Trabalhadores rurais ficam de fora no debate dos agrotóxicos

O levantamento da Anvisa sobre os resíduos agrotóxicos encontrados em culturas agrícolas recebeu grande espaço na mídia. Em geral, os veículos enfocaram os prejuízos ao consumidor, mas pouco se falou sobre o que os resultados representam para os trabalhadores rurais.

Levantamento divulgado em abril pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), referente aos índices de resíduos agrotóxicos encontrados em 9 culturas agrícolas, recebeu grande espaço na mídia. Em geral, os veículos enfocaram os prejuízos ao consumidor, mas pouco se falou sobre o que os resultados representam para os trabalhadores rurais – parcela da sociedade diretamente ligada ao uso desse tipo de substância.

Os dados, obtidos pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), mostram que 17,28% das amostras analisadas em 2007 apresentavam quantidades de resíduos acima do limite permitido pela lei, ou indicavam uso de agrotóxicos não autorizados para as culturas em questão. O tomate, o morango e a alface foram os alimentos com maior número de amostras irregulares: 44,72% do tomate, 43,62% do morango e 40% da alface estavam contaminados.

O objetivo do levantamento feito pela Anvisa não é somente assegurar a saúde do consumidor. O gerente geral de toxicologia da Agência, Luiz Cláudio Meirelles, destaca que esboçar o perfil da contaminação dos alimentos é importante também para elaborar ações de boas práticas agrícolas e garantir a saúde do trabalhador rural.

Isso porque algumas das substâncias encontradas nas amostras analisadas são proibidas, não porque representam riscos para o consumidor, mas porque são perigosas para quem aplica o produto. É o caso do monocrotofós, substância encontrada no tomate. Desde 2006, o uso desse ingrediente é proibido em qualquer cultura, devido à alta toxidade para o aplicador, conforme dispõe a minuta do relatório da Anvisa.

Há também situações em que o uso do agrotóxico é vetado apenas para algumas culturas. O metamidofós, detectado na amostra de tomate, por exemplo, estava dentro dos limites estabelecidos pela lei. Entretanto, ele foi encontrado no tomate envarado (consumido “in natura”), cultura em que a aplicação é proibida, por ser feita com equipamento de bombeamento manual, que expõe o aplicador à substância e, conseqüentemente, ao risco de intoxicação. A utilização do metamidofós é autorizada apenas no tomate de plantio rasteiro (industrial), que permite aplicação por via aérea, trator ou pivô central.

Boas práticas agrícolas

O alto índice de amostras insatisfatórias tem como principal causa a não observância das boas práticas agrícolas. O pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas, Hamiltom Humberto Ramos, explica que qualquer que seja o agrotóxico ou o seu modo de ação na planta, o agricultor deve observar duas informações: se ele é mesmo recomendado para a cultura em que será utilizado, e se a previsão de tempo esperada entre a aplicação e a colheita está dentro do período de carência. “Ambas informações podem ser encontradas nos rótulos e bulas dos produtos. Se elas forem observadas, os alimentos colocados à disposição do consumidor não apresentarão limites de resíduos acima do máximo permitido, nem substâncias proibidos para a cultura”, conclui.

Segundo Meirelles, o levantamento feito pela Anvisa é encaminhado para o Ministério de Agricultura e Pecuária (Mapa), que se responsabiliza por tomar as medidas necessárias para atacar o problema na origem: no campo. Entre as ações planejadas pelo Mapa estão campanhas de educação voltadas para os agricultores, já que a desinformação é considerada a raiz de muitas das irregularidades encontradas nas amostras.

Saúde do consumidor

Pesquisadores ressaltam que os dados divulgados pela Anvisa não são suficientes para se mensurar os riscos para a saúde dos consumidores. Para Silvia Tfouni e Regina Furlani, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), não há como opinar sobre o assunto, porque os níveis de agrotóxicos encontrados pela Anvisa não foram publicados. “Entretanto, podemos dizer que o benefício de se ter uma dieta saudável, rica em frutas, legumes e hortaliças, é maior que os riscos que possam existir pela presença de agrotóxicos nos alimentos, como demonstra diversas pesquisas na área”.

O médico e toxicologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Sérgio Graff, também destaca que restringir o consumo de algum dos alimentos analisados, e recomendar qualquer mudança dos hábitos alimentares da sociedade, requer outras informações além das oferecidas pela Anvisa, como locais em que as amostras insatisfatórias foram coletadas e os níveis detectados de agrotóxicos.

Desde que o Programa foi criado, em 2001, a Anvisa também realiza e publica um levantamento por estado. Meirelles explica que este ano foi diferente, porque as vigilâncias sanitárias estaduais se responsabilizaram por divulgar os dados regionais, simultaneamente à divulgação dos dados nacionais pela Anvisa. Entretanto, muitos estados ainda não levaram as informações ao conhecimento do público.

Os níveis de agrotóxicos encontrados nos alimentos também são divulgados anualmente. Mas, devido a atrasos nas análises, a Anvisa optou por publicar os resultados parciais, até que os completos fiquem prontos. Meirelles diz que a expectativa é de que até maio o relatório detalhado – discriminado substância, níveis de resíduos detectados e laboratório que realizou a análise – seja divulgado.

Leia mais:

Divulgado resultado do monitoramento de agrotóxicos em alimentos

Nota técnica para divulgação dos resultados do Para em 2007

Pesquisadores ou biopiratas?

Nos últimos meses, pesquisadores foram acusados de biopirataria no curso de seu trabalho. A comunidade científica se queixa da rigidez da legislação, que impediria o avanço do conhecimento acerca da biodiversidade brasileira.

Acusações de biopirataria são cada vez mais freqüentes, através de representantes da biodiversidade brasileira flagrados em pacotes enviados ao exterior. A opinião pública reage com fúria, afinal há exemplos de produtos nossos patenteados no exterior, como foi o caso do cupuaçu em 2000. Protestos menos noticiados são os dos pesquisadores, que alegam que a Lei dos Crimes Ambientais (nº 9605/98) impõe enormes entraves à produção científica do Brasil.

Entre os casos recentes está o do pesquisador Carlos Jared, do Instituto Butantan em São Paulo. Em abril deste ano ele enviou a um colaborador alemão um pacote com 13 onicóforos, parentes distantes e pouco conhecidos das minhocas. Como conseqüência, o pesquisador foi multado e está sob investigação pela Polícia Federal pelo crime de biopirataria. O caso suscita uma discussão importante. A infração de Jared é real, pois ele não obteve a documentação necessária para o envio de material biológico. Mas o caso dele é comparável aos que enviam centenas de borboletas ou madeira-de-lei extraída ilegalmente da Amazônia, por exemplo?

Pesquisadores como Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e Miguel Trefaut Rodrigues, da Universidade de São Paulo (USP), acreditam que não. E declaram que aqueles que fazem tráfico ilegal de produtos vegetais e animais em grande escala não são detidos pelo Ibama ou pela Polícia Federal. Os prejudicados são os cientistas, que trabalham em prol da preservação da natureza, não de sua extinção. Haddad enfatiza que os penalizados são os pesquisadores mais ativos, incluindo aí o próprio Jared, que recentemente publicou um artigo na revista científica Nature em colaboração com o mesmo alemão que receberia os onicóforos (veja notícia na ComCiência).

Uma das dificuldades que os biólogos enfrentam no cotidiano de seu trabalho é esbarrar com o fato de só ser permito coletar espécies que não estejam ameaçadas. Segundo o especialista em anfíbios Célio Haddad, para identificar corretamente um sapo é necessário sacrificar o animal, examiná-lo no laboratório e só então checar a qual espécie pertence. Em muitos casos, conta, espécies ameaçadas só são reconhecidas como tal após medições e comparações com espécimes de museu. Para evitar as sanções da lei o pesquisador teria que se desfazer do espécime, em vez de estudá-lo. Além disso, de acordo com Haddad as leis que regulamentam coleta e trânsito de material biológico são tantas que ninguém sabe ao certo como fazer seu trabalho de forma legal. O resultado é, diz ele, que a maior parte dos biólogos comete crimes – seja porque a legislação é intransponível, ou porque os profissionais desconhecem aspectos do regulamento.

Miguel Trefaut Rodrigues concorda que Jared errou ao enviar os espécimes sem obter a devida licença. No entanto, ele ressalta que a troca de material biológico é extremamente comum em colaborações internacionais, e muitas vezes resulta em publicações conjuntas com maior abrangência do que se fossem realizadas por um único pesquisador. “A lei recente foi bolada por meia dúzia de pessoas sem conhecimento de biologia, e impôs um freio ao desenvolvimento científico e tecnológico do país”, lamenta Rodrigues. O biólogo exemplifica com sua demora de um mês em obter licença para mandar material para uma aluna que fazia pesquisa fora do país, e de seis meses para outra aluna conseguir autorização de levar material para seu próprio pós-doutorado no exterior. No caso de Jared, Rodrigues afirma que com esse atraso o material se teria estragado e o colaborador na Alemanha talvez não tivesse a disponibilidade para realizar o trabalho. Por regulamento do Butantan, somente a assessoria de imprensa do instituto pode manifestar-se sobre o caso. Seu argumento é de que houve um erro de natureza burocrática, não um crime ambiental.

Segundo o pesquisador da USP, a fase atual é maravilhosa para o avanço científico e tecnológico no Brasil em termos de recursos financeiros. “Mas tudo depende do estudo da diversidade biológica”. Para ele, a Lei dos Crimes Ambientais “não presta para nada, não vigia 99% das coisas”. Isso ocorre porque, apesar de recomendação do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) não incorporou sugestões feitas por pesquisadores. “No estrangeiro aqueles que estão na vanguarda do conhecimento são ouvidos”, compara.

O especialista em direito ambiental Hélcio Gil Santana afirma que numa democracia os cidadãos têm voz para influir no poder decisório. “O que deve ser levado ao Legislativo é o conhecimento da licitude, importância, legitimidade e nobreza da pesquisa científica realizada dentro da pesquisa tradicional, secular, que nada tem de ‘biopirataria’”, afirma. Santana lembra que durante a Idade Média, cientistas e estudiosos foram perseguidos e mal-compreendidos, o que os levou para as fogueiras e, conseqüentemente, ao “atraso em séculos no desenvolvimento da Humanidade”. “Hoje, é o nosso papel não deixarmos que a ignorância ou o desconhecimento continuem a prevalecer e as fogueiras de outrora sejam substituídas por legislação e atitudes governamentais draconianas, que transformarão em trevas o desenvolvimento científico nacional”. Rodrigues diz que não se trata de biopirataria: o problema é “biomesquinharia, bioparanóia e bioincompetência”.

Leia mais:

  • Biopiratas, criminosos ambientais e pesquisadores: ‘farinha do mesmo saco’?, artigo de Alexandre Aleixo no Jornal da Ciência e-mail
  • Crítica à proposta de regulamentação do Ibama sobre coleta e conservação de material biológico, artigo de Hélcio Gil Santana no Jornal da Ciência e-mail
  • Para conhecer melhor a biodiversidade, artigo de Miguel Trefaut Rodrigues na revista Ciência e Cultura
  • A lei de proteção ao patrimônio genético, artigo de Walter Colli na revista Ciência e Cultura

Trabalho precário é predominante nos pequenos negócios

O que o designer de uma pequena agência de publicidade tem em comum com o proprietário de um bar na periferia? E com o catador de papel que leva seu carrinho junto às sargetas? Todos, certamente, trabalham em pequenos negócios com algum grau de precarização.

O que o designer de uma pequena agência de publicidade tem em comum com o proprietário de um bar na periferia? E com o catador de papel que leva seu carrinho junto às sargetas?Como pessoas jurídicas (PJs) ou como trabalhadores que sobrevivem marginalizados pelo mercado, todos, certamente, trabalham em pequenos negócios com algum grau de precarização. De consultores especializados a limpadores de carro, o número de ocupações em “micro empreendimentos” aumenta no Brasil desde 1980.

O projeto “Trabalho e Pequenos Negócios no Brasil”, desenvolvido na Unicamp por Anselmo Luís dos Santos, professor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), analisa o crescimento e a fragilização das relações de trabalho nesse segmento do mercado, apontando suas principais causas.

Segundo o pesquisador, a expansão do que muitos chamam de “empreendedorismo” no Brasil é reflexo do elevado desemprego e de uma crise social agravada ao longo de décadas. A abertura de espaço para micro-empresas modernas, organizadas e eficientes seria bem menos significativa que o crescimento de pequenos empreendimentos atrasados.

“Houve uma precarização enorme do trabalho no Brasil e grande parte disso ocorreu por conta do aumento do peso das ocupações em pequenos negócios, onde se concentra a maior parcela dos trabalhadores sem carteira assinada, nenhum direito trabalhista, poucos benefícios resultantes de acordos sindicais, salários menores, etc”, diz o economista da Unicamp.

Atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e armas, por exemplo, também funcionariam através de pequenas “empresas”, embora não haja sistematização de dados nesses casos.

Enquanto, para alguns, a elevação do trabalho em atividades empreendedoras revela uma tendência mundial positiva, para outros, reflete a falta de oportunidades de trabalho.

Panorama

Como causas do fenômeno, o pesquisador aponta as baixas taxas de crescimento da economia brasileira, as redefinições das estratégias empresariais e a decorrente elevação do desemprego. Na década de 1980, o PIB do país avançou apenas 1,5%, em média. De 1991 a 2000, a taxa arrastou-se em 2,7%.

Por outro lado, o crescimento da população economicamente ativa, embora desacelerado, continuou significativo: de 1981 a 1990, era de 3%; entre 1991 e 2000, foi de 2,9%. Com o baixo dinamismo econômico e a constante entrada de pessoas no mercado de trabalho, o índice nacional de desemprego aberto foi multiplicado por 3,5 vezes, entre 1980 e 2003.

Nesse período, o Brasil ainda abriu sua economia à entrada de produtos estrangeiros e ampliou as possibilidades de ganho do capital financeiro. Enquanto empresas automobilísticas começaram a trazer peças – que antes eram produzidas internamente – de outros países e, além disso, enquanto diversos setores (como o têxtil, de calçados e brinquedos) passaram a sofrer forte concorrência externa com países como a China, por exemplo, o investimento no capital produtivo tornou-se cada vez mais desinteressante.

Mudanças organizacionais, como privatizações e terceirizações de serviços, também contribuíram para um novo desenho do mercado de trabalho. De acordo com Anselmo dos Santos, a estagnação econômica aliada a transformações técnico-produtivas (mudanças tecnológicas, gerenciais e de articulação entre a grande, média e pequena empresa) “enxugaram” os postos de trabalho.

O movimento contraditório de aumento da população economicamente ativa e incapacidade econômica de geração de empregos teria promovido uma proliferação enorme de ocupados em pequenos negócios precários, segundo o professor.

Precarização

A pesquisa indica que, no Brasil, os pequenos negócios que se utilizam do alto desemprego são os que crescem mais. Sem alternativa de sobrevivência, as pessoas tendem a aceitar qualquer trabalho. Por isso, há aumento de negócios que remuneram mal, não oferecem segurança, garantias ou benefícios.

Vendedores ambulantes, limpadores de terreno, flanelinhas… Uma série de atividades precárias aumenta, inclusive as ilegais, como prostituição e tráfico. Crescem também ocupações que exigem mais capital, como estabelecimentos nas periferias (manicures, cabelereiros, armazéns e pequenos armarinhos) e serviços de transporte alternativo (mototáxis e vans). Em menor quantidade, o mesmo acontece com empresas melhor localizadas (lojas em shoppings, academias e consultórios).

Já o número de ocupações em pequenos negócios que demandam maior qualificação e tecnologia (área de informática, telecomunicação, pesquisa e produção de softwares, vídeos e músicas) são bem mais baixos. “Ao contrário de Taiwan, Coréia, Itália e mesmo do Japão – países em que as pequenas empresas em crescimento são industriais ou prestadoras de serviços modernos -, esse movimento, embora exista, é muito pequeno aqui no Brasil”, aponta Santos.

Dados divulgados em 2005, pelo economista Marcio Pochmman, também da Unicamp, já mostravam que o principal motivo para abrir um novo empreendimento (não considerando regiões rurais, moradores de rua, empregados domésticos e ilegais) é não ter encontrado emprego.

Desde 1987, a falta de clientes é o principal obstáculo à operacionalização dos negócios, segundo entrevistas realizadas pelo IBGE em microempresas. Em 2003, quase 90% de microempresários informais não utilizavam serviços de informática em seus negócios, segundo o instituto.