Banco Mundial é acusado de desonestidade e má conduta no combate à malária

Cientistas de vários países acusam o Banco Mundial de não cumprir a promessa de aumentar os fundos para o controle da Malária na África, divulgar falsas estatísticas epidemiológicas e aprovar tratamentos clinicamente obsoletos. A denuncia foi publicado na revista The Lancet, no último dia 25 de abril – Dia da Malária na África. Na mesma edição, o Banco respondeu às acusações feitas.

“Nos últimos cinco anos, o Banco Mundial (BM) tem falhado em manter sua promessa de aumentar os fundos para o controle da malária na África; tem clamado o sucesso de seus programas contra a doença através da divulgação de falsas estatísticas epidemiológicas; e tem aprovado tratamentos clinicamente obsoletos para uma forma potencialmente letal da malária”. A acusação, feita por cientistas do Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e África, foi publicada na edição online da revista inglesa The Lancet, no último dia 25 de abril – Dia da Malária na África.

Em 2000, o BM havia prometido disponibilizar, na forma de empréstimos, de US$ 300 a US$ 500 milhões para os países africanos, no combate à malária. Mas em 2005 informou ter destinado entre US$ 100 e US$ 150 milhões, mais fundos “difíceis de quantificar”, em todo o mundo. “Ninguém sabe quanto dinheiro o Banco de fato gastou, mas mesmo que tivesse despendido cada dólar alocado, o total ainda seria muito menor que os US$ 300-500 milhões prometidos para a África sozinha”, afirmam os pesquisadores, liderados pelo professor Amir Attaran, da Universidade de Ottawa (Canadá).

O Banco teria diminuído de 46 para cerca de 25 os países atendidos por seu programa antimalária, além de ter cortado de sete (1998) para zero (2002) o número de funcionários envolvidos com a doença. “Nós não sabemos o que está por trás da redução da equipe da malária do Banco, nem se isto é explicado por descaso administrativo ou se há intenção de quebrar a promessa de fundos para a África. De qualquer forma, os recursos sumiram enquanto os casos de malária na África cresceram fortemente, destruindo a vida de milhões de crianças e piorando a pobreza que o Banco prometera aliviar”, escrevem.

A malária afeta mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo, matando mais de um milhão por ano – principalmente crianças africanas. Em 1998, o BM, a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Fundo Global das Nações Unidas e outros parceiros lançaram um programa (Roll Back Malaria) para reduzir pela metade o número de óbitos causados pela doença até 2010. Ao invés disso, esse número tem aumentado de 25% a 50%, dependendo da região. A OMS estima que 3.000 crianças morram de malária por ano.

As denuncias dos cientistas vão além da desonestidade do Banco na alocação de recursos para o programa de combate à malária. Segundo eles, as espécies letais do parasita da malária desenvolveram resistência à cloroquina e os pacientes tratados com a droga freqüentemente evoluem para um quadro clínico mais severo ou morrem. Estudos epidemiológicos mostram que a crescente resistência à cloroquina está associada a um aumento de duas a 11 vezes as mortes por malária, particularmente em crianças. Em desacordo com as recomendações da OMS, o Banco estaria aprovando a compra de cloroquina em seus projetos, mesmo sabendo que seria usada para tratar parasitas resistentes à droga, em diversos casos.

“Depois de descobrir esses problemas sérios e por vezes fatais, nós contatamos o Banco Mundial… Nosso desejo era resolver os problemas cooperativamente, sem perda de tempo. O Banco recusou nos encontrar”, lamentam os pesquisadores. Eles sugerem que o BM dê mais transparência a sua política de informações, economizando dinheiro e vidas e que destine US$ 1 bilhão para entidades mais competentes, que têm conhecimento técnico sobre a malária, como o Fundo Global para a Aids, Tuberculose e Malária (GFATM). Propõem ainda que a instituição corte sua unidade de Saúde, Nutrição e População, na qual estão incluídos programas como o da malária e da AIDS – todos falhos, na opinião dos cientistas.

Resposta

Na mesma edição, a revista The Lancet cedeu espaço para a argumentação do Banco Mundial. Em nome do organismo, Jean-Louis Sarbib e mais dois representantes responderam a cada tópico das denúncias feitas.

“Acusações sobre a camuflagem de dados financeiros são falsas… Não é fácil, e às vezes nem mesmo possível, saber exatamente quanto dinheiro de um doador específico foi para uma atividade específica… Estamos nos esforçando para rastrear a alocação e os gastos nas operações específicas de malária”, escrevem. Os representantes afirmam que, para o período fiscal 2006-2008, mais de US$ 500 milhões já estão sendo negociados e aprovados pelo Banco, ou são novos recursos a serem comprometidos para o controle da malária na África e sul da Ásia.

Quanto aos medicamentos, argumentam que “de acordo com a OMS, Plasmodium vivax é a segunda principal espécie causadora da malária em seres humanos – representa 40% dos casos da doença em todo o mundo… Geralmente, a cloroquina ainda é um tratamento efetivo para o P vivax”.

O BM informa que atualmente possui 13 equipes desenvolvendo projetos relacionados à malária, em 13 países da África (alguns desses projetos focam a doença em particular, enquanto outros fazem parte de programas mais amplos de saúde). Além disso, também estaria trabalhando em estreita cooperação com o Fundo Global para a Aids, Tuberculose e Malária (GFATM), conforme sugerido pelo time de Amir Attaran.

Os representantes do BM admitem que, entre 1998 e 2005, “os esforços totais do Banco foram insuficientes em termos de equipes e recursos”, mas reforçam o compromisso da instituição financeira em prover recursos e suporte que contribuam para o progresso significativo do controle da malária.

Brasil

Os cientistas citam o Brasil e a Índia como exemplos que o BM chama de “casos de sucesso”, mas que são manipulados. De acordo com o Banco, seu projeto de controle da malária no Brasil diminuiu em 60% o número de casos da doença, passando de 557.787 em 1989 para 221.600 em 1996. Mas para os pesquisadores essa queda não é confirmada por outras fontes de dados, como o governo brasileiro e a Roll Back Malaria Partnership. Mais grave, as estatísticas do próprio BM não indicam nenhuma redução nos casos confirmados entre 1989 e 1995, sendo esta queda abrupta de 60% registrada no último ano (1996).

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Quilombolas se fortalecem com nova lei de regulamentação

As comunidades remanescentes de quilombos ganharam força com a mudança constitucional no processo de regulamentação de suas terras, sancionada em 2003. Os resultados da nova lei começaram a ser vistos no ano passado, quando mais de 250 processos de legitimação de terras foram abertos, o maior número de toda a história nacional. Apoiados na nova conjuntura política, eles reivindicam a devolução de suas terras e o fim de monoculturas que desgastam o meio ambiente em que vivem.

As comunidades remanescentes de quilombos ganharam força com a mudança constitucional no processo de regulamentação de suas terras, sancionada em 2003. Os resultados da nova lei começaram a ser vistos no ano passado, quando mais de 250 processos de legitimação de terras foram abertos, o maior número de toda a história nacional. Um pequeno passo, entretanto, diante das mais de 2 mil comunidades estimadas – muitas ainda desconhecidas – existentes no país, que resistem às perdas crescentes de seus territórios.

Apoiados na nova conjuntura política, eles reivindicam a devolução de suas terras e o fim de monoculturas que desgastam o meio ambiente em que vivem. No Espírito Santo, os quilombolas exigem o direito a cerca de 50 mil hectares, ocupados por empresas como a Aracruz Celulose, com plantios de eucalipto, a Destilaria Itaúnas S/A (Disa) e a Alcon, com cultivos de cana-de-açúcar. Quase 85% do território do norte do estado está coberto por monoculturas de eucalipto e, em menores proporções, de cana. As comunidades acusam a Aracruz, a maior empresa de celulose do mundo e responsável pela movimentação econômica do estado, de maus tratos, perseguição, e protestam contra as ações movidas pela empresa contra elas.

Uma pesquisa solicitada pelo Incra à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) mostra que os negros que viviam nas áreas do antigo Território de Sapê do Norte, ES, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, foram forçados a sair região. De acordo com o estudo, cerca 1,2 mil famílias atualmente resistem entre os eucaliptais, de onde se extrai a celulose, canaviais e pastos da região. Um numero dez vezes menor que na década de 70, época em que a Aracruz Celulose se instalou na região. “Mas, por serem cerca de 1.200 famílias organizadas e conscientes, a mobilização desses grupos está conseguindo avanços”, aponta o antropólogo e historiador José Maurício Arruti.

Um grande avanço que está para acontecer é em Conceição da Barra, onde tramita um projeto de lei que proíbe o cultivo do eucalipto em 20% dos arredores dos quilombolas. Lá, 76% do território é ocupado pelo eucalipto e 15% pela cana. “Se conseguirmos essa diminuição, ainda que pequena, seria muito bom. Existem pessoas que têm eucalipto plantado praticamente dentro de casa”, diz Kátia Santos Penha, 25, membro da Comissão Quilombola (criada em 2005 com o objetivo de integrar as comunidades da região). Ela conta que, no momento, cinco comunidades estão em processo de regulamentação na região. “A nossa maior conquista é a luta. É chegar em uma comunidade e ouvir as pessoas dizerem ’eu sou quilombola’, ’eu vou lutar pela terra que foi do meu pai, do meu avô’. Cada território regulamentado é uma grande conquista, porque fortalece mais ainda as comunidades”.

Assim como seus pais e avós, Kátia nasceu e cresceu na comunidade quilombola de Vila Espírito Santo, no município de São Mateus. Segundo ela, atualmente 15 quilombolas estão sofrendo alguma ação judicial ou já foram processadas pela Aracruz. “Eles (a Aracruz) se dizem bons vizinhos, mas nós não temos essa integração com eles. Somos perseguidos a todo momento”, afirma.

Alacir Bernadete Denadai, técnica da ONG Fase, que assessora os movimentos quilombolas, comenta que, no Espírito Santo, 32 comunidades vivem oprimidas pela Aracruz e a monocultura do eucalipto, isoladas de qualquer apoio governamental. “Eles vivem em pequenos fragmentos da terra, uma terra que não produz mais nada. A muitas famílias, o que resta é recolher os resíduos do eucalipto para fabricar o carvão. Aqui ainda acontecem coisas absurdas”.

Em nota oficial, enviada por e-mail à reportagem da ComCiência, a Aracruz argumenta que até o presente não há um diagnóstico consolidado nem comprovação científica sobre a ocupação de territórios quilombolas. A empresa teria adquirido as terras diretamente dos seus “legítimos proprietários ou possuidores, segundo documentação idônea comprobatória da cadeia fundiária”. A empresa de celulose ressalta que “respeita as comunidades remanescentes dos quilombos, reconhecidas como uma de suas partes interessadas” e menciona uma série de programas sociais em andamento.

Regulamentações

Desde 1988, o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (que determina que o Estado deve emitir o título das terras ocupadas pelos remanescentes de quilombos) assegura os títulos de posse às comunidades oriundas de antigos quilombos (formados por escravos fugidos) que ocupam essas terras desde a abolição da escravidão. Mas até o decreto de 2003, o artigo abria brechas para contestações porque não determinava um procedimento padrão.

Arruti conta que em 2001, o então presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto para corrigir as falhas no artigo.Em sua opinião “um decreto retrógrado ao extremo, que inviabilizava a regulamentação dessas comunidades”. No texto de FHC, as famílias dessas comunidades deveriam comprovar descendência linear e a posse da terra por mais de 100 anos, o que impossibilitou a abertura de qualquer processo. Em 2003, o Presidente Lula regulamentou o decreto e extinguiu a necessidade de registros em cartórios ou laudos antropológicos sobre a linhagem da população pertencente àquela terra.

O processo, agora, se inicia com uma declaração da própria comunidade de que eles são remanescentes de quilombos. Com isso, essas comunidades conquistaram representatividade e sua palavra não está mais submetida ao “crivo da Ciência”. O conhecimento científico no processo passou a ser solicitado apenas na segunda fase do processo, quando é feito um relatório técnico de delimitação e demarcação da terra.

Esse relatório, antes responsabilidade da Fundação Cultural Palmares, passou a ser elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a colaboração de antropólogos. “O antropólogo é importante nesse estágio do processo para argumentar sobre a natureza cultural terra”, defende Arruti. Depois de pronto, o relatório é publicado no Diário Oficial e passa por um período de contestação de 90 dias. Se ninguém protestar, as terras são tituladas e indenizadas.

Arruti argumenta ainda que o novo procedimento favoreceu os quilombolas porque a maioria deles não possui, nem nunca possuiu, o título da terra, nem acesso à documentação. “Se isso for adiante, será uma das maiores conquistas nessa área no Brasil”.

IBGE homenageia geógrafo que estabeleceu divisão do país em regiões

Publicação do IBGE traz textos de um de seus fundadores, o geógrafo Fábio de Macedo Soares Guimarães. A seleção inclui o artigo que estabeleceu a divisão regional do Brasil, assim como o estudo sobre a mudança da capital do país para o Planalto Central.

 

Painel produzido pelo IBGE

A divisão do Brasil em cinco regiões e a localização da capital federal são aspectos tão estabelecidos da nossa realidade que muitos não sabem – ou esqueceram – de que não foi sempre assim. É o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) busca remediar com a publicação do volume 7 dos “Documentos para Disseminação – Memória Institucional”, que reúne os textos mais importantes de Fábio de Macedo Soares Guimarães, um dos pioneiros do Instituto.

O volume foi lançado no último dia 24, por ocasião do seminário em homenagem aos 100 anos do nascimento de Dr. Fábio, como é conhecido entre os geógrafos. Parte das comemorações dos 70 anos do IBGE, o evento reuniu depoimentos de familiares e pesquisadores. Cláudio Egler, coordenador de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que Guimarães foi uma das pessoas que construíram o pensamento nacional em geografia, com implicações para o planejamento nacional. O geógrafo citou, como textos fundamentais na área, aqueles que tratam justamente da divisão regional do Brasil e da localização da capital federal.

A geografia no Brasil

De acordo com João Rua, geógrafo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Guimarães “era um difusor da geografia no Rio de Janeiro”, através de iniciativas em formar parcerias e fundar unidades onde se praticasse a geografia. Uma delas foi o Conselho Nacional de Geografia (CNG), que ao ser incorporado pelo Conselho Nacional de Estatística daria origem ao IBGE, em 1938.

Além disso, sua carreira no ensino superior incluiu a chefia do Departamento de Geografia da PUC, que ajudou a solidificar e no qual estimulou o desenvolvimento da pesquisa.

As regiões do Brasil

O artigo “Divisão regional do Brasil”, publicado pela Revista Brasileira de Geografia em 1941, é considerado um trabalho seminal na geografia deste país. Segundo Egler, o texto é hoje em dia lido por estudantes de graduação da UFRJ como texto introdutório essencial. O artigo marcou época não somente por sua contribuição intelectual mas também prática, já que no ano seguinte a divisão foi adotada pelo governo.

A divisão foi baseada em zonas fisiográficas para planejamento do uso do solo, conceito ainda usado hoje para regulamentar a ocupação dos diversos biomas brasileiros. Apesar de dar importância às relações entre sociedade e natureza, Guimarães defende em seu artigo que as “’regiões naturais’, de acordo sobretudo com os fatos da geografia física”, devem ser usadas para definir as grandes regiões do país. O geógrafo acreditava que as “regiões humanas”, que incluem aspectos econômicos, são demasiado instáveis, de forma que uma divisão que se baseasse nela poderia tornar-se obsoleta com o passar do tempo.

Capital federal

Publicado em 1949 também na Revista Brasileira de Geografia, “O Planalto Central e o problema da mudança da capital do Brasil” relata um dos primeiros estudos detalhados desta região do país, na época quase completamente desabitada. Egler ressalta que problemas apontados no artigo, como a questão da escassez de água, revelaram-se de fato importantes.

Oito áreas foram analisadas, afim de determinar a melhor localização para a capital. O documento resultante foi imediatamente entregue ao Congresso Nacional, para servir de base para as discussões.

Além desses dois artigos fundamentais, o volume editado pelo IBGE inclui outros cinco textos daquele que, segundo Cláudio Egler, “como geógrafo, era um visionário”.