

Os dois pesquisadores concordam que a solução não está em delimitar mais áreas de proteção, mas que é preciso preservar a biodiversidade dentro desses trechos de floresta. Por outro lado, a situação leva Diegues a questionar as estratégias atuais de conservação: “Se apesar de todos esses recursos a coisa não vai bem, será que não é necessário um sistema que leve em conta a complexidade natural e social do Brasil?”.

Galetti afirma que, através da caça, as comunidades tradicionais são responsáveis pelo declínio populacional e até mesmo extinção de aves e mamíferos de grande porte nativos da Mata Atlântica. Esses animais incluem o mono carvoeiro (maior primata do Novo Mundo), o bugio, a preguiça, o macaco-prego, a paca, a cutia, o queixada e a anta, e entre as aves a jacutinga e o macuco. Para avaliar o impacto ambiental dos humanos, uma equipe liderada pelo biólogo comparou estimativas do consumo e da produtividade de caça e concluiu que em todas as áreas estudadas o consumo é imensamente maior do que a produção, o que levaria à rápida extinção dos animais de grande porte. Já para Diegues, a cultura dessas populações não é nociva à floresta, pois suas roças são pequenas e diversas, somente para subsistência; segundo ele, a caça e pesca retiradas do ambiente não causam impacto tão sério quanto o apregoado por Galetti. Além disso, os indícios de caça encontrados pela equipe do biólogo podem ter sido deixados por caçadores ilegais e não pelos habitantes das comunidades tradicionais.

Mas não é só por causa da caça que Galetti é contra a permanência de humanos nas reservas naturais. De acordo com ele, as comunidades tradicionais têm o mesmo direito que nós a atendimento de saúde, educação, o que incompatível com unidades de conservação. “Os 2% que restam da Mata Atlântica são finitos, e com o tempo haverá incremento populacional humano, desfigurando a Unidade de Conservação”, alerta. Para ele, a correlação é simples: quanto mais gente, menos fauna. O antropólogo discorda quanto à perspectiva de crescimento populacional. Segundo ele, os caiçaras são migrantes por natureza, portanto essas comunidades não tendem necessariamente a crescer.

Para conciliar a proteção à biodiversidade e a populações humanas, Galetti propõe a transferência de comunidades tradicionais para áreas adjacentes às reservas, onde seriam testados projetos de desenvolvimento sustentável. Diegues, ao contrário, defende que a natureza tem que ser preservada juntamente com as populações tradicionais. O pesquisador acredita que ao longo do litoral sudeste do Brasil, onde há um extenso território caiçara, a floresta permanece saudável exatamente graças ao modo de vida dessas pessoas. “Nós, do planalto, destruímos tudo. Responsabilizar os caiçaras é transformar as vítimas em culpados”. Segundo o antropólogo, “a biodiversidade pode ser preservada, mantida, estimulada porque ela faz parte da relação do homem com a natureza”.

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Etnobotânica no litoral da Mata Atlântica