Classificação racial divide opiniões sobre sistemas de cotas

Os projetos de lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, se aprovados pelo Congresso Nacional, tendem a diminuir ou aumentar o preconceito e o racismo? Essa questão vem dividindo o país. Os “contrários” apontam os riscos da classificação legal de raças, os favoráveis lançam-se da história de desigualdade e opressão das minorias e pedem reparações.

Os projetos de lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial, se aprovados pelo Congresso Nacional, tendem a diminuir ou aumentar o preconceito e o racismo na sociedade brasileira? Essa questão vem dividindo intelectuais e formadores de opinião no país. De um lado, os “contrários” baseiam-se nos riscos de se definir os direitos da população segundo as raças, pois o respaldo legal a esse conceito poderia acirrar o conflito e a intolerância. Do outro, os favoráveis lançam-se da história de desigualdade e opressão das minorias para pedir reparações às injustiças cometidas hoje. A última pesquisa Datafolha sobre o tema, feita nos dias 17 e 18 de julho com 6.264 pessoas acima de 16 anos, aponta que a maioria dos brasileiros (65%) é a favor da adoção das cotas. Mas a aprovação diminui à medida que aumenta a renda familiar e a escolaridade do entrevistado e apenas 9% dos entrevistados se dizem bem informados sobre o Estatuto.

“Cada vez que se classificam as pessoas por raças estabelece-se uma divisão que parece natural, biológica, mas que na verdade não é. Cria-se um corte artificial na sociedade”, afirma antropóloga da USP, Eunice Ribeiro Durham. Diferente da biologia do século 19, que apontava a existência de um conjunto de características físicas e biológicas próprias de uma só raça, a antropologia tem proposto que a noção de raça é uma construção, não é dada naturalmente.

Durham é contrária à classificação racial e argumenta que “o conceito moderno de raça implica em diferentes níveis de concentração de certas características genéticas nos grupos. Conseqüentemente, não existe uma raça pura, que apresente 100% de determinada característica”. Nessa perspectiva, o uso de características como a cor da pele, cabelo, largura do nariz e espessura labial, para considerar uma pessoa como negra ou branca, seriam problemáticas. “Cerca de 98% da população mistura essas características. E assim não dá para dizer onde termina uma raça e começa outra”, pondera Durham. O enquadramento em uma categoria ou outra dependeria, desta forma, da opinião do próprio indivíduo, o que, em sua opinião, poderia gerar distorções em busca de privilégios.

Os favoráveis às cotas, entretanto, acreditam que o discurso da miscigenação tende a ser usado para minimizar a existência de racismo e das desigualdades raciais no Brasil, pois é associado à democracia racial. “A opressão racial é um fato que independe dos saberes da genética molecular comprovarem que, considerando-se o DNA como o material hereditário e o gene como unidade de análise biológica, é absolutamente impossível dizer se estas estruturas pertencem a uma pessoa negra, branca ou amarela. O que significa que geneticamente não há raças humanas. O que não autoriza ninguém a dizer que o racismo não existe”, afirma Fátima Oliveira, médica e secretária executiva da Rede Feminista de Saúde, em reportagem à revista ComCiência.

Edson Lopes Cardoso, ativista do movimento negro e editor do Jornal Irohín, garante que, nos últimos quatro anos, não houve indícios de que os conflitos tenham se acirrado nas universidades brasileiras que espontaneamente implantaram sistemas de cotas. Outro argumento utilizado pelos que defendem as cotas é que, mesmo que os conflitos raciais aumentassem, seriam enfrentados e resolvidos com maior transparência e eficácia, minimizando a impunidade diante da discriminação racial no meio universitário.

Na opinião de Cardoso, identidade e cidadania se constroem e afirmam na história. “Mas a história dos negros no Brasil tem 350 anos de escravidão e isso exige reparação”, diz. A compensação viria, inicialmente, de políticas públicas em benefício das minorias – as chamadas ações afirmativas.

Não há, contudo, uma ingenuidade na crença de que isso resolveria o problema da exclusão social, mas sim de que aceleraria as mudanças estruturais necessárias para tornar a sociedade mais democrática e pluralista. “É apenas uma medida para atender os efeitos dessa desigualdade acumulada historicamente. Em paralelo, deve-se combater as causas, por exemplo, universalizando o acesso à pré-escola, ao ensino fundamental e ao superior de qualidade”, ressalta o ativista. Ele lembra, ainda, que o Brasil é signatário da Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, das Nações Unidas (1965). Portanto, está obrigado a implantar ações especiais (afirmativas) datadas – ou seja, com prazo de vigência pré-estabelecido -, para garantir a minorias os direitos que elas não usufruem em função do racismo.

Para os que defendem que este estabelecimento de benefícios contrariamente intensifica a segregação, o caminho para promover a igualdade racial passa pela redução da desigualdade econômica. A professora Eunice Durham enumera algumas alternativas, como o estabelecimento de políticas de desenvolvimento econômico e de desenvolvimento educacional, bem como a implantação de campanhas organizadas no mercado de trabalho (para eliminação do termo “boa aparência” nas ofertas de emprego, por exemplo). Ela destaca ainda a importância de preparar os cidadãos e combater o preconceito, tanto entre alunos como professores, já na pré-escola e no ensino fundamental. “Isso não é uma situação que a lei resolva”, diz.

O PL de Cotas (PL 73/1999) torna obrigatória a reserva de vagas para negros e indígenas nas universidades públicas. Complementarmente, o Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000), estabelece cotas raciais no serviço público (número mínimo de cargos públicos destinados a negros) e concede incentivos para empresas privadas que utilizem cotas raciais na contratação de funcionários, bem como procura assegurar igualdade no usufruto de serviços públicos de saúde e moradia, entre outros.

No último dia 29 de junho, cerca de 115 pessoas assinaram o manifesto “Todos têm direitos iguais na República Democrática”, no qual pediam que senadores e deputados rejeitassem tais projetos de lei. Como resposta, cinco dias depois, mais de 300 pessoas assinaram o “Manifesto em favor da lei de cotas e do estatuto da igualdade racial”, conclamando os congressistas para a aprovação urgente dos mesmos. Ambos manifestos foram enviados ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

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Íntegra dos manifestos contra e a favor das cotas (fonte: Jornal Folha de São Paulo, 04/07/2006)

Fungo abre caminho para a reciclagem de resina não biodegradável

Pesquisadores da Universidade de Wisconsin (EUA) estudaram um meio para reciclar a resina fenólica, usada em colas e adesivos e na construção civil, e que não pode ser derretida ou reciclada. A chave está no fungo de podridão branca (Phanerochaete chrysosporium), que quebra a cadeia da resina, possibilitando a geração de um subproduto solúvel em água.

Dura e flexível, a resina fenólica, usada em colas e adesivos e na construção civil, não pode ser derretida ou reciclada como polietileno, o plástico das garrafas descartáveis. Para evitar que ela fique acumulada nos lixões, como ocorre no Brasil, pesquisadores da Universidade de Wisconsin (EUA) estudaram um meio para reciclar esse produto. A chave para a quebra da molécula está no fungo Phanerochaete chrysosporium, convenientemente chamado de fungo de podridão branca, que quebra a cadeia da resina, antes não biodegradável, possibilitando a geração de um subproduto solúvel em água.

Segundo Adam Gusse, um dos autores do artigo publicado em maio no periódico Environmental Science and Technology, apesar de ser possível a implantação em escala industrial, pode haver problemas com a cultura do fungo, como a regulação da temperatura e a reprodução do organismo em grande quantidade. Além disso, a pesquisadora da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp Lúcia Innocentini Mei ressalta que a viabilidade econômica fica comprometida, pois não se demonstrou até que ponto o bolor é eficiente ou rápido na degradação da resina.

Foram testadas 11 linhagens de fungos, cinco de podridão branca e um de castanha, cuja habilidade comum era biodegradar poluentes. De acordo com o estudo, esta é a primeira vez que foi demonstrada a quebra das resinas fenólicas por meio da mudança de coloração do fungo de amarelo para rosa (cor dos monômeros, estruturas que compõem parte da resina). No entanto, os especialistas do Instituto de Botânica de São Paulo, Vera Lúcia Ramos Bononi e Dácio Matheus, lembram que “essa função não é tão nova, mas vem sendo estudada desde 1989, quando se descobriu a capacidade destes fungos (basidiomicetos) degradadores de lignina em degradar poluentes orgânicos recalcitrantes [como pesticidas e corantes]”, diz o pesquisador. Análises brasileiras também indicaram a capacidade desse fungo de quebrar fenóis (substância que associada ao formaldeído constitui a resina fenólica). Na opinião do professor do Instituto de Química da Unicamp, Nelson Duran, como essa função era conhecida, já era possível concluir que o fungo degradaria a resina também.

Brasil

Embora não seja de uma linhagem nacional, o fungo de podridão branca ou ligninolítico desperta o interesse de pesquisadores brasileiros. Um dos que trabalham com esse organismo decompositor, Duran, acrescenta que seu uso possibilita a adição de menos quantidade de derivados de cloro para branquear o papel. Isso significa uma menor produção de organoclorados – compostos tóxicos que se acumulam nos organismos e podem causar doenças como transtornos hormonais, neurológicos, debilidade no sistema imunológico e câncer. O Instituto de Botânica de São Paulo também emprega o fungo há mais de dez anos para a descontaminação de solo com organoclorados contidos em agrotóxicos e que podem permanecer em atividade no solo por até 30 anos.

Até 1993, a empresa de produtos químicos Rhodia descartava organopoluentes, como o hexaclorobenzeno (HCB) e o pentaclorofenol (pó-da-china), em aterros clandestinos na Baixada Santista (SP). Quando o fato foi descoberto, a empresa e o Instituto de Botânica desenvolveram alternativas para desintoxicar, com a ajuda do fungo de podridão branca, uma área com cerca de 33 mil toneladas de organoclorados.

Dados de 2004 da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) apontam que, nesse ano, as empresas instaladas no país produziram quase 192 mil toneladas da resina fenólica e o principal destino foi a indústria de colas e adesivos, que consumiu 81% do produto. Já nos Estados Unidos, país onde a indústria química possui o maior faturamento do planeta (US$ 516 bilhões), a produção anual da resina gira em torno dos em 2,2 milhões de toneladas.

Embora a pesquisa tenha sido realizada apenas no laboratório e os obstáculos para a utilização do fungo sejam muitos, Adam Gusse acredita que essas barreiras podem ser transpostas devido à quantidade de conhecimento já acumulado sobre o emprego desse microorganismo em projetos industriais de larga escala. As informações do artigo sobre o processo de degradação podem servir também de subsídios para a mudança de atitudes com relação à resina fenólica e a conservação da madeira.

Lodo de esgoto já pode ser usado na agricultura em todo Brasil

O Conama definiu regras para o uso do lodo na atividade agrícola, baseadas em estudos brasileiros e em resoluções de outros países. Para sua utilização, é preciso que o lodo seja tratado, a fim de que se reduzam os chamados agentes patogênicos, e há restrições para o uso do resíduo em áreas de pastagens, unidades de conservação, áreas para consumo in natura e em plantações que tenham contato direto com o solo.

Para que a destinação do lodo de esgoto não seja unicamente os aterros sanitários, todo o território nacional conta agora com uma norma que garante o uso deste resíduo como fertilizante agrícola. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definiu regras para o uso do lodo na atividade agrícola, baseadas em estudos brasileiros e em resoluções de outros países, como Estados Unidos, Austrália e alguns da União Européia, em que esta prática já é bem comum. Apenas os estados de São Paulo e Paraná possuíam diretrizes sobre o assunto, que também serviram de base para o Conama.

“Embora a produção de lodo de esgoto sanitário no Brasil ainda seja em pequena escala, em função da precariedade do saneamento básico, a resolução [do Conama] representa um marco regulatório importante, ao fixar as condições e restrições para que o lodo possa ser aproveitado na agricultura de forma segura para a população e para o meio ambiente. A existência de uma norma brasileira significa um considerável ganho ambiental”, explica a pesquisadora Adriana Pires, da Embrapa Meio Ambiente.

Para que o lodo possa ter como característica o uso agrícola, é preciso que ele seja tratado, a fim de que se reduzam os chamados agentes patogênicos, como fungos, bactérias, vírus e os metais pesados. Mesmo após o tratamento, a resolução prevê restrições para o uso do resíduo em áreas de pastagens, unidades de conservação, áreas para consumo in natura e em plantações que tenham contato direto com o solo, como batata, cenoura e hortaliças.

Pires afirma que a diminuição de patógenos pode ser feita na própria ETE (estação de tratamento de esgoto), por meio de processos de compostagem (processo biológico com a atuação de microorganismos), calagem (processo de desinfecção que consiste na mistura de cal virgem ao lodo), secagem térmica (redução da umidade do lodo), entre outros. Mas para os metais pesados, ainda não existe um método operacional de remoção.

“Vamos supor que o esgoto é tratado e gera um lodo de esgoto com teor de algum ou de vários metais pesados acima do limite da resolução. Como não existe, ainda, um método operacional para remover os metais pesados do lodo, este não poderá ser utilizado na agricultura. A solução é averiguar a fonte dos metais, que pode ser, por exemplo, um esgoto industrial, e evitar que esse esgoto seja lançado na rede coletora. Os Estados Unidos estabeleceram normas bastante restritivas para o lançamento de esgotos na rede coletora e, assim, diminuíram significativamente a concentração de metais pesados no lodo”, esclarece Pires.

A resolução traz vantagens para os geradores de resíduos, visto que oferece um meio para que o lodo seja disposto de forma segura, para a agricultura e para a qualidade do solo, já que o lodo é rico em matéria orgânica e nutrientes, e para o meio ambiente e para a população, com a diminuição dos prejuízos causados pela disposição do lodo em aterros. “A disposição em aterros tem um custo elevado, que pode chegar a 50% do custo operacional de uma ETE. Esta prática também traz um agravamento do manejo do lixo urbano, que já é um problema muito sério no país. Isso, devido à dificuldade de se encontrar novas áreas para a construção de aterros e pelo simples fato de que, com o passar do tempo, as áreas ficarão cada vez mais escassas”, destaca Pires.

O lodo em São Paulo

A Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb), agência do governo do estado de São Paulo, possui um projeto (P 4.230), de 1999, que estabelece normas para a aplicação de lodo em áreas agrícolas. No final de 2003, o P 4.230 passava por uma revisão quando o Conama deu início à elaboração da resolução. “A norma da Cetesb deverá agora ser finalizada incorporando o que foi estabelecido pela resolução do Conama”, conta a gerente do setor de resíduos sólidos industriais da Cetesb, Mirtes Groke.

A legislação de São Paulo sobre o uso de lodo foi baseada nas diretrizes dos Estados Unidos. “As regiões de Franca e Jundiaí têm utilizado o lodo de esgoto em solos agrícolas desde a aprovação da norma Cetesb em 1999”, diz Groke.