Novas análises chacoalham árvore genealógica dos anfíbios

A classificação dos anfíbios do mundo todo acaba de passar por uma grande reforma. A nova proposta está em monografia recém publicada pelo Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, resultado do trabalho de uma equipe internacional de pesquisadores.

Filogenia
Filogenia mostra que análises não alteram relações entre grandes grupos de vertebrados

Uma equipe internacional, liderada por pesquisadores do Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, acaba de rever a classificação dos anfíbios. Trata-se de uma filogenia (semelhante a uma árvore genealógica) que engloba todas as famílias conhecidas de anuros (sapos, rãs e pererecas), salamandras e cobras-cegas. Célio Haddad, do Laboratório de Herpetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e co-autor do estudo, ressalta que a nova filogenia é a maior já feita para vertebrados e deverá “chacoalhar” a sistemática tradicional do grupo.

A monografia foi publicada este mês no periódico do museu norte-americano Bulletin of the American Museum of Natural History (no 297). A análise inclui 532 espécies de anfíbios, de um total de cerca de 5.800 hoje descritas. Todas as famílias, e quase todas as sub-famílias (com exceção de uma), foram consideradas. Além disso, consta da monografia boa parte dos gêneros que se conhece. O intuito foi utilizar uma amostragem bem distribuída para verificar se os agrupamentos em famílias correspondem à realidade evolutiva de terem sido originados por um ancestral comum, ou seja, se são monofiléticos. Os resultados mostram que muitos grupos não são monofiléticos, o que torna os conjuntos incorretos de acordo com as regras da taxonomia. Para fazer uma analogia em escala humana, só os descendentes do fundador de uma família podem fazer parte dela. Assim, um grupo definido como os descendentes do seu pai não pode incluir os seus tios.

Célio Haddad comenta que muita pesquisa é feita nessa área, mas é freqüente que se detecte erros sem corrigi-los. A conclusão mais comum desse tipo de trabalho é que “são necessários mais estudos para que possamos determinar a classificação correta”. Não foi isso que os autores da monografia fizeram. Ao contrário, sua grande contribuição é propor uma nova classificação, ou taxonomia, dos anfíbios atuais. Para isso, foram criadas várias unidades taxonômicas novas. “Todo mundo reconhece que a classificação não reflete a natureza; mas a área permanece estagnada, sem refletir avanços no conhecimento”, afirma o especialista brasileiro. Para ele, as alterações profundas que foram propostas estimularão pesquisadores a reagir e buscar refutar as mudanças com as quais não concordam. “Assim a ciência progride”.

Os resultados foram obtidos a partir de seqüências de DNA. A vantagem desse tipo de dados é que ele dá acesso a uma quantidade maciça de informação, que permite que se faça inferências filogenéticas. Haddad ressalta que alguns pesquisadores defendem o uso de características morfológicas em vez de genéticas. Porém, ele explica que os anuros são animais simplificados, com adaptações para modo de vida que fazem com que espécies tenham características semelhantes mesmo que não sejam aparentadas. Análises ósseas são úteis, mas muito trabalhosas. A nova classificação pode direcionar futuras pesquisas, com estudos mais detalhados da morfologia em grupos de espécies com classificação controversa, que podem refutar ou confirmar o que foi publicado na monografia. O ideal, diz o herpetólogo, será ter ao fim uma árvore filogenética de consenso, que inclua dados genéticos e morfológicos.

Além do avanço na área específica de conhecimento, uma classificação que reflita a evolução do grupo tem implicações importantes para desvendar diversas questões científicas. Um exemplo é um trabalho em fase de publicação do qual Célio Haddad também participa, que utiliza essa filogenia para ajudar a compreender extinções e declínios populacionais de anfíbios. Investigar se os padrões que se observa têm correlação com o parentesco entre as espécies pode ser uma ferramenta muito importante para compreender suas causas.

Modelo francês de Parques Naturais Regionais não apreende a complexidade do Pantanal

O Parque Natural Regional do Pantanal (PRNP), uma iniciativa inspirada no modelo francês de Parques Naturais Regionais, revelou-se muito mais complexo do que o modelo original poderia prever, conclui a pesquisadora Icléia Albuquerque de Vargas em sua tese de doutorado defendida em fevereiro pela Universidade Federal do Paraná.

O Parque Natural Regional do Pantanal (PRNP), uma iniciativa inspirada no modelo francês de Parques Naturais Regionais, revelou-se muito mais complexo do que o modelo original poderia prever, conclui a geógrafa Icléia Albuquerque de Vargas em sua tese de doutorado defendida em fevereiro pela Universidade Federal do Paraná. A pesquisadora estudou o PNRP com base nas categorias “território”, “identidade”, “paisagem” e “governança” e verificou que, embora haja pontos de convergência entre as condições francesas e brasileiras, o PNRP possui características muito particulares, que exigem um tratamento especial.

O Parque Natural Regional do Pantanal (PRNP), uma iniciativa inspirada no modelo francês de Parques Naturais Regionais, revelou-se muito mais complexo do que o modelo original poderia prever, conclui a geógrafa Icléia Albuquerque de Vargas em sua tese de doutorado defendida em fevereiro pela Universidade Federal do Paraná. A pesquisadora estudou o PNRP com base nas categorias “território”, “identidade”, “paisagem” e “governança” e verificou que, embora haja pontos de convergência entre as condições francesas e brasileiras, o PNRP possui características muito particulares, que exigem um tratamento especial.

Somente na França operam mais de quarenta parques naturais regionais, também presentes na Espanha, Polônia, alguns países da África, Guiana Francesa, Chile e o PNRP no Brasil. A concepção do PNRP desenvolveu-se ao longo de mais de vinte anos, mas o parque foi oficialmente implementado em 2002, com o apoio do governo do estado, da ONG Sociedade de Defesa do Pantanal (Sodepan) e da Federação de Parques Naturais Regionais da França e o financiamento da União Européia e do próprio governo do Mato Grosso do Sul. Hoje há mais três projetos de implementação de parques naturais regionais no Pantanal: Porto Murtinho, Caracol e Nabileque. O PNRP compreende a totalidade da sub-bacia hidrográfica do Rio Negro (integrante da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai), com uma superfície de aproximadamente seis milhões de hectares, ou cerca de 20% do Pantanal.

A pesquisadora, especializada na área de sociedade e meio ambiente, ressalta que o Parque Natural Regional não é simplesmente uma unidade de conservação ambiental, mas reúne proprietários rurais que devem obedecer um conjunto de normas de utilização do território, definido em assembléias. A filosofia francesa de preservação do meio ambiente está presente, ao lado da realização de produção econômica e da proteção à cultura local, à educação, à saúde, à assistência social e à preservação das tradições. O objetivo é aumentar a renda do produtor pantaneiro com manutenção da sustentabilidade da região.

Os parques prevêem a definição de um produto principal a ser explorado economicamente, os chamados produits de terroir, ou seja, o produto com identidade territorial. Enquanto na França os parques produzem queijos, vinhos, embutidos, o PNRP elegeu como seu produto de terroir o vitelo (bezerro abatido com 8 a 12 meses de vida) orgânico, por receber uma alimentação sem agrotóxicos e tratamentos de saúde homeopáticos ou fitoterápicos. O vitpan, como é chamado esse vitelo pantaneiro, tem uma carne muito mais tenra e pode atingir, portanto, melhores preços no mercado. Há também outros projetos desenvolvidos no PNRP, como o turismo sustentável, a apicultura, o artesanato, a escola pantaneira e o manejo da fauna silvestre, este último com o objetivo de minimizar as perdas dos produtores de gado decorrentes da ação das onças da região que, na falta de suas presas naturais (pequenos mamíferos), se alimentam de bezerros.

Obstáculos Porém, o PNRP apresenta problemas que impedem sua plena eficácia, a começar pela inexistência da Carta do Parque, o documento-mestre que estabelece o parque e suas diretrizes de gestão global para o território. “Há um forte conflito de interesses entre os fazendeiros, técnicos brasileiros e franceses e políticos, enquanto os trabalhadores rurais, pescadores e ribeirinhos são pouco considerados. O problema de governança talvez seja o maior problema do PNRP, que a França já superou”, afirma vargas. Além disso, há a questão da identidade do pantaneiro, muito marcada pelo zoomorfismo (atribuição de características animais aos homens) e pelo antropomorfismo (atribuição de características humanas aos animais). Para a pesquisadora, “essa aproximação entre homem e mundo natural revela uma interação muito forte dos pantaneiros com o meio ambiente e lhes confere um ’saber ambiental’ que deve ser considerado e valorizado”.

O fato de o Pantanal ter sido patrimonializado e considerado uma reserva da biosfera em virtude de sua rica biodiversidade não impede a existência de conflitos com o governo. Recentemente, houve a retomada da intenção por parte do governo e de produtores sucro-alcooleiros de se permitir a instalação de usinas de açúcar e álcool no Pantanal, mas após muitas discussões o governo recuou da decisão. Outra proposta do governo, que tem preocupado muitos pescadores da região, é a de proibir a pesca profissional e artesanal, sem propostas de alternativas para a população que vive destas atividades.

Vargas destaca ainda divergências entre os propósitos do PNRP, de conservação da atividade pecuária, e de algumas ONGs, que defendem a retirada do gado para preservar a vegetação local. Alguns trabalhos científicos defendem a hipótese de que a retirada do gado leva ao crescimento da vegetação que, nos períodos de seca, poderia se constituir em uma massa propícia para a combustão. Dessa forma, seria necessário manter o boi no pasto no Pantanal, pois ele, ao impedir o crescimento desordenado da vegetação nativa, é responsável pela manutenção da paisagem. “A idéia do ‘boi-bombeiro’ contradiz a ação de algumas ONGs internacionais que hoje adquirem terras no Pantanal e suspendem a pecuária, com o objetivo de preservação do ambiente natural”, diz Vargas.

Apesar da complexidade do Pantanal e dos problemas de adequação ao modelo francês de Parques Naturais Regionais, a pesquisadora acredita que é possível conservar o modelo e adaptá-lo às condições do local, considerando, sobretudo, o saber ambiental de todos os agentes e não apenas dos fazendeiros.

Governo aprova a exploração comercial de florestas públicas

Nova Lei de Gestão de Florestas Públicas permitirá concessões, sem transferência de posse, para uso sustentável de áreas naturais brasileiras. Ambientalistas esperam que medida reduza grilagem e desmatamento ilegal.

 

As primeiras áreas concessionadas serão na Amazônia.
Foto: Rafael Oliveira

 

Foi sancionada este mês a lei 11.284, que regulamenta a concessão de florestas públicas para exploração sustentável, mediante licitação. A maior parte dos conservacionistas aclama a medida como uma importante ferramenta no combate à grilagem e ao uso ilegal das florestas. Enrico Bernard, gerente do programa Amazônia da Conservação Internacional (CI) do Brasil, aprova a nova lei: “Se o governo quer o apoio de um setor, tem que oferecer condições para que ele se estabeleça”. Segundo o ambientalista André de Freitas, as primeiras concessões não devem acontecer antes do segundo semestre de 2007.

A Lei de Gestão de Florestas Públicas concede o uso de áreas de floresta por até 40 anos a empresas nacionais, de acordo com o preceito de que essas áreas permaneçam públicas e permaneçam florestas. A formulação da lei incluiu ampla consulta à sociedade, que envolveu setores diversos como ambientalistas e madeireiros. Freitas, que participou desses debates representando a ONG Imaflora, acredita que a legislação representa “um avanço tremendo para a conservação da Amazônia”.

As concessões serão feitas somente mediante licenciamento ambiental de cada projeto. Maria Augusta Godoy, da empresa de consultoria ambiental Geotec, lembra que uma análise de impacto ambiental demora cerca de seis meses. Portanto, para que a implementação da lei seja viável, esse processo terá que ser agilizado.

A medida será importante, de acordo com Bernard, para delimitar as terras da União. “O que a lei tem de bastante importante é ser uma tentativa de ordenamento fundiário”. O caos fundiário afeta a biodiversidade, pois “as pessoas invadem contando com a impunidade, porque não vão sofrer sanções da lei”, justifica.

Para reduzir a grilagem e o desmatamento ilegal, é necessário que o Estado forneça recursos humanos para fiscalização. O projeto de gestão prevê uma descentralização das funções do Ibama, o que será feito mediante transferência de recursos (provenientes das concessões) e responsabilidades para estados e municípios. As áreas de concessão sofrerão vigilância constante, mas Enrico Bernard acredita que a partir do momento em que uma empresa passa pelo processo de legalização, ela manifesta a intenção de agir de forma correta. “Talvez assim sobre mais tempo para fiscalizar as áreas ilegais”.

No entanto, alguns grupos são contra a nova lei. É o caso do setor ligado à mineração, pois a nova lei exclui a exploração de recursos minerais. Na opinião de Bernard, a mineração legalizada tem danos muito menores do que o desmatamento e a extração ilegal de madeira. Outros críticos do projeto temem que a concessão das florestas abra as portas para a biopirataria. Quanto a isso, o ecólogo da CI defende que a solução é que o governo invista em ciência e tecnologia, laboratórios e centros de pesquisa. O desenvolvimento do conhecimento seria, assim, uma forma de apropriar-se do patrimônio natural antes que “biopiratas” o façam.

As áreas previstas para as primeiras concessões são localizadas na Amazônia, na área de influência da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém). Planos de desenvolvimento sustentável nesta área são essenciais para que seja aprovada a pavimentação da rodovia, que foi aberta nos anos 1970, mas até hoje não foi concluída devido a preocupações ambientais.

O Ministério do Meio Ambiente prevê que nos primeiros dez anos de funcionamento do projeto, serão concedidos cerca de 13 milhões de hectares de florestas na Amazônia, cerca de 3% de seu território. Embora neste primeiro momento a Amazônia esteja na linha de frente, é importante lembrar que a lei inclui também os outros ecossistemas brasileiros: a Caatinga, a Mata Atlântica e o Cerrado.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 13 de março, a ministra do meio ambiente Marina Silva afirmou que o ordenamento fundiário e o uso sustentável das florestas são ferramentas essenciais para combater o desmatamento. “É preciso mostrar que a floresta de pé é mais rentável do que derrubada”, afirmou. A engenheira florestal Maria Augusta Godoy, porém, alerta para a necessidade de mais estudos ecológicos das florestas. Segundo ela, o embasamento técnico é ainda muito falho, de forma que não se pode definir com precisão, por exemplo, quanta madeira se pode extrair de forma sustentável.

Leia mais:
Edição da ComCiência sobre Florestas, com editorial e reportagens sobre o projeto de lei de gestão de florestas públicas.
Notícias sobre a nova lei disponibilizadas pelo Ministério do Meio Ambiente.
Reportagem do Instituto Socioambiental sobre a rodovia Br-163.