Especialistas discutem cenários futuros para as águas sulamericanas

Para avaliar os impactos regionais do aumento da demanda de água doce na América do Sul, o projeto Sustentabilidade das Águas Sulamericanas, que reúne especialistas em recursos hídricos de diversos países, propõe mecanismos de precaução para as mudanças globais de curto, médio e longo prazo e seus resultados já começam a aparecer.

Com o objetivo de avaliar os impactos regionais decorrentes do aumento da demanda de água doce na América do Sul, o projeto Sustentabilidade das Águas Sulamericanas propõe mecanismos de precaução para as mudanças globais de curto, médio e longo prazo. O trabalho, iniciado em 2002, reúne especialistas em recursos hídricos de diversos países, que desenvolvem documentos conceituais sobre sustentabilidade das águas do continente, levando em consideração dois programas internacionais.

Um deles é a Avaliação Ecossistêmica do Milênio, da Organização das Nações Unidas (ONU), e o outro é a Previsão de Bacias com dados escassos (PUB, na sigla em inglês), da Associação Internacional de Ciências Hidrológicas. O primeiro programa projeta cenários globais da água até o ano 2100; o segundo colaborou na criação, para o período 2005-2015, dos projetos “Década da Água: água para vida”(também da ONU) e “Década Brasileira de Água”.

A América do Sul possui mais de 47% da reserva de água doce do mundo e as previsões sobre a oferta hídrica não são animadoras: até 2025, a escassez de água poderá afetar metade da população do planeta. Além disso, o setor de hidronegócio está crescendo e poderá superar em 2015 o setor de agronegócio.

“Os resultados principais do projeto foram imediatos, devido ao impacto obtido pelos documentos conceituais que chegaram a tempo aos tomadores de decisão e formadores de políticas de desenvolvimento”, explica Eduardo Mendiondo, um dos especialistas participantes do programa e coordenador do Núcleo Integrado de Bacias Hidrográficas (NIBH), da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos.

“Em relação à Bacia do Prata, a Organização dos Estados Americanos (OEA), por exemplo, convidou-nos em 2004 a colaborar, utilizando estas visões globais complementares, com a identificação e seleção de projetos pilotos que seriam mais adequados para demonstrar a real capacidade de soluções de conflitos de recursos hídricos nos cinco países: Argentina, Brasil Bolívia, Paraguai e Uruguai”, diz o especalista.

Também em 2004, afirma Mendiondo, o Comitê Gestor da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo, cuja área de abrangência é considerada uma área piloto global, se beneficiou com estas visões e diretrizes, que incidiram em projetos de grande porte, como o caso do Rodoanel. A partir disso, demonstrou-se os impactos socioambientais desta obra e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exigiu que houvessem modificações no trecho sul.

O projeto de sustentabilidade das águas é marcado por reuniões internacionais que já foram realizadas no Brasil, Argentina e Equador com a participação de especialistas internacionais, em especial da América do Sul. Mendiondo enfatiza que os encontros realizados no país foram importantes para as agências de fomento como FINEP, FAPESP e CNPq, que se beneficiaram com assessorias científicas e diretrizes para futuras pesquisas que incluem esses novos conceitos de programas globais. Além disso, as reuniões influenciam os tomadores de decisão com relação à água.

Neste ano e em 2007, os resultados serão voltados diretamente para a população sob a forma de cartilhas, diretrizes e protocolos que tratarão, sobretudo na mídia, de sistemas de alerta ambiental e da relação das reservas hídricas com o PIB, bônus ambiental e IPTU – acrescentando na Planta Genérica de Valores (PGV), que estipula o preço deste imposto, um valor referente ao impacto ambiental causado pelo imóvel.

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Incidência de câncer aumenta com o envelhecimento da população

Pesquisa da Unicamp aborda a diminuição da incidência de doenças infecciosas e o aumento da ocorrência de doenças crônico-degenerativas no Brasil, conhecido como processo de transição epidemiológica, e faz levantamento sobre a ocorrência de neoplasias em idosos.

A transição epidemiológica passou a ser um termo recorrente entre cientistas brasileiros para abordar a diminuição da mortalidade por doenças infecto-parasitárias no Brasil, em contraposição ao aumento de doenças crônico-degenerativas, tais como, doenças cardíacas e mal de Alzheimer. Para alguns pesquisadores, o fenômeno está diretamente associado ao envelhecimento da população brasileira. A socióloga Ana Paula Belon, do departamento de demografia da Unicamp, fez uma pesquisa sobre o tema e um levantamento sobre a ocorrência de neoplasias em idosos, mais especificamente sobre a evolução da mortalidade por câncer de colo de útero, de mama feminina e de próstata, no estado de São Paulo.

A pesquisadora verificou um aumento da mortalidade e da incidência dessas neoplasias entre a população com mais de 60 anos, no período entre 1980 e 2000. Segundo Belon, as explicações para esse fenômeno são múltiplas, mas pode-se salientar que o envelhecimento da população é uma das principais causas. A diminuição da mortalidade infantil associada com o aumento da expectativa de vida – possibilitada pela melhora da qualidade de vida e pelos avanços da medicina – faz com que as pessoas vivam mais tempo.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2050, um quinto da população mundial será idosa. Para o Brasil, a estimativa prevê que o número de idosos pode passar dos 30 milhões nas próximas décadas, o dobro do contingente atual. Uma outra característica desse quadro é o incremento dos grupos etários mais velhos, principalmente os maiores de 80 anos, ou seja, além de aumentar, a população também passou a ter maior longevidade.

A essa característica populacional está associado o aumento das doenças crônico-degenerativas como as doenças cardiovasculares, as do aparelho respiratório e neoplasias. De acordo com Belon, “existe uma relação entre o envelhecimento da população e o aumento da incidência de câncer, pois as pessoas que vivem mais, ficam mais tempo expostas aos agentes externos causadores da doença”. Ela ressalta que a incidência e a mortalidade por câncer cresceram porque o número de idosos aumentou, o que não quer dizer que a probabilidade de uma pessoa ter câncer seja maior agora do que no passado.

Dos três tipos de neoplasias analisadas, o que mais chamou a atenção foi o câncer de próstata. “Houve um aumento significativo da mortalidade por esse tipo de câncer, que chega, entre os maiores de 90 anos de idade, a cerca de 800 mortes por 100 mil habitantes”, afirma Belon. A situação é alarmante porque, em grande parte dos casos, a doença só é descoberta em estágios avançados, reduzindo as possibilidades de cura.

Já em relação ao câncer de mama, a situação é um pouco melhor, mas ainda assim preocupante na opinião da pesquisadora. De acordo com ela, existem falhas na prevenção e, assim como no câncer de próstata, muitas vezes o tratamento só tem início quando a doença já está num estágio avançado. “Além disso, existem somente 600 aparelhos que fazem mamografia no estado de São Paulo, o que é muito pouco”, afirma.

A mortalidade por câncer de colo de útero entre idosas é a menor dentre os três tipo de neoplasias analisadas. “Tanto o governo como os hospitais desenvolveram meios para detectar e tratar a doença. Apesar disso, ainda existe muita coisa a ser feita”, diz Belon.

Dados Imprecisos

Durante a pesquisa, Belon deparou-se com outra questão: a falta de qualidade dos dados disponíveis, “os dados são melhores nas regiões de Campinas, Osasco, São Paulo e Ribeirão Preto, exatamente nos locais onde houve o maior aumento da incidência das neoplasias. Já nas regiões de Registro e Assis, os dados são deficitários”, afirma. Belon acredita que o cuidado em registrar as causas da morte dos idosos é menor do que o dispensado para casos de jovens e crianças. “Em muitos lugares se diz que o paciente ’morreu de velhice’ e isso esconde a real causa da morte”, diz.

De acordo com Belon, nos lugares onde os dados são deficitários, a mortalidade por essas doenças é menor e isso muitas vezes não reflete o que realmente acontece. A ausência de dados pode indicar que os casos de câncer são mais numerosos do que os registrados nesses locais.

Transição Epidemiológica

Segundo a pesquisadora, apesar de o Brasil estar passando por essa transição epidemiológica, as doenças infecto-parasitárias ainda são um grande problema para o país. A pesquisa não traz dados sobre esse tipo de doença, mas Belon acredita que as doenças infecciosas estão presentes no mundo todo, a exemplo da gripe aviária. Além disso, existem diversas doenças negligenciadas, tais como malária, leishmaniose e doença de Chagas.

As doenças infecto-parasitárias também são conhecidas como doenças tropicais por terem maior incidência em países em desenvolvimento, nos trópicos. Do ponto de vista demográfico, esses países são em sua maioria jovens. Já as doenças crônico-degenerativas têm maior incidência em países desenvolvidos, onde o índice da população idosa é alto.

As doenças crônicas, em geral, possuem um tratamento caro e demorado. Em muitos casos, não existe cura, somente um tratamento para amenizar os sintomas da doença. Já a maioria das doenças infecto-parasitárias tem cura com algumas doses de medicamento e isso faz com que a indústria farmacêutica invista menos dinheiro em pesquisa para o tratamento dessas doenças, uma vez que o lucro gerado é menor.

Assim, apesar do quadro descrito pela pesquisadora indicar que o Brasil vive uma transição epidemiológica, aproximando-se das características populacionais de países desenvolvidos, o país também possui inúmeros casos de doenças tropicais. A situação coloca o Brasil numa posição especial, em que a atenção para ambos os tipos de doenças deve ser privilegiada pela saúde pública. A pesquisa de Ana Paula Belon foi apresentada como dissertação de mestrado em fevereiro de 2006, na Universidade Estadual de Campinas.

Jovens negros combatem exclusão na Bahia

A mobilização de jovens do Centro de Estudos Afro-Orientais, que combatem a discriminação em Salvador, resultou na criação do Escritório Garantia de Direito da Juventude Negra. Reduzir a violência racial, gerar trabalho, renda e acesso à cultura são alguns dos objetivos.

A juventude negra baiana acaba de ganhar mais um espaço para expor, discutir e combater problemas relacionados à discriminação racial e social, bem como ter acesso à cultura, informação e reflexão crítica sobre os acontecimentos sociais. O Escritório Garantia de Direito da Juventude Negra foi uma conquista de jovens que têm entre 18 e 24 anos e que atuam no Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceafro), vinculado à Universidade Federal da Bahia (UFBA), em conjunto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

A idéia é que a programação e o atendimento sejam feitos pelos próprios jovens que, com uma linguagem mais próxima, tanto corporal quanto gestual, vão fazer o devido encaminhamento dos casos de discriminação ou violência que ocorram no meio juvenil. Através deste Escritório, os movimentos organizados da juventude negra receberão auxílio para diversos casos, como violência doméstica e urbana, discriminação sexual, racial ou étnica, intolerância religiosa, dentre outras formas de violação de direitos.

Apesar do Escritório ser mais um órgão voltado para esta questão na região metropolitana de Salvador, onde cerca de 82% da população é negra – dados do Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil, encomendado ao Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) -, há um grande diferencial em relação aos outros programas existentes. Segundo o técnico pedagógico do Ceafro, Agnaldo Neiva, além de conscientizar a população jovem negra por meio de informações, o Escritório terá a função de encaminhar todos os casos de violência e discriminação aos órgãos competentes, o que não acontecia anteriormente. “O novo espaço permitirá que os jovens deste lugar comecem a estudar e discutir políticas de atendimento que propiciem a redução da desigualdade social e da discriminação”, complementa.

A criação do órgão vem mostrar a força que o segmento jovem pode ter na sociedade para reduzir o nível de exclusão, que ainda é alto na própria capital e região metropolitana da Bahia, segundo o Dieese. Em pesquisa realizada em 2002, o Departamento apontou que 45,6% dos jovens negros não tinham oportunidades no mercado de trabalho e que 67,3% compunham a força de trabalho como ocupados ou desempregados. A realidade baiana apontada pela pesquisa contribuiu para reforçar a proposta de se criar o Escritório.

O economista Silvio Humberto dos Passos Cunha, diretor executivo do Instituto Cultural Steve Biko, analisa o Escritório como uma necessidade para a região. “Esses espaços são criados como uma forma de proteção aos jovens negros que estão sob condições de pobreza e discriminação social, causando um impacto fantástico. Usam a própria linguagem juvenil para mediar conflitos e ao mesmo tempo geram trabalho e renda, combatendo as desigualdades sociais”, enfatiza.

Falhas no sistema de garantia de direitos dos jovens negros, observadas pelos próprios jovens do Ceafro, também serviram de estímulo à criação do Escritório. Neiva ressalta que os jovens do Centro perceberam várias brechas para atuar, uma delas na própria política de atendimento. “No caso de crimes contra crianças ou jovens negros, por exemplo, não se sabia como deliberar o caso. Os próprios jovens não tinham condições de encaminhar o problema. O novo espaço fornecerá suporte e estrutura para isso”, observa.

O Escritório se apresenta como mais uma oportunidade de se propiciar um espaço de reflexão e expressão na vida dos jovens, como demonstrou um estudo realizado em novembro do ano passado, com 162 jovens de diferentes classes sociais, idades e localidades, pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) na Região Metropolitana de Salvador. Embora os entrevistados sejam de etnias distintas, grande parte deles tem a mesma convicção: a necessidade de participarem da vida pública, com o intuito de melhorar o seu meio e a sua comunidade. De todos os pesquisados, 27,5% têm atuação de forma diversa neste quesito e acreditam no poder político do jovem para a melhoria da sociedade. Dentre as preocupações mais latentes que encontram na vida pública estão a violência, o desemprego e a desigualdade social.

Multiplicar a experiência

A proposta inicial do Escritório, que além de Salvador engloba também Sergipe, é se ramificar em outros estados e regiões em que tenham movimentos da juventude negra atuantes. Entretanto, a técnica executiva do Escritório, Glaucia Dantas, de 19 anos, adverte que “para isso será necessário que os grupos sejam ativistas, levantem a situação e condição social de onde vivem, façam a devida avaliação e rompam bloqueios relacionados a sua condição social”.

Conforme as diretrizes do novo espaço, os integrantes do Escritório participarão de atividades como oficinas, palestras e terão acesso a teatro, cinema, farão visitas a museus, bibliotecas e universidades. Além disso, serão levados para realizar debates nas próprias comunidades sobre assuntos pertinentes à exclusão negra.