Edital traz privatização da água mineral à tona

A abertura do edital para exploração de fontes de água mineral no sul de Minas Gerais, no dia 16 de fevereiro, traz à tona a discussão sobre a privatização e a internacionalização da água no país, em específico das águas minerais. No Brasil, o aproveitamento comercial das fontes de águas minerais requer autorizações sucessivas de pesquisa e de lavra. As pesquisas destinam-se a conhecer o valor econômico e terapêutico da fonte, enquanto a autorização de lavra envolve as atividades de captação, condução, distribuição e aproveitamento de águas. Embora esse modelo esteja estabelecido desde 1945, gera cada vez mais polêmica. De um lado, os defensores da exploração privada da água mineral apontam seus benefícios econômicos e ambientais. Já os críticos à privatização insistem na água como um bem público, dotado de importância política e social.

A abertura do edital para exploração de fontes de água mineral no sul de Minas Gerais, no dia 16 de fevereiro, traz à tona a discussão sobre a privatização e a internacionalização da água no país, em específico das águas minerais. No Brasil, o aproveitamento comercial das fontes de águas minerais requer autorizações sucessivas de pesquisa e de lavra. As pesquisas destinam-se a conhecer o valor econômico e terapêutico da fonte, enquanto a autorização de lavra envolve as atividades de captação, condução, distribuição e aproveitamento de águas. Embora esse modelo esteja estabelecido desde 1945, gera cada vez mais polêmica. De um lado, os defensores da exploração privada da água mineral apontam seus benefícios econômicos e ambientais. Já os críticos à privatização insistem na água como um bem público, dotado de importância política e social.

Carlos Alberto Lancia, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Água Mineral (Abinam), concorda com a exploração privada das fontes. Em sua opinião, trata-se de uma atividade que exige altos investimentos em instalação, distribuição, processos e tecnologias de qualidade, assim como na proteção dos aqüíferos e na preservação ambiental. “Cada fonte gera dezenas ou centenas de empregos diretos e indiretos e mantém inviolável um bem cada vez mais valioso no planeta, que é a água potável de qualidade, num cenário em que a poluição prevalece sobre todos os demais recursos hídricos. Tudo isso tem um preço e exige responsabilidades que somente a iniciativa privada tem condições de arcar. Vale observar que, no Brasil, 98% das fontes estão nas mãos de empresas familiares e somente duas ou três empresas atuam em âmbito nacional”, argumenta.

Com cerca de 700 fontes, o Brasil produziu 5,3 bilhões de litros de água mineral (o sexto maior produtor do mundo) e faturou aproximadamente R$ 650 milhões em 2004. O país ainda importa cerca de 500 mil litros por ano e exporta 385 mil litros. O setor gera cerca de 200 mil empregos. A média do consumo per capita nacional é de 31 litros, segundo a Abinam. Mundialmente, o mercado é dominado pelas gigantes Nestlé e Coca-Cola, seguidas pela Dannone e Pepsi, movimentando mais de US$ 40 bilhões por ano. Apenas as duas primeiras atuam no mercado brasileiro.

“Via de regra, a empresa multinacional, pelo seu poder de investimento e distribuição, é naturalmente danosa a empresas nacionais, sobretudo em países como o Brasil, onde a maioria das fontes são micro e pequenas empresas. O pior é que as multinacionais preferem investir em outra categoria de produto: a água tratada (de qualquer origem) e mineralizada artificialmente. Isso significa para o Brasil, de um lado, a desvalorização das estâncias hidrominerais – da sua economia e da sua cultura – e, de outro, o abandono das fontes e da proteção ambiental”, avalia Lancia.

Quem concede as autorizações de pesquisa e lavra de água mineral no Brasil é o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME). O DNPM gerencia todas as questões relativas à água mineral no Brasil desde 1945, quando foi assinado o Código das Águas Minerais (Decreto-Lei nº7.841, de 20 de agosto), que caracteriza a água mineral como um recurso mineral, e não hídrico.

Lancia explica que, ao ser classificada como bem mineral, a água mineral se distingue de outros recursos hídricos não apenas pelas suas características físico-químicas, mas também pela proibição legal de não sofrer nenhum tratamento. Ou seja, a água mineral deve chegar ao mercado tal como foi “produzida” pela natureza. “Isso é extremamente valioso para o consumidor. A desvantagem é a carga de impostos que recai sobre a atividade, ao ser taxada na origem como mineral e no mercado como bebida”, diz.

Críticas

Na outra ponta, estão os que acreditam que a água mineral deva ser entendida como um bem público, de acesso livre à população. Para Roberto Malvezzi, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra, o gerenciamento das águas ficou relegado às leis de mercado sob o pretexto da escassez e da poluição. Segundo ele, “a lógica capitalista passa a aparecer como a melhor forma de gerenciar a água – quem tem dinheiro acessa, quem não tem fica fora”. E completa: “antes, a água era de acesso livre à população. Qualquer um podia chegar com seu galão e levar a água para casa, ou banhar-se na fonte. À medida que se faz concessão de lavra, a água mineral passa a ser de uso privado”.

Malvezzi ainda destaca que a água é explorada de forma insustentável e, muitas vezes, predatória, e cita o exemplo da Nestlé. A multinacional suíça é proprietária, desde 1992, do Parque das Águas da cidade de São Lourenço, que faz parte do Circuito das Águas mineiro e é economicamente vinculada às águas minerais. Em São Lourenço, a Nestlé foi acusada de secar uma fonte, demolir outra, perfurar um poço sem autorização legal e não aproveitar a água que dali jorrou por dois anos, uma vez que esta tinha elevado teor de ferro e, portanto, era imprópria para consumo. Posteriormente, ainda, a empresa teria alterado a composição química desta água, retirando o ferro para comercializá-la, procedimento considerado ilegal no país – a lei proíbe qualquer alteração no teor mineral das águas.

Como alternativa à privatização, Malvezzi defende que a água mineral seja gerenciada pelo Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SNGRH) e não pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. O SNGRH é responsável por implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos e entende a água como um bem de domínio público, que deve ser gerida de forma descentralizada, com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades, embora seja dotada de valor econômico (e, portanto, passível de cobrança pelo uso) por ser um recurso natural limitado. Se a água fosse mantida como bem público, diz Malvezzi, seria necessário pensar na melhor forma de engarrafamento e distribuição do produto. “Por enquanto, ninguém sequer formulou uma proposta alternativa”, admite.

Edital

Os interessados na exploração das águas minerais Araxá, Cambuquira, Caxambu e Lambari, no sul de Minas Gerais, tiveram até 14 de fevereiro para retirar o edital de concorrência pública na sede da Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais), em Belo Horizonte. As propostas poderão ser enviadas para a Codemig a partir do dia 16 de fevereiro, sem data definida para o encerramento. A empresa que ganhar a concessão terá direito ao arrendamento, por 15 anos, renováveis por mais 15, dos direitos minerários, dos equipamentos e das instalações de envasamento das quatro marcas citadas.

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Cobertura de atentados terroristas é tema de pesquisa

A forma como os veículos de comunicação cobrem os atentados e a relação que se estabelece entre a mídia e o terrorismo é o tema da tese “Hiperterrorismo e Mídia na Comunicação Política”, defendida pela pesquisadora e mestre em Comunicação Política, Luciana Moretti Fernández, na Escola de Comunicação e Artes da USP, em dezembro do ano passado.

Faltavam seis minutos para acabar o jogo entre Real Madrid e Real Sociedad, no dia 12 de dezembro de 2004, na capital espanhola, quando o juiz interrompeu a partida. Havia uma ameaça de bomba no estádio e os jogadores saíram correndo para o vestiário. Houve tumulto na arquibancada, enquanto a polícia vasculhava o local. Nenhuma bomba foi encontrada. Apesar da ameaça ser falsa, os principais jornais do mundo noticiaram o fato.

Depois dos atentados de 11 de setembro, o terrorismo passou a ter presença constante na mídia e esse é exatamente o tema da pesquisa de Luciana Moretti Fernández, que focalizou a relação que entre a mídia e o terrorismo e a forma como os veículos de comunicação cobrem os atentados. A pesquisa de Fernández, intitulada “Hiperterrorismo e Mídia na Comunicação Política”, foi defendida como tese de mestrado na Escola de Comunicação e Artes da USP.

De acordo com a pesquisadora – que analisou notícias de três veículos brasileiros, as revistas Veja, Isto É e Carta Capital, entre 1999 e 2004 – os grupos terroristas aprenderam a se projetar na mídia e se tornaram hábeis em criar fatos que se transformam em notícia. Segundo ela, isso ocorre mesmo que o atentado não se realize, como no exemplo do estádio de futebol. A pesquisadora ressalta que a visibilidade criada através dos meios de comunicação é fundamental para o sucesso do ato terrorista, “a mídia é a infra-estrutura necessária para que as negociações ocorram com a visibilidade pública suficiente e os seus conteúdos passem a fazer parte das agendas públicas e, eventualmente, das agendas políticas”, argumenta ela. Em sua opinião, os diversos atores sociais concorrem para conseguir espaço nos veículos de comunicação, e nessa disputa, o terrorismo busca seu espaço por meio da violência.

Uma das hipóteses defendida na tese é a de que o objetivo do terrorismo é a propagação do medo e a tentativa de intimidação a partir de um ato exemplar que garanta a eficácia da transmissão da mensagem, como por exemplo, um grande atentado. Ato que só ganha visibilidade quando noticiado. De acordo com a pesquisadora, é a cobertura sistemática que dá visibilidade às exigências terroristas e que viabiliza o relacionamento contínuo do terrorista com os diversos públicos e atores.“A idéia central é que não existe terrorismo sem um meio de amplificação da mensagem”, diz Fernández.

Divulgar ou não divulgar

Para Fernández, mais do que recair no debate sobre noticiar ou não os atos terroristas, o que deve ser discutido é a maneira como a mídia trata o assunto. Segundo ela, para que essa discussão ocorra é necessário que fique claro: “os veículos de comunicação não são neutros, são atores sociais com participação ativa no processo de construção de significados. Aliás, um dos atores sociais mais cobiçados”, diz ela. Se por um lado, a pesquisadora destaca a importância de observar a forma como a mídia cobre o terrorismo, compreendendo que “os meios de comunicação não são um espelho fiel do que ocorre na sociedade”, por outro lado, recomenda atenção sobre a maneira como o terrorismo se projeta e se insere nas pautas dos meios de comunicação.

Conflito geopolítico

O cientista político Samuel Huntington é conhecido por cunhar a expressão “choque de civilizações” para tratar do conflito entre o “ocidente-democrático” e o “oriente-islâmico”. A expressão tem vindo à tona novamente na mídia desde a publicação de 12 charges sobre o profeta Muhammad, em um jornal dinamarquês. As charges foram consideradas ofensivas ao islamismo e têm gerado muita polêmica. O governo do Irã cortou relações comerciais com a Dinamarca e, em retaliação, a União Européia ameaçou cortar laços econômicos com o Irã. Além disso, passeatas em diversos países protestaram contra a publicação e outros jornais na França e na Noruega também publicaram as charges. Sobre essa questão, Fernandéz afirma que existe um conflito geopolítico, mas não um “choque de civilizações” e refuta a tese de Huntington que prega a idéia de que o confronto entre blocos culturais tão diferentes é inevitável. Para a pesquisadora, a publicação das charges foi um ato infeliz. “Não houve uma tentativa de compreensão do que aquilo poderia significar. Para os muçulmanos, não se pode fazer ironia com o que é sagrado, e foi isso que as charges fizeram. Não existe um significado compartilhado”, afirma.

De acordo com a pesquisadora, cada veículo tem sua abordagem própria, mas uma característica comum a todos é a concepção do terrorismo como um conflito ideológico bipolar. Acerca disso, Fernández detectou que a cobertura das revistas pesquisadas recai na atribuição de responsabilidades em dois pólos. “Por meio da análise das cartas dos leitores desses veículos, conclui que a responsabilidade é atribuída parte à política externa americana, parte ao fanatismo religioso islâmico”, diz ela. É desta forma, que o problema se configura como um conflito cultural de grandes proporções.

A questão da relação com o outro, ou a “relação de alteridade”, para usar uma expressão da antropologia, é central nessa discussão para Fernández. O fundamentalismo, religioso ou não, tende a evitar o que é diferente, especialmente o que parece antagônico. A pesquisadora sublinha que a recusa do outro e a redução das possibilidades de intercâmbio criam a situação de polarização e a conseqüência disso é a criação de explicações cada vez mais simplificadas.

“O fundamentalismo é um fenômeno do mundo moderno, uma reação à modernidade e à constante necessidade de redefinição que ela impõe. O pensamento fundamentalista oferece uma alternativa composta por regras bem definidas, um movimento orientado não à conquista de um mundo novo, mas sim de um passado idealizado e utópico”, afirma. Para Fernández, esse tipo de mecanismo de fechamento em si mesmo é uma das bases de muitos conflitos, que envolve não apenas o terrorismo contemporâneo, mas a política externa de muitas potências ocidentais.

A pesquisa de Fernández ainda traz dados sobre os mais diversos tipos de terrorismo, desde Unabomber, o solitário indignado que enviava cartas-bomba, passando pela seita de ultra direita “O Contrato, A Espada e O Braço do Senhor”, que desejava fazer uma limpeza racial nos Estados Unidos, chegando até o terrorismo de base religiosa praticado por grupos islâmicos radicais. De acordo com a pesquisadora, dos diversos tipos de grupos terroristas, o de caráter islâmico tem um poder de impacto maior porque é mais organizado. Além disso, a identificação entre religião e política dá legitimidade às investidas armadas.

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Substância extraída de pererecas pode ser eficaz contra malária e leishmaniose

Um novo peptídeo isolado da secreção cutânea de pererecas do gênero Phyllomedusaé uma promissora nova arma contra um amplo espectro de bactérias e fungos. A filosseptina foi testada em laboratório e pode representar um avanço importante na medicina, pois se mostrou eficaz contra os protozoários causadores da malária e da leishmaniose. O próximo passo é testar suas propriedades em animais infectados.

A secreção cutânea desta perereca tem propriedades antimicrobianas. Foto: Célio Haddad.

Um novo peptídeo isolado da secreção cutânea de pererecas do gênero Phyllomedusa é uma promissora nova arma contra um amplo espectro de bactérias e fungos. A filosseptina (PS) foi testada em laboratório e pode representar um avanço importante na medicina, pois se mostrou eficaz contra os protozoários causadores da malária e da leishmaniose. O próximo passo é testar suas propriedades em animais infectados. “Acredito que em breve teremos condições de comprovar a sua eficácia”, diz Selma Kuckelhaus, do Departamento de Imunologia da Universidade de Brasília (UnB).

A filosseptina foi descrita em 2005, por pesquisadores da UnB e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). São seis novos peptídeos (PS-1 a PS-6), que foram isolados a partir de duas espécies de pererecas, P. hypochondriales e P. oreades. Dentre os seis compostos, foi comprovado que a PS-1 tem uma ação antibacteriana ampla, além de baixa toxicidade para o organismo infectado. As filosseptinas 1, 4 e 5 são os primeiros peptídeos isolados da secreção cutânea de pererecas a serem testados contra diversos microorganismos.

Selma Kuckelhaus está dando continuidade à pesquisa sobre aplicações médicas da filosseptina, e ressalta que essa família de susbtâncias tem ação contra uma ampla gama de bactérias e fungos. “A boa nova é a comprovação do seu efeito também sobre os protozoários”, comemora. A pesquisadora explica que a PS-1 teve um ótimo desempenho no combate a culturas de Leishmania amazonensis, protozoário causador da leishmaniose tegumentar, em laboratório. Seus resultados serão apresentados no Congresso de Medicina Tropical, em março no Piauí. Em relação à malária, Kuckelhaus está em fase de conclusão dos testes, mas adianta que os resultados “são muito promissores”. O trabalho, que faz parte de sua tese de doutorado, está em fase de publicação.

A possibilidade de se produzir medicamentos a partir da filosseptina é uma boa notícia na comunidade médica. As medicações existentes contra malária e leishmaniose, sobretudo esta última, são muito tóxicos. As grandes vantagens da PS-1 são a baixa toxicidade nas concentrações eficazes e seu largo espectro de ação. O aumento de resistência a antibióticos é uma preocupação mundial, por isso é necessário que os médicos disponham de um arsenal variado de drogas para o combate às doenças bacterianas.

A Phyllomedusa bicolor é utilizada no Acre como medicação contra malária. Foto: Márcio Martins

O Brasil dispõe de imensa biodiversidade com grande potencial para uso na medicina, em muitos casos já explorada por conhecimento popular ou nativo. Célio Haddad, especialista em anfíbios da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, conta que durante expedição ao Acre em 1980, habitantes locais lhe disseram utilizar a secreção cutânea de Phyllomedusa contra malária. Na época, o pesquisador não acreditou na eficácia das propriedades medicinais da substância. Sua experiência mostra que a ciência deve estar atenta à medicina tradicional, que pode ter muitas contribuições a oferecer. “Somos privilegiados por possuir tanta riqueza, mas só nos resta aguardar que nossos governantes compreendam a importância e invistam em pesquisas, que são imprescindíveis para gerar novos medicamentos”, enfatiza Kuckelhaus.