Maior referência da botânica brasileira se moderniza em seu centenário

Cem anos após sua publicação, está disponível na internet o mais completo inventário botânico do Brasil. Um consórcio de instituições, encabeçado pelo Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), é responsável pela Flora Brasiliensis On-Line, versão eletrônica da obra do alemão Carl Friedrich von Martius.

Já havia desmatamento quando Von Martius conheceu o Brasil.

O inventário mais completo da flora brasileira foi feito… há 100 anos! Trata-se da Flora Brasiliensis, do médico e botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868), restrita a poucos por ser preciosa e rara. A partir de hoje qualquer pessoa poderá admirar as ilustrações da obra, com o lançamento da Flora Brasiliensis On-Line durante a 8a Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), em Curitiba. A obra em formato digital será o ponto de partida para uma atualização e ampliação do original. Os avanços resultantes no conhecimento sobre a taxonomia (classificação) das plantas brasileiras será essencial para o manejo da biodiversidade, como ressalta a Iniciativa Global de Taxonomia, um dos planos estratégicos da Convenção de Diversidade Biológica.

A versão digital da Flora Brasiliensis é resultado de um consórcio de instituições. As ilustrações foram digitalizadas com alta resolução no Jardim botânico de Missouri, Estados Unidos. O portal na internet é obra do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), em Campinas, com direção de Vanderlei Canhos. A equipe do Cria desenvolveu uma tecnologia que permite ampliar as imagens sem perder resolução, de forma que o internauta pode enxergar um nível de detalhe que nem os ilustradores viram quando fizeram os desenhos. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação Vitae e a Natura.

Von Martius chegou ao Brasil em 1817, como parte da comitiva austríaca que a companhava a arquiduquesa Leopoldina. Passou três anos no Brasil, ao longo dos quais percorreu 10 mil quilômetros passando pelas regiões Sudeste, Nordeste e Norte, e retornou à Alemanha com material para diversas obras sobre o Brasil. A Flora Brasiliensis consiste em 130 fascículos, dos quais o último foi publicado em 1906, após a morte do autor. São 22.767 espécies descritas, com ilustrações para 3811 delas. Estima-se que no Brasil existam cerca de 50 mil espécies de plantas, de forma que o catálogo mais abrangente que possuímos está longe de ser completo.

Roteiro percorrido por Von Martius entre 1817 e 1820.

Informações serão complementadas

A tecnologia de ampliação das imagens desenvolvida pelo Cria permitirá que as pranchas botânicas sejam utilizadas por especialistas, quase como se tivessem diante de si uma planta debaixo de uma lupa. Porém, o site recém lançado ainda não soluciona por completo a dificuldade de acesso às informações da obra de Von Martius porque contém somente as ilustrações, e não o texto escrito pelo especialista alemão. Vanderlei Canhos diz que os textos estão sendo digitalizados em Missouri e serão incorporados ao site, mas não serão traduzidos do latim. Segundo ele, são textos extremamente técnicos e úteis somente para botânicos, que lêem latim. No futuro, explicações dirigidas ao público leigo serão inseridas no site do Cria.

Arrabidaea inequalis, hoje Cuspidaria inequalis

Flora Brasiliensis On-Line servirá como ponto de partida para promover um 2019avanço no conhecimento sobre as plantas do Brasil. O próximo passo, coordenado pelo botânico George Shepherd, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é atualizar a nomenclatura utilizada por Von Martius, de acordo com o conhecimento atual, para a produção de um catálogo das plantas do Brasil. A botânica Lúcia Lohmann, da Universidade de São Paulo (USP), é responsável pela revisão das bignoniáceas, a família do ipê. De acordo com sua avaliação, das 357 espécies dessa família que constam da obra de Von Martius, somente 40% permanecerão inalteradas. A botânica da USP coordena também um grupo de pesquisadores internacionais com o intuito de recolher todo o conhecimento disponível sobre a flora brasileira, que poderá ser adicionado ao site do Cria. “Uma coisa interessante deste projeto é o fato dele ser dinâmico. Isto é, o objetivo não é só colocar a obra on-line, mas servir de ponto de partida para realmente revisar a Flora do Brasil. É a base para a taxonomia do futuro!”, comemora.

A iniciativa representada pela Flora Brasiliensis On-Line é pioneira. Não há ainda outros projetos do mesmo tipo em andamento, mas Canhos acredita que as inovações que permitem tão alta qualidade de imagem serão sem dúvida úteis para disponibilizar outras obras científicas para o público.

Brasileiros e alemães discutem mobilidade entre universidades

O que acontece quando o diploma de uma instituição quase milenar vale o mesmo que o de uma instituição recente e sem tradição em pesquisa? Esse foi um dos questionamentos que permearam o seminário Políticas de Reforma e Internacionalização do Ensino Superior, promovido pela Capes e pelo Daad, serviço alemão de intercâmbio acadêmico.

O que acontece quando o diploma de uma instituição quase milenar vale o mesmo que o de uma instituição recente e sem tradição em pesquisa? Esse foi um dos questionamentos que permearam o seminário Políticas de Reforma e Internacionalização do Ensino Superior, promovido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) e o Deutscher Akademisches Austauschdienst (Daad), serviço alemão de intercâmbio acadêmico, no dia sete de março.

A pergunta, levantada pelo diretor da Capes, Renato Janine, tem, segundo ele, só uma resposta. “Quem vai contratar o formado se protege. Olha onde ele estudou e dá preferência ao diploma de uma universidade mais reconhecida”, pondera. Essa seletividade entra em contradição com as intenções da Declaração de Bolonha, tratado firmado pelos ministros de educação europeus em 1999, visando a reestruturação das universidades européias através de um modelo comum, que facilite a mobilidade de pesquisadores e alunos.

A chamada Declaração de Bolonha é uma resposta às transformações, sobretudo políticas e econômicas, que o mundo vive desde o fim dos anos 80. “O fim da Cortina de Ferro, a liberalização econômica, a globalização em todos seus aspectos e a unificação européia colocaram a internacionalização também na ordem do dia das universidades”, diz o assessor de Marketing da Daad, Márcio Weichert.

O documento já foi ratificado por 45 países, inclusive não-europeus, e propõe a adoção de um sistema de créditos, que serão reconhecidos em todos os países participantes, a introdução de um suplemento ao diploma e um modelo curricular com duração de cinco anos. É um sistema de 3+2+3: três anos para a graduação, dois anos para o mestrado e três para o doutorado. Salvo algumas exceções, como o curso de medicina, que terá o período de graduação estendido.

O modelo, entretanto, vem sofrendo críticas de reitores de vários países europeus. Na Grécia, por exemplo, o Conselho de Reitores manifesta, desde novembro de 2000, o seu desagrado face aos pressupostos de Bolonha. A academia alemã também considera importante algumas adaptações no decorrer do processo. “Estamos em fase de discussão sobre a implantação de sistemas de avaliação e garantia da qualidade de nossas instituições”, observa Weichert.

As universidades alemãs são, na sua grande maioria, públicas. O sistema está em processo de mudanças e algumas universidades, que anteriormente só cobravam uma taxa administrativa semestral em torno de 150 euros, passaram a cobrar até 550 euros por semestre. Por outro lado, as universidades alemãs e européias em geral querem se tornar mais atraentes para estudantes e docentes estrangeiros, e adaptar-se ao Tratado de Bolonha faz parte deste processo.

Hoje, na Alemanha, 35% dos estudantes com o terceiro ano universitário completo já passaram por alguma experiência de educação no exterior, como por um semestre em outra universidade, ou mesmo um intercâmbio lingüístico. “A multiculturalidade contribui para a formação de todos os colegas. Daí a introdução na Alemanha, por exemplo, de cursos de bacharelado e mestrado ministrados em inglês, facilitando os estudos de estrangeiros no país”, explica Weichert.

A equivalência de diplomas entre as universidades, prevista na Declaração de Bolonha e questionada no evento promovido pela Capes, não é o único ponto polêmico. Durante o seminário no Brasil, outro ponto consensual de desacordo ao modelo de Bolonha, apontado tanto por Janine, quanto pelo secretario geral do DAAD, Christian Bode, é o período de doutoramento. Apesar de o doutorado na Alemanha ser, tipicamente mais curto do que no Brasil (dois anos), o título tem muito valor no país. Para Bode, Bolonha se aplica ao ensino superior nos níveis de graduação e mestrado, mas não ao doutorado, que seria o primeiro ciclo da pesquisa e não o terceiro ciclo do ensino superior.

“A idéia de que o doutoramento não esteja subordinado aos três anos de Bolonha converge com nossas convicções”, afirma Janine. Para ele, três anos podem ser insuficientes para a obtenção do título. “Três anos são um período exíguo para um bom doutorado. Não que ele seja impossível, mas será exceção”, afirma.

Segundo Janine o importante na intenção de Bolonha é estabelecer uma plataforma para maior mobilidade de alunos e pesquisadores, mas a realidade não corresponderia a esse propósito, porque para se ter o reconhecimento dos créditos e títulos seria necessária uma avaliação comum. “Se ela não existir, como uma universidade alemã irá – na prática, e não na teoria – reconhecer um título de uma instituição desconhecida de um país desconhecido?”, questiona.

Apesar das dúvidas que o novo modelo suscita, o ponto comum da discussão é que a internacionalização da educação é inevitável e altamente positiva. “Hoje, a criação do conhecimento significa, em larga medida, quebrar fronteiras”, avalia Janine. Segundo o diretor, a discussão e possível aplicação da Declaração de Bolonha é importante para o Brasil na medida em que cresce a necessidade de dialogar com os melhores do estrangeiro e de nos fazer ouvir por eles. “Para isso não bastam iniciativas individuais ou segmentadas. É preciso fortalecer a interlocução no país, inclusive em certos casos transbordando as áreas, para que assim se consiga a melhor relação com o exterior”, conclui.

Novas variedades de cana melhoram produção de açúcar e álcool

O programa de Melhoramento Genético de Cana de Açúcar, desenvolvido pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos, lançou no dia 20 de março quatro novas espécies de cana-de-açúcar ricas em sacarose e que beneficiam a produção de álcool.

O programa de Melhoramento Genético de Cana de Açúcar, desenvolvido pelo Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), lançou no dia 20 de março quatro novas espécies de cana-de-açúcar da variedade RB (República do Brasil). As variedades destacam-se pelo alto teor de sacarose, entre outras características que beneficiam a produção de álcool.

O desenvolvimento de novas variedades é, segundo Marcos Vieira, coordenador do projeto, fundamental para dar sustentação à produção de açúcar e álcool, pois é pelas novas características obtidas na matéria prima que o sistema produtivo mantém-se competitivo. “Sem o desenvolvimento de novas variedades, com o tempo, a cana é infectada por alguma doença ou praga e definha, sem manter a produtividade”, explica.

A pesquisa foi apoiada pela Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), que integra além da Ufscar, outras seis universidades federais, e por 130 empresas do setor conveniadas. Desde a sua constituição, a Ridesa disponibilizou 61 variedades de cana-de-açúcar RB, sendo que a UFSCar lançou 15 delas, além das quatro novas. Atualmente, 63% da área canavieira do Brasil é cultivada com variedades RB.

As quatro novas variedades demoraram dez anos para serem desenvolvidas. Dentre as principais características, a RB 925211 destaca-se pela maturação precoce com alto teor de sacarose, alta produtividade e resistência às principais doenças da cana-de-açúcar, como a mosaico de cana, carvão e ferrugem. Já a RB 925268 se destaca como material promissor para colheita mecanizada, porque tem canas eretas e sem florescimento. A variedade RB 925345 apresenta alto teor de sacarose, alta produtividade, alto teor de fibra para início da safra, além de um desenvolvimento rápido. E a RB 935744 tem maturação tardia e destaca-se como material de altíssima produção agrícola e ausência de florescimento.

Vieira explica que as variedades foram desenvolvidas a partir do sistema de hibridação natural, através de cruzamentos planejados de três tipos: “nos Biparentais, são conhecidos os genitores femininos e masculinos; na Polinização Múltipla Especial, são conhecidos os genitores femininos e seleciona-se 5 a 7 masculinos; e finalmente, na Polinização Livre, só se conhece os genitores femininos”, explica. “Cada semente produzida representa potencialmente uma nova variedade de cana-de-açúcar”, completa.

A novidade já está sendo cultivada comercialmente, o que, segundo Vieira, reflete a expectativa das empresas quanto aos benefícios das novas variedades. “São incalculáveis, pois o Brasil produz 400 milhões de toneladas de cana por ano, sendo o primeiro produtor mundial”, afirma. O peso dos números não para por aí, pois a cultura da cana-de-açúcar abrange aproximadamente 6 milhões de hectares no Brasil e o setor contribui com um milhão de empregos diretos e 2,6 milhões indiretos. O agronegócio sulcroalcooleiro, que envolve basicamente a utilização da cana-de-açúcar para a produção de açúcar e álcool, movimenta, somente no estado de São Paulo, algo em torno de R$ 20 bilhões, representando 35% do PIB agrícola paulista e 8% do PIB nacional.

A produção do álcool combustível figura como principal alternativa brasileira para os derivados de petróleo. E mesmo com os 16 bilhões de litros de álcool produzidos ao ano, o período é de aumento no preço do combustível, que já acumula alta de 23,5% no ano. De acordo com levantamento de preços da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o valor médio do litro subiu 5,42% somente na última semana.