Incentivos à inovação no Brasil são mal aplicados

Há dois anos começaram a vigorar no país novos programas e leis de apoio à CT&I. O novo panorama e as formas de aperfeiçoar as políticas públicas de apoio à inovação têm sido objeto de discussões por estudiosos do tema e agentes inovadores, como se observou no V Encontro Nacional de Inovação Tecnológica (ENITEC), que ocorreu entre os dias 08 e 10 de maio.

Há dois anos começaram a vigorar no país novos programas e leis de apoio à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). O novo panorama e as formas de aperfeiçoar as políticas públicas de apoio à inovação têm sido objeto de discussões por estudiosos do tema e agentes inovadores, como se observou no V Encontro Nacional de Inovação Tecnológica (ENITEC), que ocorreu entre os dias 08 e 10 de maio.

O Brasil conta hoje com diversos mecanismos fiscais e de financiamento para incentivar a atividade inovativa, um avanço considerável para o país. Entretanto, há entraves ligados à aplicação desses instrumentos, como as imposições da Lei de Inovação sobre os pesquisadores inovadores e a restrição dos benefícios da Lei 11.196 para as empresas que apuram lucro líquido. Para o economista e assessor de planejamento do BNDES João Furtado, “o país não carece de incentivos à inovação, mas de uma aplicação mais eficiente dos instrumentos que tem”.

A introdução de novos mecanismos de incentivo à inovação veio em resposta a um cenário pouco animador. Segundo a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), a taxa de inovação no país, definida como o percentual de empresas que inovaram no universo de empresas, cresceu de 31,5% para 33,3%, entre 2001 e 2003, um percentual ainda muito inferior aos de países mais desenvolvidos, que chegam a 60%. Dentre as empresas que inovaram, apenas 18,6% receberam incentivos governamentais: 3,1% foram beneficiadas por incentivos fiscais e 15,5% receberam financiamento público.

O pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB) e consultor legislativo do Senado Federal Eduardo Viotti lembra que em vários países desenvolvidos o percentual de empresas com financiamento público para as atividades de inovação é muito mais elevado. “Em países como a Áustria e a Finlândia, mais de 50% das empresas inovadoras recebem financiamento público. Isso contraria a visão tradicional de que o financiamento público à inovação está concentrado em países em desenvolvimento”, afirma ele.

Os mecanismos atualmente oferecidos como incentivo à inovação no Brasil podem ser fiscais ou de financiamento, conforme apresenta o engenheiro Joel Weisz em seu livro “Mecanismos de Apoio à Inovação Tecnológica”. Os mecanismos fiscais compreendem os descontos e isenções previstos nas Leis 11.196/2005 (antiga MP do Bem) e 10.973/2004 (Lei de Inovação), como o desconto de 50% no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para a aquisição de equipamentos para projetos de inovação e a depreciação acelerada do maquinário utilizado nesse tipo de atividade. Os mecanismos de financiamento abarcam o aporte de recursos com condições favoráveis pela Finep (Fianciadora de Estudos e Projetos), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e os estados, por meio de organismos como as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs).

A Lei 10.973 consiste em diversos mecanismos de incentivo à CT&I, entre os quais a subvenção a empresas inovadoras, o estabelecimento de dispositivos legais para a incubação de empresas no espaço público e a criação de regras para a participação do pesquisador público nos processos de inovação tecnológica desenvolvidos nas empresas. A lei permite ainda o compartilhamento de infra-estrutura, equipamentos e recursos humanos, públicos e privados, para o desenvolvimento tecnológico e a geração de produtos e processos inovadores.

Para Furtado, a lei “é um avanço modesto e com alguns vícios”. O avanço está em permitir aos professores desenvolver atividades que ultrapassam o Regime de Dedicação Integral à Ciência e Pesquisa. Alguns problemas permanecem, como as exigências para que o pesquisador se torne um empreendedor. Entre os vícios da lei, Furtado destaca o alto grau de controle sobre a produção de inovação. “Como é possível querer controlar um fenômeno cujo sucesso baseia-se, por natureza, em quebrar regras? Inovar é justamente ousar fazer algo diferente, e isso é o avesso de seguir caminhos já trilhados, regras preestabelecidas”.

Com relação à Lei 11.196, seus principais incentivos são o abatimento de gastos com inovação sobre o lucro tributável, a possibilidade de redução de 50% do IPI incidente sobre equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos destinados para pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a redução do IRPJ (Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica) na depreciação e na amortização aceleradas de máquinas, equipamentos e aparelhos, e a subvenção de 60% da remuneração de mestres e doutores, empregados em atividades de inovação em empresas localizadas no Brasil por agências de fomento em C&T.

Weisz lembra que a Lei do Bem permite o abatimento de, no mínimo, 160% dos gastos correntes em P&D do lucro tributável. “Poderão ainda ser abatidos mais 20% se houver pesquisadores pós-graduados na empresa e outros 20% se o investimento em um projeto for objeto de patentes, totalizando 200%”2019, explica.

A principal crítica a essa lei está no fato de os benefícios estarem restritos às empresas que realizam a apuração de lucro líquido, em geral as grandes empresas, que já dispõem de melhores condições de financiamento. Segundo Furtado, “as empresas que mais precisam dos benefícios da lei são as pequenas e médias, que geralmente optam pela declaração de lucro presumido”. A declaração do lucro presumido é preferida justamente porque confere alguns benefícios às empresas. Para Weisz, os incentivos fiscais estão na direção certa, mas ainda são tímidos. “Na ponta do lápis, a economia para a empresa fica entre 30% e 35% sobre o total investido nos projetos de P&D (cálculos demonstrados no primeiro capítulo de seu livro). Para a empresa que declara lucro presumido, os benefícios provenientes dos incentivos fiscais caem para cerca de 10%”, lamenta.

Para saber mais leia:

“Mecanismos de Apoio à Inovação Tecnológica”, de Joel Weisz, editado pela Protec (Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica) e pelo Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). O livro foi lançado no último dia 10, no V Encontro Nacional de Inovação Tecnológica (Enitec).

OMS lança novos padrões de avaliação do crescimento infantil

A Organização Mundial da Saúde trouxe a público no dia 27 de abril os resultados de um estudo realizado em seis países, com informações atualizadas sobre os fatores determinantes do crescimento infantil. Ao todo, 8.440 crianças de Gana, Índia, Noruega, Omã, Estados Unidos e Brasil foram acompanhadas.

A partir de agora, médicos, autoridades e governos de todo o mundo podem medir se suas crianças estão tendo um crescimento saudável através de um método único e padronizado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) trouxe a público no dia 27 de abril os resultados de um estudo realizado em seis países, com informações atualizadas sobre os fatores determinantes do crescimento infantil. Ao todo, 8.440 crianças de Gana, Índia, Noruega, Omã, Estados Unidos e Brasil foram acompanhadas.

Pela primeira vez, os pesquisadores concluíram que crianças das principais regiões do mundo podem alcançar estatura, peso e grau de desenvolvimento similares se lhes forem proporcionadas uma alimentação e serviço de saúde adequados bem como se crescerem em ambiente saudável.

O Estudo Multicêntrico sobre o Padrão de Crescimento (EMPC) teve início em 1997 e foi desenvolvido por diferentes equipes de pesquisa no mundo. Baseado em outro estudo que durou mais de 15 anos em vários paises, entre eles o Brasil, os novos padrões tem validade mundial e possibilitam que agora sejam monitorados o crescimento de todas as crianças, independente de etnia, nível sócio-econômico e tipo de alimentação.

Esses padrões são um instrumento chave para medir a saúde e o desenvolvimento sócio-econômico dos diferentes países, uma vez que a saúde das lactantes (mães que estão amamentando) e das crianças atuam como indicador. Além disso, os novos gráficos de medição de índice de massa corporal permitem a detecção precoce e prevenção de sobrepeso e obesidade em crianças.

O projeto foi dirigido pela OMS, apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e custeado pelos governos do Brasil, dos Países Baixos, da Noruega, de Omán, dos Estados Unidos e pela Fundação Bill e Melinda Gates.

A curva de crescimento adotada no Brasil até agora era um modelo americano, criado na década de 90 e editado em meados do ano 2000. Ela apresenta falhas, uma vez que não é baseada no monitoramento de crianças alimentadas exclusivamente de leite materno, como faz o estudo da OMS, e além disso, superestima o peso depois do terceiro mês.

Aleitamento materno em destaque

A pesquisa da OMS afirma que é fundamental para o crescimento normal das crianças o aleitamento materno, desde que seguido de acordo com as diretrizes sobre alimentação complementar – até os seis meses de vida, a criança só deve ser alimentada com leite da mãe, e depois, receber alimentos complementares suficientes e inócuos (que não oferecem risco à saúde), junto com o leite materno por até dois anos ou mais.

Essas diretrizes foram recomendadas num outro estudo, desenvolvido em 2002, sobre a estratégia mundial para alimentação da lactante e da criança. Em conjunto, a OMS e o Unicef criaram, como resultado desse estudo, um guia para que os países elaborem suas políticas de alimentação e estado nutricional, crescimento, saúde, e sobrevivência das lactantes e crianças.

De acordo com a médica mestre em aleitamento materno Monica Pessoto, a nova curva de crescimento diminui a chance de erro de diagnóstico quanto à nutrição das crianças. “É normal que haja uma queda na nutrição do bebê entre o quarto e o sexto mês, quando alimentados só com leite materno. Como a curva americana não apresenta essa queda, havia o risco de se indicar suplementação alimentar sem necessidade”, explica Pessoto, que trabalha como neonatologista do Centro de Atenção Integral a Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp.

Esse hospital é um dos 184 centros no país que possuem o programa Banco de Leite Humano, que coleta uma média mensal de 50 litros de leite repassados diretamente das mães aos internos da neonatologia. Se a criança não recebe leite materno, é exposta a fatores de risco que predispõe a um rendimento escolar insuficiente, produtividade reduzida e prejuízos no desenvolvimento social e intelectual, podendo chegar até a enfermidades crônicas.

Em relação à implementação desses novos padrões de crescimento pelos médicos brasileiros e pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde foi contactado pela redação da ComCiência, mas não retornou até o fechamento desta notícia.

Um milhão de crianças morrem a cada ano no mundo como conseqüência de seu baixo peso e há pelo menos 20 milhões de crianças menores de cinco anos com sobrepeso. Os novos padrões de crescimento da OMS estão disponíveis no site http://www.who.int/childgrowth/en/

Lei sobre aborto não muda desde os anos 40

O aborto é legalizado no Brasil em duas situações: em caso de risco de vida para a gestante ou de gravidez provocada por estupro. No entanto, a prática do aborto legal é baixa e o aborto ilegal tem uma incidência muito maior. Segundo a pesquisadora Maria Isabel Baltar da Rocha, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, esse é o perfil da prática do aborto no Brasil.

O aborto não é punido no Brasil em duas situações: em caso de risco de vida para a gestante ou de gravidez provocada por estupro. No entanto, enquanto a prática do aborto legal é reduzida, a do aborto ilegal, portanto inseguro, ocorre com uma incidência muito grande. Os números da prática ilegal são inexatos, mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 1 milhão de abortos clandestinos acontecem anualmente no Brasil. Segundo a pesquisadora Maria Isabel Baltar da Rocha, do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, esse é o perfil da prática do aborto no Brasil. “Essa situação não muda, em parte, porque a legislação também não muda”, diz. “Desde meados do século passado surgem proposições no Congresso Nacional que tentam modificar a lei, mas como o tema gera muita polêmica, os projetos são arquivados ou são rejeitados na votação”, diz. A pesquisadora fez um levantamento sobre as proposições relacionadas ao tema que chegaram ao Congresso desde o fim da década de 1940.

A conseqüência mais imediata dessa situação é o risco à vida ou à saúde das mulheres que praticam o aborto ilegal. De acordo com Baltar da Rocha, existe hoje um projeto de lei, o PL 1135, na Câmara dos Deputados que prevê alterações na legislação, mas não há previsão de data para a votação. O documento incorporou a proposta elaborada por uma comissão tripartite composta por membros do governo, da sociedade civil e do próprio Congresso. O trecho que gera mais controvérsia diz respeito ao direito da interrupção voluntária da gravidez, ou seja, a descriminalização do aborto. “Como estamos em ano eleitoral, os deputados não querem se envolver em votações de temas polêmicos”, afirma Baltar da Rocha.

Para se ter uma idéia, a primeira versão dessa proposição foi enviada ao Congresso em 1991 e, desde então, vem sofrendo modificações e incorporando o conteúdo de outros projetos, sem nunca entrar efetivamente em votação.

Para a pesquisadora, os projetos nunca saem do papel porque as forças que jogam contra e a favor da descriminalização são poderosas. Considerando a legislatura atual (2003 a 2007) e a anterior (1999 a 2003), foram feitas 33 proposições no Congresso relacionadas ao aborto (até abril de 2006). De acordo com Baltar da Rocha, esse é um dos períodos da história do país de maior discussão política sobre o tema.

Ainda de acordo com o levantamento da pesquisadora, os projetos contra a idéia da interrupção da gestação como um direito da mulher foram apresentados, em sua maioria, por setores religiosos liderados pela Igreja Católica. Uma das proposições, por exemplo, garante o direito à vida desde o momento de sua concepção, outra propõe um sistema de assistência à mulher vítima de violência sexual e à criança fruto da gestação resultante do estupro e há, ainda, uma proposta para instituir a data de 25 de março, como dia do nascituro (nove meses antes do Natal).

Já os projetos de lei a favor da descriminalização foram apresentados por grupos liderados ou com o apoio do movimento feminista. Alguns são mais abrangentes como o citado projeto, e outros mais pontuais como a permissão do aborto em caso de anomalia fetal (alguns casos de anencefalia já são autorizados via ordem judicial). Ainda há as proposições que permitem o aborto em casos da gestante ser portadora de HIV e de lesão irreversível ao corpo da mulher.

O resultado desse jogo de forças é que nenhum projeto é aprovado. Até o momento apenas um passou: o que garante o abono no trabalho para faltas que acontecem em decorrência do aborto, mesmo que este seja praticado de forma clandestina.

Democracia

Para Baltar da Rocha, mesmo que não haja previsão para definições no campo legal, há um grande avanço na discussão sobre o tema. “Desde a redemocratização do país, as discussões se ampliam e isso é bom para todos”, diz. Antes disso, a discussão era muito incipiente e quase sempre influenciada por uma visão religiosa que pregava o fim da prática do aborto, inclusive, reitera a pesquisadora, no sentido de impedir os casos já permitidos por lei.

Com a organização do movimento feminista no Brasil, nos anos 1970, a discussão se ampliou. “Mas somente a partir dos anos 1980, no contexto do processo da redemocratização do país, o assunto foi mais à público”, diz a pesquisadora. Desde esse período, cada vez mais proposições são enviadas ao Congresso e novos setores da sociedade entram no debate. Um exemplo disso é a organização Católicas Pelo Direito de Decidir, composta por mulheres que discordam da posição oficial da igreja católica a respeito de questões referentes à sexualidade e à reprodução.

Baltar da Rocha chama a atenção para um outro fato: a reduzida estrutura para atender os casos de aborto legal. Segundo levantamento da referida organização são 37 hospitais, em 21 estados e no Distrito Federal, sendo que o primeiro programa foi implantado no Hospital do Jabaquara, em São Paulo, em 1989. “Atendimentos especializados diminuem o risco de lesão ou morte da mulher, mas ainda são relativamente poucos”, diz a pesquisadora.

De acordo com o documento da Comissão Tripartite, a maioria dos abortos inseguros ocorre com mulheres de baixa renda, sobretudo mulheres negras, e os principais danos à saúde desse tipo de prática são perfuração do útero, hemorragia e infecção. Em 2004, o SUS (Sistema Único de Saúde) atendeu 240 mil casos de mulheres com lesões pós-aborto. “Em muitos países onde houve a descriminalização, a quantidade de abortos foi reduzida”, diz Baltar da Rocha.