Trabalho infantil agrava saúde e tem reflexos cíclicos nas gerações subseqüentes

Alexandre Nicollela, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, analisou as condições de trabalho de crianças e concluiu que as que trabalham no campo têm melhores condições de saúde, provavelmente, por estarem mais próximas ao cuidado dos pais. Os resultados surpreenderam o próprio autor, que esperava encontrar os maiores impactos no trabalho rural.

O problema do trabalho infantil está longe de encontrar uma solução. A baixa renda e escolaridade familiar, além de fatores culturais e a má qualidade do ensino contribuem para o ingresso do jovem no mercado de trabalho. Alexandre Nicollela, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, analisou as condições de trabalho de crianças e concluiu que as que trabalham no campo têm melhores condições de saúde, provavelmente, por estarem mais próximas ao cuidado dos pais. Os resultados surpreenderam o próprio autor, que esperava encontrar os maiores impactos no trabalho rural. Ele analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998 e 2003, para 144 mil pessoas de 5 a 20 anos.

Menina de 10 anos em Açaí (PA). Trabalho infantil rural traz menos prejuízos à saúde. Foto: Adão Macieira

Nicollela acredita que as famílias rurais têm capacidade de restabelecer a saúde da criança, o que provavelmente ocorre pelo fato de as atividades rurais serem exercidas próximas aos pais. “Trabalhos de extremo risco, como o corte de cana-de-açúcar, de fato são cada vez mais combatidos, não tendo, portanto, grande peso na média dos resultados”, afirma o pesquisador, que defendeu tese de doutorado sobre o tema em maio. As conseqüências do trabalho infantil urbano – notadamente vendedores ambulantes e empregados domésticos – seriam, por exemplo, problemas respiratórios, queimaduras, fraturas, cortes e dores musculares.

Especialistas da área ratificam que, num país onde grande contingente de crianças exerce trabalho infantil, há uma conseqüente perda no nível de saúde da população, acarretando declínio na produtividade nacional, impacto negativo na renda per capita e podendo ainda influenciar a decisão de investimento externo na nação.

Dados da PNAD de 2003 indicavam a existência de 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade ocupadas no Brasil, sendo a maioria na faixa de 15 a 17 anos. A atividade agrícola concentrava a maior parte desse contingente. Os números, embora ainda altos, indicam um avanço. Em 1992, quase 10 milhões de crianças com idade entre 5 e 17 anos trabalhavam. A legislação brasileira estabelece que a idade mínima para admissão no trabalho é de 16 anos, sendo uma das mais rígidas neste sentido, equiparando-se a dos Estados Unidos e da França.

Além dos quesitos saúde e renda, a assistente social Márcia Guedes Vieira destaca no artigo “Trabalho infantil: a dívida da sociedade mundial com a criança”, publicado pela organização Cáritas Brasileira, que os conflitos de horários, as longas horas de trabalho e suas condições extremamente difíceis tornam o acesso das crianças à educação, quando disponível, praticamente impossível, causando perdas no rendimento e evasão escolar. Além disso, o volume de responsabilidades que não condizem com a sua idade ou o seu fracasso em não realizar uma tarefa corretamente interferem fortemente em sua auto-estima.

Para Vierira, é difícil acreditar na possibilidade de existência de trabalho infantil que não prejudique o desenvolvimento psicológico, físico, emocional, intelectual e social da criança. “Não podemos dar a uma criança a responsabilidade de prover uma família, ou de assumir tarefas para as quais ela não está, ainda, preparada. É responsabilidade dos adultos, da sociedade e do Estado”, completa.

As políticas voltadas ao trabalho infantil, sugere Nicollela, devem ser elaboradas em conjunto com outras políticas de renda, educação e saúde familiar, tais como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e o Bolsa Escola, atualmente incorporado ao Bolsa Família. Ele ressalta também a importância da educação materna, com orientações sobre os perigos de algumas atividades laborais infantis e sobre como cuidar da saúde da criança. E completa: “Deve-se ainda incluir nas políticas focadas em crianças e adolescentes programas específicos para aqueles que por algum motivo continuam trabalhando, orientando-os para que tenham menor exposição ao risco e se protejam quanto a eventuais riscos associados à profissão”.

Atualmente, o que se vê, diz o pesquisador da Esalq, é um círculo vicioso: “crianças trabalhadoras têm estado de saúde pior, menor tempo para estudar e capacidade reduzida de aprendizagem, tornando-se adultos com baixo capital humano (escolaridade, habilidades, conhecimentos), o que os levará a colocar seus próprios filhos no mercado de trabalho”.

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Embrapa organiza rede de inovação e prospecção tecnológica para o agronegócio

A Embrapa coordena atualmente a instalação de uma Rede Inovação e Prospecção Tecnológica para o Agronegócio – Ripa – no país. Por meio de reuniões em cada uma das macroregiões brasileiras – Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte – foram identificadas as oportunidades e problemas do setor. A idéia é elaborar políticas e tecnologias que permitam o incremento do agronegócio, afirma o diretor executivo do programa, Paulo Cruvinel.

Como a produção de grãos brasileira saltou de 1,5 toneladas/hectare, em 1991, para 2, 7 toneladas/hectare em 2003? Tecnologia é a resposta para essa elevação considerável de produtividade. Sementes melhoradas, manejo de culturas e maquinários adequados são alguns dos agentes geradores desse aumento nas safras. Porém, o trabalho para alavancar a produtividade, gerar mais renda e incrementar a qualidade dos produtos do campo ainda não parou. O desafio atual encabeçado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecueária (Embrapa), em parceria com várias instituições ligadas ao setor, é criar uma Rede de Inovação e Prospecção Tecnológica para o Agronegócio (Ripa).

Paulo Cruvinel, coordenador executivo da Ripa, explica que o objetivo da criação da rede é levantar as potencialidades no setor de agronegócios, levando em consideração as especificidades de cada uma das macroregião do Brasil (Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte). As primeiras ações realizadas para o surgimento dessa rede foram reuniões envolvendo produtores rurais, governos, instituições de pesquisa e terceiro setor em cada região. Desses encontros surgiram listas de demandas, vulnerabilidades e uma agenda de oportunidades com alcance de 10 anos para cada local.

No momento, o trabalho está voltado para a instalação de comitês gestores regionais compostos por representantes de cada setor da sociedade que participou das reuniões. Neste ano, as equipes das regiões Sul, Sudeste e Nordeste já começaram a trabalhar. “Os comitês gestores do Norte e Centro-Oeste devem ser formalizados ainda neste ano”, afirma Cruvinel. Ainda fazem parte do projeto a criação de redes regionais de multiplicadores e um portal para a transferência de informações sobre agronegócio. A rede já dispõe de um portal, mas ele serve apenas como meio de divulgação das atividades já desenvolvidas.

O coordenador executivo da Ripa argumenta que entre os maiores benefícios da rede está a aproximação dos setores ligados ao agronegócio (setor produtivo, governantes, insitutos de pesquisa e terceiro setor), além do levantamento de oportunidades para cada região. Ele acredita que, com base nessas informações, cada grupo poderá trabalhar para a concretização das oportunidades que surgirem no campo em negócios de sucesso.

Além da Embrapa, fazem parte da coordenação da Ripa a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), Listen Local Informatio Systems,a Fundação para o Incrementeo da Pesquisa e do Aperfeiçoamento Industrial (Fipai), o Instituto de Estudos Avançados da Usp e o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital).

Campo adota rapidamente as inovações tecnológicas

Para o chefe-geral da Embrapa Instrumentação Agropecuária, Landislau Marin Neto, as melhorias tecnológicas desenvolvidas por institutos de pesquisa com o intuito de incrementar as atividades no campo são rapidamente adotas pelo produtores. Na opinião dele, esse fato pode ser comprovado pelo aumento na produtividade do campo.

Mais produtividade no campo tem impacto direto em números como do Produto Interno Bruto (PIB) ou das exportações brasileiras. As exportações do agronegócio brasileiro cresceram 7,3% no primeiro quadrimeste desse ano com relação a 2005, segundo levantamento do Instituto de Economia Agrícola (IEA) do governo do estado de São Paulo. O volume exportado soma US$14,04 bilhões.

Na opinião do diretor da Parques Tecnológicos e Programas de Incubadoras de Empresas de Base Tecnológica da Agência de Inovação da Unicamp, Eduardo Grizendi, o agronegócio está profissionalizado no país. Para ele, existe no setor um ambiente favorável para o desenvolvimento de negócios e para o incremento tecnológico, motivado pela visibilidade do retorno do investimento. Grizendi avalia ainda que no agronegócio o ciclo de inovação se completa. “No Brasil, são desenvolvidas pesquisas, criadas de novas técnicas e produtos, por fim a inovação tecnológica é usado no campo”, afirma.

Doenças negligenciadas ganham agenda de pesquisa

Mais pesquisa, desenvolvimento e inovação para doenças negligenciadas. Essa é uma das preocupações da OMS e do governo brasileiro para mudar a realidade dos países em desenvolvimento. Está previsto para este mês o lançamento de edital de pesquisa que priorizará, entre outros temas, o estudo de seis doenças tropicais.

Apenas 13 novas drogas para doenças negligenciadas chegaram ao mercado de 1975 a 1999. Aids, doença do sono e outras enfermidades que se espalham por países em desenvolvimento têm sido relegadas pela indústria farmacêutica, por apresentarem baixo retorno financeiro. Algumas ações, no entanto, estão procurando mudar esse cenário no Brasil e no mundo. No final de maio, a 59ª Assembléia Mundial da Saúde da OMS (Genebra, Suíça) decidiu criar um grupo de trabalho intergovernamental para formular uma estratégia global de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) para tratamentos de doenças tropicais. Apesar de não ser uma ação conjunta, entre os 22 editais de pesquisa do governo também será dada prioridade à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de ferramentas para combater leishmaniose, dengue, tuberculose, malária, chagas e hanseníase. A previsão é de que os editais, orçados em R$ 20 milhões, sejam lançados nas primeiras semanas de junho.

Segundo a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e especialista em propriedade intelectual, Claudia Chamas, “a responsabilidade pelo problema é mundial e requer uma tomada de decisão rápida, já que a situação em muitos países – especialmente nos africanos – é dramática”. Ela ressalta que a formulação de diretrizes para a Política Nacional de Ciência e Tecnologia em saúde tem caráter estratégico.

De forma geral, os medicamentos são desenvolvidos e patenteados por empresas privadas e os investimentos destinados a medicamentos interessantes do ponto de vista econômico. No caso da Aids, há incentivos, mas P&D estão voltados à realidade dos países ricos, beneficiando em maior escala 5% da população infectada. Representante da ONGs Médicos sem Fronteiras (MSF) e DNDi, Michel Lotrowska exemplifica alguns problemas dessa disparidade. “O diagnóstico é ainda caro e há dificuldade de detectar o HIV em crianças porque, nos países desenvolvidos, existe um controle rigoroso das mães soropositivas”, diz ele.

O outro lado da moeda é a doença do sono, a mais negligenciada das doenças, segundo Pecoul. Mesmo com a estimativa de que 300 mil africanos estejam infectados e, se não tratada, torna-se fatal, os medicamentos são antigos, tóxicos e caros. A nutrição inadequada, a falta de saneamento básico e o consumo de água não tratada agravam o problema das doenças negligenciadas nos países subdesenvolvidos.

Bernard Pecoul, diretor da Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, sigla em inglês) mostrou durante o fórum da Comissão de Direitos de Propriedade Intelectual, Inovação e Saúde Pública (CIPIH, sigla em inglês) da OMS, que o mercado farmacêutico mundial movimentou US$ 518 bilhões em 2004. Ainda segundo Pecoul, apenas entre 1 e 2% é gasto com P&D de doenças tropicais, ou seja, 1% das novas drogas são desenvolvidas para essas enfermidades.

Sistema de patentes

Ponto de conflito entre empresas e instituições sociais, como ONGs, a Assembléia Mundial da Saúde decidiu que a OMS vai levar em consideração as recomendações do relatório da CIPIH – organizado em 2004 – para elaborar uma estratégia global será apresentada em 2008. Uma das sugestões é que os países sustentem os poderes legais para usar a licença compulsória.

A decisão da OMS foi baseada em três documentos: os relatórios Brasil-Quênia (2006) e da CIPIH (2004) e um Apelo por mais P&D, organizado pela DNDi. Em linhas gerais, as sugestões se detêm na construção uma agenda governamental de PD&I para doenças negligenciadas e na facilitação de acesso a tecnologias por meio da flexibilização do sistema de patentes. “O problema dos países em desenvolvimento não se fixa na produção, mas na inovação e o sistema de patentes limita a produção e inibe a transferência de tecnologia”, afirma Lotrowska.

A cooperação tecnológica para facilitar o acesso a inovações em saúde pública está prevista no Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPs, sigla em inglês). Mas, segundo estudos da CIPIH, o TRIPs não cumpre o papel de incentivar o desenvolvimento tecnológico, visto que os medicamentos e tratamentos para doenças negligenciadas são uma lacuna no mercado.

A indústria farmacêutica se defende, argumentando que o sistema de patentes é uma proteção de retorno à empresa que investe entre US$200 mil a US$1 bilhão no desenvolvimento de um novo medicamento. A Novartis apresenta alternativas como a criação de um sistema especial para incentivar a pesquisa e as parcerias público privadas (PPPs), exemplificando casos como o Instituto de Doenças Tropicais em Cingapura, da própria empresa, e o Instituto de Pesquisa em Bangalore (Índia), da AstraZeneca. Mas os especialistas acreditam que as PPPs sozinhas não vão sanar os problemas da falta de inovações para combate de doenças tropicais, pois é preciso despertar o interesse da indústria para essa área.

Diante desse quadro, torna-se fundamental a harmonia entre as ações. “As negociações para a flexibilização dos direitos de propriedade industrial não eliminam a necessidade de políticas para a construção da capacidade de gerenciamento da propriedade intelectual em países em desenvolvimento”, explica Chamas.

Brasil

Além de ser um receptor de tecnologia, junto com África do Sul, Índia, China e outros, o Brasil faz parte do grupo dos Países em Desenvolvimento Inovadores (IDCs, sigla em inglês), que procuram inovar na área da saúde para preencher as lacunas da indústria farmacêutica. Segundo a pesquisadora da Fiocruz, isso demonstra um interessante padrão de acumulação, baseado em informação e conhecimento que impacta as políticas locais de inovação e as relações com os outros países.