Demógrafos repudiam visão estreita da relação população e pobreza

A Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) pretende ampliar o debate sobre a questão populacional no Brasil. Eles querem fugir da idéia simplista, enraizada nas teorias de Malthus, de que o excesso de pessoas causa fome, pobreza e problemas ambientais.

A Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) pretende ampliar o debate sobre a questão populacional no Brasil. Eles querem fugir da idéia simplista, enraizada nas teorias de Thomas Malthus (1766-1834), de que o excesso de pessoas no mundo causa fome, pobreza e problemas ambientais. O assunto adquiriu maior dimensão quando a Revista Veja publicou, em fevereiro deste ano, em suas páginas amarelas, uma entrevista com o pesquisador Paul Enrlich na qual ele expõe suas convicções neomalthusianas. Esta postura “estreita” tem sido difundida por importantes setores da sociedade brasileira, tanto políticos quanto empresariais, que consideram a redução da fecundidade dos pobres uma saída para muitos problemas sociais. “É uma postura simples, que não requer grandes programas públicos”, afirma George Martini, presidente da Abep.

Martini enumera outros aspectos populacionais que influenciam a estrutura socioeconômica brasileira, como as mudanças na composição da população em termos de idade e sexo, mudanças na força de trabalho e a queda na taxa de fecundidade no país. A esses fatores se relacionam, por exemplo, o envelhecimento da população (e os maiores gastos com saúde e aposentadorias), a maior longevidade das mulheres em relação aos homens e a diminuição na disponibilidade de mão-de-obra. Há, ainda, a questão da distribuição espacial: “quatro em cada dez brasileiros moram em cidades com mais de um milhão de pessoas, mas quando se pensa em políticas ambientais, o foco está nas áreas rurais, embora tal problema esteja concentrado no meio urbano”, avalia.

Paul Ehrlich tem 73 anos e está ligado à Universidade de Stanford, na Califórnia. É autor do controverso best-seller “A bomba populacional” (1968), no qual escreve que a falta de comida causaria a morte de milhões de pessoas nas décadas seguintes. Suas previsões, contudo, não se confirmaram e, desde aquela época, a proporção de famintos em relação à população mundial vem caindo. Na entrevista, Paul Ehrlich sustenta sua tese de que a Terra está chegando ao limite da sustentabilidade da vida humana, com frases de impacto, como “com menos gente no mundo, certamente a pobreza e a fome não teriam grassado e se tornado um fenômeno com as proporções de hoje”.

A Abep enviou carta ao diretor de Redação da Revista Veja, aprovada e assinada por 110 pesquisadores, mas a revista preferiu ignorar o repúdio dos especialistas e não divulgou o texto. Ao invés disso, publicou apenas os elogios de dois leitores que concordam com os conceitos do pesquisador. Nas previsões de Ehrlich, a Terra seria um lugar bom para viver com 2 bilhões de habitantes. “O equilíbrio natural seria assegurado se o mundo tivesse apenas 30% dos habitantes de hoje. De acordo com meu estudo, todas elas seriam bem alimentadas e educadas, viveriam em cidades vibrantes, teriam bons empregos e não mais ouviriam falar no desaparecimento da camada de ozônio”, enfatiza.

Para quebrar o ciclo catastrófico decorrente do excesso populacional, o pesquisador de Stanford afirma à Veja ser inevitável que os governos intervenham para limitar a venda de produtos cujo consumo excessivo ocasione prejuízos para o meio ambiente, como a gasolina e os derivados de petróleo. Defende ainda a necessidade de se promover uma mudança de hábitos de consumo para evitar o desperdício e manifesta sua crença em políticas de redução da fecundidade, mas admite já ter abandonado idéias como a cobrança de impostos sobre berços e fraldas e a esterilização (por lei) de indianos com mais de três filhos.

No Brasil, segundo Roberto do Carmo, professor do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/Unicamp), as taxas de crescimento populacional caíram significativamente, o que se deve principalmente ao fato da fecundidade – número médio de filhos por mulher em idade reprodutiva – ter reduzido de seis para dois filhos por mulher. “O Brasil já atingiu o nível de reposição da população, que é de 2,1 filhos. Com essa fecundidade, projeta-se o ‘crescimento zero’ da população brasileira para o ano de 2050”. Ele compartilha a opinião de vários cientistas de que o crescimento da população tende a se estabilizar ou mesmo diminuir em todo o mundo, a partir da metade deste século.

Leia mais:

Entrevista de Paul Ehrlich à Veja Carta da Abep à Revista Veja (edição 1942 de 08/02/2006)

Debate sobre rádios digitais a portas fechadas

Dois modelos de rádio digital, o norte-americano Iboc e o europeu DRM, estão em fase de testes no Brasil. Entretanto, a discussão ainda não foi aberta à comunidade e os impactos dessa nova tecnologia nas rádios pequenas e comunitárias são desconhecidos.

Os testes para implantação das rádios digitais já estão sendo realizados por algumas emissoras comerciais. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já concedeu licenças para emissoras comerciais testarem o padrão norte-americano, chamado de In Band On Chanel (Iboc). A Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB) também obteve autorização para verificar a viabilidade do modelo europeu Digital Radio Mondiale (DRM). Ambos são recomendados pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Nesse processo, dois aspectos têm provocado polêmica: a análise desse novo padrão tecnológico deveria ser aberta à comunidade, mas está reduzida à Anatel e a um pequeno grupo de radiodifusores; e os possíveis impactos dessa nova tecnologia, nas pequenas rádios comerciais e comunitárias, ainda não são conhecidos.

De acordo com Diogo Moysés, coordenador executivo do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o processo de digitalização da rádio tem sido muito pior do que foi o da TV digital, pois não houve, até o momento, qualquer possibilidade de participação da sociedade civil. Em sua opinião, não há a intenção de implantar um sistema brasileiro de rádio digital com a constituição de espaços onde a sociedade possa se expressar, como foi o caso do Comitê Consultivo da Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD).

Moysés defende a abertura do debate para que a população tenha consciência do impacto da transição do sistema analógico para o digital. Isso poderia acontecer através de seminários e audiências públicas, com a discussão do assunto em diferentes perspectivas: política, econômica, cultural e social. Evitando assim, “que a análise do novo padrão se reduza apenas a dimensão tecnológica, como tem sido feito pela TV aberta, desconsiderando, entre outros aspectos, a política industrial do país”, ressalta.

Flavia Lúcia Bazan Bespalhok, pesquisadora e professora de radiojornalismo da Universidade Estadual de Londrina (UEL), destaca ainda que nem os pesquisadores da área estão sendo chamados para a discussão sobre o melhor sistema a ser adotado. Ela expressa sua preocupação ao prever que o debate público poderá ser convocado quando as coisas já estiverem definidas.

Na notícia “O Sistema Transgênico Iboc” , publicada na Rede de Informações para o Terceiro setor, Claudia Abreu conta que várias entidades estão se mobilizando para questionar a implantação do sistema de rádio digital. No dia 22 de fevereiro, realizaram uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro com a participação de pesquisadores do setor, Ministério Público e Ministério das Comunicações. Essa foi uma tentativa de chamar a atenção para as conseqüências e impactos da adoção desse sistema e denunciar o atropelamento da decisão de adoção do padrão Iboc, mesmo que este ainda esteja sendo “testado”, como afirmou Ara Apkar Minassian, Superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Anatel. Eles denunciam a possibilidade de exclusão das pequenas rádios comerciais e das rádios comunitárias se sistema digital for adotado. Vale ressaltar que o padrão Iboc ainda não está regulamentado em seu país de origem.

Rozinaldo Antonio Miani, professor do Departamento de Comunicação da UEL, acredita que, pelo menos no estágio atual, a digitalização não terá impacto nas rádios comunitárias. Ele comenta que, no Paraná, as pessoas que trabalham nas comunitárias estão concentradas em outras pautas como, por exemplo, conseguir financiamento para garantir a sustentação financeira das rádios e viabilizar sua existência como um instrumento de comunicação das comunidades. “Isso mostra que quem trabalha com as rádios comunitárias ainda está preocupado com as questões internas”, destaca.

A Anatel considera que apenas o padrão Iboc e o DRM serão adotados no Brasil, pois atendem às necessidade do que a Agência considera melhor para o país. Afirma também que esses dois sistemas possibilitam o uso das infra-estruturas já existentes como a canalização de cabos, otimização das faixas de freqüência e possibilidade de redução de custos do receptor.

Leia mais:

Takashi Tome, no texto IBOC – Sistema de Radio Digital nos Estados Unidos, faz uma discussão ampliada sobre as características técnicas de cada um dos sistemas.

Medicamento para diminuir risco de parto prematuro causa efeito oposto

O medicamento metronizadole foi testado na Inglaterra em 900 gestantes e provocou parto precoce em 62% delas, o que levou os cientistas a interromperem o estudo antes do final. Ele é utilizado para tratar infecções femininas e no Brasil o uso está de acordo com os padrões da Anvisa.

Estudo realizado com 900 gestantes na Inglaterra foi interrompido antes do previsto. O antibiótico testado para diminuir a possibilidade de parto prematuro antecipou o nascimento dos bebês. De acordo com Marcelo Nomura, do departamento de Tocoginecologia da Unicamp, o metronizadol – como é vendido no Brasil – é muito utilizado e não e necessário alarde. Isso porque as mulheres que participaram do estudo tinham um perfil específico, ou seja, corriam risco de parto precoce e estavam entre a 24a e 27a semana de gestação.

A pesquisa da ONG britânica Tommy, que se dedica a recém-nascidos, tratou parte das pacientes com o metronizadole por uma semana e a outra com comprimidos de placebo. Enquanto no segundo grupo 39% deram a luz antes da hora, no primeiro o número de partos precoces foi de 62%, o que assustou os cientistas a ponto de interromperem a análise. Trata-se de um medicamento recomendado para tratar a vaginose bacteriana, que está presente em 20% das gestantes e pode levar a complicações na gravidez .

Venda no país

No Brasil, o Metronidazol é comercializado por laboratórios e na forma de genéricos. Nas bulas não há indicação terapêutica de que ele evita o parto prematuro, conforme os veículos de comunicação reproduziram na semana em que o estudo foi publicado.

Indicado para giardíase, amebíase, tricomoníase, vaginites e outras infeccções genitais femininas que podem prejudicar o ritmo da gravidez e antecipar o parto, o remédio pode ser considerado um mecanismo que evita o parto prematuro de forma indireta, por combater infecções vaginais que possam prejudicar o feto. Em algumas mulheres as vaginoses surgem e desaparem, por vezes, sem que a paciente note. Nas grávidas, porém, sem o tratamento os microrganismos no colo do útero podem penetrar na bolsa amniótica e rompê-la – principal fator de parto prematuro. A própria resposta do organismo à infecção também pode gerar partos precoces.

A Anvisa informou que a pesquisa inglesa, publicada no início do ano na revista especializada International Journal of Obstetrics and Gynaecology (vol. 113), não gera mudanças na orientação quanto ao uso do medicamento, uma vez que só é vendido com receita médica e na bula é informado que suas reações sobre o feto não são totalmente conhecidas.

Sem alarde Nomura, da Unicamp, reforça que o metronizadol é muito utilizado e as mulheres não precisam se preocupar, uma vez que a população do estudo incluía mulheres com risco de parto prematuro, com histórico de parto prematuro ou problemas no colo do útero e que apresentaram exame positivo de fibronectina fetal – proteína presente na placenta, que promove a implantação do óvulo fecundado no útero. Ao final da gestação, a fibronectina perde suas propriedades aderentes, permitindo o descolamento da placenta e das membranas amnióticas, que envolvem o feto. A presença dessa proteína na secreção vaginal é sinal de que o parto está prestes a acontecer, o que ajudou os especialistas da pesquisa inglesa a delimitarem a amostra. “O remédio continuará sendo utilizado, porque é eficaz. Do jeito que a imprensa divulgou, pode alarmar as consumidoras sem necessidade”, conclui.