Apoio da mídia e ajustes na legislação garantiram sucesso dos genéricos

No Brasil, os medicamentos genéricos conseguiram conquistar altos índices de venda em pouco tempo, porque houve aqui contínua adequação à legislação quando necessário, além do apoio da mídia. Esta é uma das conclusões de um artigo que analisa o processo da implantação da política de genéricos no país de 1999 a 2002.

Os medicamentos genéricos, estabelecidos no Brasil desde 1999, conseguiram conquistar altos índices de venda em pouco tempo, porque houve aqui contínua adequação à legislação quando necessário, além do apoio da mídia. Esta é uma das conclusões do artigo em que Cláudia Regina Cilento Dias e Nicolina Silvana Romano-Lieber, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), analisam o processo da implantação da política de genéricos no país de 1999 a 2002, publicado na edição de agosto dos Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz.

Nessa pesquisa, foram examinadas as leis, os decretos e as resoluções sobre os medicamentos genéricos de 1999 a 2002. Além disso, notícias publicadas pelos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, com entrevistas com um representante do governo envolvido na legislação dos genéricos e um representante da indústria farmacêutica, deram suporte ao trabalho.

Os primeiros genéricos receberam registro após seis meses da publicação da Resolução n. 391, de 1999, que estabelecia condições de registro, fabricação, controle de qualidade, testes, prescrição e dispensação (fornecimento do medicamento pelo farmacêutico ao usuário). Na época, a indústria farmacêutica reagiu, pressionando médicos e farmácias a não substituir medicamentos de marca por genéricos. O comércio farmacêutico também agia contra os genéricos: a mídia impressa apontava que o segmento não tinha interesse em vender este tipo de medicamentos.

“O respaldo da mídia foi fundamental, porque trouxe ao governo o apoio popular para a implantação da política. Não se pode esquecer que uma bandeira de ‘medicamentos de qualidade a preços mais baixos’ é de extremo apoio popular”, justifica Romano-Lieber. A imprensa divulgou os problemas, a resistência de diversos segmentos, além de cobrar ações do governo e exigir a disponibilidade dos genéricos nas farmácias.

O governo se esforçou bastante para o sucesso da implantação dos genéricos, pois em meio a tantas críticas e problemas com a legislação, fez correções e modificações diante das necessidades, como por exemplo em relação às diferentes exigências, que mais tarde foram igualadas, quanto aos testes de bioequivalência para produtos nacionais e importados. As críticas nesse ponto vieram da própria indústria farmacêutica.

O país passou a reconhecer patentes na área de medicamentos em 1999 e instituiu o genérico. Essas patentes são concedidas por até 20 anos e, quando vencidas, são disponibilizadas para domínio público, possibilitando, nesse caso, o registro de medicamentos genéricos, que contêm o mesmo princípio ativo, na mesma dose e forma farmacêutica que o medicamento de referência (de marca). A vantagem está no preço: o genérico custa menos que o de marca, porque não necessita da etapa de pesquisas para o desenvolvimento do remédio, visto que essas já foram feitas para a produção dos medicamentos de referência.

Os testes de equivalência farmacêutica e bioequivalência dos genéricos são realizados em centros habilitados junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Os consumidores passaram a contar com a oportunidade de comprar medicamentos a preços mais acessíveis e com a garantia de qualidade e intercambiamento. A política de genéricos foi extremamente importante para o serviço público, reduzindo seus custos”, afirma Romano-Lieber.

Em relação à atitude dos médicos frente aos genéricos, a pesquisadora não acredita que hoje eles ainda sejam pressionados pela indústria farmacêutica a não prescreverem genéricos, já que vários produtores de medicamentos de referência produzem genéricos também. “As pessoas confiam em seus médicos e os médicos devem confiar na capacidade do Estado de garantir a qualidade dos genéricos”, avalia.

Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), a venda de genéricos no país aumentou 16,6% em 2005 em relação a 2004. No ano passado, os genéricos movimentaram R$ 529,6 milhões, o que correspondeu a 11,06% da venda total de medicamentos. No Brasil, cerca de 42 indústrias produzem genéricos.

Indústria indiana

A Índia é responsável por 20% da produção mundial de medicamentos genéricos. Cerca de metade de todos os pacientes que dependem de fármacos contra a Aids no mundo utilizam medicamentos produzidos naquele país, devido ao preço mais baixo.

No ano passado, a Índia alterou sua legislação sobre quebra de patentes para se adequar às regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que tornou ilegal a cópia de medicamentos patenteados e gerou aumento de custos para a produção dos genéricos. Assim, os medicamentos indianos agora devem pagar taxas de licenciamento e os fabricantes de genéricos não podem mais combinar fármacos patenteados por indústrias diferentes, prática anteriormente adotada por lá.

A medida preocupa organizações, como os Médicos Sem Fronteiras (MSF), já que dos mais de 60 mil pacientes tratados em seus projetos em 30 países, 84% recebem medicamentos contra a Aids produzidos na Índia.

Casa de madeira é alternativa para moradia social e preservação ambiental

A falta de habitação é um dos grandes problemas sociais do Brasil, sendo que o déficit para a população de baixa renda é estimado em 6,6 milhões de moradias. Uma das dificuldades para a erradicação desse problema é o custo elevado das obras da construção civil, mas a ampliação do uso da madeira de reflorestamento indica uma alternativa para produção de moradias de interesse social.

A falta de habitação é um dos grandes problemas sociais do Brasil, sendo que o déficit para a população de baixa renda é estimado em 6,6 milhões de moradias. Uma das dificuldades para a erradicação desse problema é o custo elevado das obras da construção civil, mas a ampliação do uso da madeira de reflorestamento indica uma alternativa para produção de moradias de interesse social. Por isso, o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Madeira (GIEM), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), está buscando otimizar a industrialização dessas casas com o objetivo de atender famílias que recebem de quatro a dez salários mínimos.

Uma casa modelo de 40m² – com possibilidade de ampliação – está disponível há mais de um ano na universidade e já recebeu diversos visitantes entre pesquisadores, governantes e curiosos. Segundo o professor Carlos Alberto Szücus, coordenador do GIEM, o projeto arquitetônico foi feito com base em pesquisas para prover melhor conforto do que o da realidade daquele público-alvo: “A aceitação da casa tem sido interessante, principalmente, em relação a sua estética e conforto térmico”, afirma.

No momento, o GIEM vislumbra a produção em grande quantidade para atender os conjuntos habitacionais. “Na primeira fase do projeto, a produção das casas ainda era muito artesanal e levava um mês para se construir cada casa, o que deveria ser feito em uma semana”, conta Szücus. Na Alemanha, segundo ele, é montada uma casa de madeira por dia no canteiro de obra. No Brasil, falta investimento em equipamentos automatizados para agilizar a produção em fábrica e, conseqüentemente, diminuir o custo da casa.

Para aprimorar o processo de industrialização das casas, o GIEM trabalha na construção de modelos de tamanho real, em seu laboratório na UFSC, focando a produção de um sistema de ligação e fixação de paredes prontas e a verificação do comportamento destas em relação ao vento. Atualmente, a ligação das paredes é feita no momento da montagem no canteiro de obras, o que leva tempo e até gera perda de material para se conseguir o encaixe e ajuste corretos. O GIEM empenha-se para que este processo seja feito na fábrica, antes das paredes serem levadas ao canteiro de obra, aumentando o grau de industrialização. A idéia é que o aprimoramento da fixação facilite a montagem, seja eficiente e, com isso, reduza gastos com o trabalho na obra.

“Hoje, as paredes de madeira com portas e janelas são produzidas em módulos e levadas prontas para as obras, onde são montadas numa base. A composição dos módulos, com base em projeto arquitetônico pré-estabelecido, é feita na hora, assim como o acabamento dos painéis de madeira”, diz Szücus. “As sugestões do GIEM não implicam em grandes investimentos, mas sim na melhoria da produção em larga escala, através da adaptação das máquinas já existentes na empresa Batistella”, completa, referindo-se à parceira do projeto, que investiu R$ 60 mil reais e planta a árvore pinus – da qual extrai madeira para as casas populares – em 70 mil hectares no Paraná e em Santa Catarina.

As casas de madeira poderão ser oferecidas com um custo competitivo em relação às produzidas pelo sistema convencional em alvenaria. No Canadá, por exemplo, 90% das casas são de madeira. O governo alemão incentiva, através da redução de impostos, a construção dessas casas, que também colaboram para a redução de gastos com energia elétrica com calefação durante o inverno. “No Brasil, apesar de diversas barreiras e preconceitos, em regiões que já utilizam a madeira em trabalhos variados, como é o caso de Santa Catarina, é mais fácil introduzir a idéia, que poderia ser adotada como estratégia do governo”, defende Szücus.

Segundo ele, ainda não há demanda e conhecimento devidamente disseminado sobre essas casas, mas num futuro próximo, a produção será necessária no país. “A utilização de madeiras de floresta plantada já é foco do setor de agronegócio, pois o Brasil tem um clima favorável e extensão territorial propicia à produção deste material de fonte renovável em larga escala, servindo inclusive para diminuir a exploração da mata nativa”, diz. “As madeiras de reflorestamento também podem ser tratadas com produtos químicos para ficarem imunes à proliferação de fungos e bactérias, passando a ter até 50 anos de vida útil sem apodrecimento”, continua. O projeto já recebeu R$ 140 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), através do Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare), além dos investimentos da empresa Battistella.

Mantendo a mata nativa

As casas de madeira, além de serem alternativa para moradia social, também podem colaborar com a preservação ambiental. “O consumo dos bens naturais, desde que plantados em áreas corretas, sem causar danos ambientais, colabora com a conservação das florestas naturais. Mas para isso, a origem do reflorestamento deve ser clara, as árvores não podem ser retiradas de floresta nativa”, diz Marcelo Kammers, analista ambiental do IBAMA. “Muitas vezes, a recuperação é camuflada, as empresas apenas plantam para cortar, sem pensar na criação de um ecossistema”.

Na região explorada pela parceira da UFSC, os projetos de reflorestamento para produção de bens de consumo são fiscalizados pela Fundação do Meio Ambiente (FATMA), órgão ligado ao governo de Santa Catarina. Quando o reflorestamento é feito em áreas aprovadas pela FATMA, é socialmente bem visto, afinal gera empregos, colabora com a produção de bens de consumo e conseqüentemente com a economia da região.

“Porém, fazer da forma correta custa caro, os impostos são altos, é preciso que a região a ser reflorestada, dependendo do tamanho, tenha o licenciamento concedido pela FATMA, o processo é mais demorado, exige diversos documentos. Por isso, muitas empresas agem de maneira incorreta”, alerta Kammers. As pesquisas que envolvem a utilização de madeiras de reflorestamento, portanto, devem considerar a origem e legalidade das madeiras, qual a área utilizada para o reflorestamento e assim revestir-se de importância social, econômica e também ambiental.

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Pesquisa aponta racismo mascarado no sistema jurídico brasileiro

Questões raciais ainda são pouco debatidas no setor jurídico, deixando manifestações racistas impunes no Brasil. Pesquisa realizada na Universidade Federal do Pernambuco revela que existe uma hegemonia branca no sistema jurídico nacional que reproduz práticas e valores que mantém a hierarquia racial da época da escravidão.

O site da agência de notícias Afropress está fora do ar. O motivo? Ataques de crackers racistas que interferem na conexão da agência criada para dar visibilidade às questões raciais. Desde a sua criação em 2004, a agência possui colaboradores voluntários de todo o Brasil que colocam em pauta temas raciais na mídia. Esse tipo de manifestação racista continua impune no Brasil e o tema é pouco debatido no setor jurídico. Pesquisa realizada na Universidade Federal do Pernambuco revela que existe uma hegemonia branca no sistema jurídico nacional que reproduz práticas e valores que mantém a hierarquia racial da época da escravidão.

De acordo com o historiador e autor da tese de doutorado, Ronaldo Sales, existem padrões de decisão nos processos judiciais que facilitam a incriminação e punição quando os réus são negros. Ao mesmo tempo, existe maior impunidade para réus brancos e nos casos de discriminação racial a tendência é a não-punição.

O pesquisador quantificou o número de ocorrências de discriminação racial registradas nas delegacias da região metropolitana no Recife e encontrou que, nos últimos sete anos, dos 160 casos de racismo registrados nas delegacias, apenas 3% foram julgados por esse mérito. Mais de 80% sequer se transformaram em inquérito policial. “A dor da vítima é tida como algo subjetivo, que exclui, marca e segrega, mas os casos são classificados como de baixo potencial ofensivo, e num sistema de justiça moroso, penoso e caro, muitas vítimas acabam abrindo mão do processo”, explica.

Segundo Sales, no Brasil, homicídios e torturas com vítimas negras não são tratados como racismo e há o “fetichismo lingüístico” onde se não há expressão verbal, a lei não caracteriza a intenção de ser racista. O racismo é encarado então como problema de expressão verbal ou um simples mal-entendido entre alguém que ofende e alguém que se ofende. A maior parte dos casos de discriminação racial é tida como injúria qualificada, pois a única forma de saber se um caso é discriminação racial ou não é pela expressão verbal utilizada. “Por isso as denúncias são mais enquadradas no tipo penal da injúria qualificada, não do crime de racismo”, explica o pesquisador.

Racista, eu?

De acordo com o advogado e presidente da ONG paulista ABC Sem Racismo, Dojival Vieira, jornalista e responsável pela agência de notícias Afropress, é preciso acabar com a hipocrisia que ignora o passado brasileiro de 350 anos de escravidão e que ainda conserva uma sociedade onde a raça ainda é um fator prevalente. “Existe no Brasil um racismo invisível, pois as pessoas não o assumem”, diz. Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2003, 87 % dos brasileiros consideram que o país é racista, mas só 4% se assumem racistas.

O Estado brasileiro, nos últimos anos, começou a reconhecer a discriminação racial contra negros, indígenas entre outros grupos sociais e a tomar medidas emergenciais para minimizar o problema. Na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso houve uma política para a formação de diplomatas negros pelo Instituto Rio Branco. Já o atual presidente da República instituiu a lei 10.639/03 que possibilita o ensino de História da África e cultura afro-brasileira na educação básica (ensinos fundamental e médio) e o Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes negros e indígenas egressos de escolas públicas, nas universidades federais, ainda sem adesão por parte de todas as instituições de ensino e não aprovado (leia notícia sobre questão das cotas). Mas ainda faltam políticas públicas para a superação do racismo, afirma Vieira.

Para o historiador e professor da Universidade Federal Fluminense Arthur Soffiati, o racismo está presente em todas as sociedades e está tão impregnado na sociedade brasileira que certas expressões racistas acabam sendo tomadas como naturais. Entre elas a famosa “negro de alma branca”, ou em outro caso, o “serviço de preto”, que desmascaram o racismo. Para o pesquisador, é preciso educar e não radicalizar demais, para não considerar tudo como intenção ofensiva.

O Brasil recebeu mais de quatro milhões de escravos enquanto colônia de Portugal, e foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Porém, só 5,9% da população nacional se declara de cor preta enquanto 42, 1% se consideram pardos, de acordo com os indicadores sociais do IBGE, para o ano de 2005. Juntando-se esses dois grupos étnicos, o país concentra a maioria da população afro-descendente fora do continente africano.

Legislação

A legislação não estabelece uma distinção clara entre racismo e preconceito. A procuradora federal da advocacia geral da união Marizete Nascimento afirma que enquanto o preconceito é uma definição geral para atitudes sem conhecimento prévio da pessoa ou assunto em questão, o racismo seria específico para essas atitudes por motivo de raça.

Já a constituição, através da Lei Caó, afirma que racismo é crime inafiançável, mas não o define. Essa lei é regulamentada no Código Penal por outra lei (7.716), que detalha os possíveis crimes de preconceito e suas punições e trata a ofensa verbal com o mesmo rigor que outros crimes.

O racismo não ocorre apenas contra os negros e já existem no país condenações contra atitudes e manifestações anti-semitas ou indígenas. No país existe uma delegacia de crimes raciais em São Paulo, que não disponibilizou estatísticas desse tipo de crime no Brasil.