Estratégia de empresas aposta no ambientalmente responsável

A biodiversidade alcança crescente relevância não só para equilíbrio e conservação ambiental, mas também como estratégia econômica e política. Nesse contexto, empresas privadas apostam na incorporação de modelos ambientalmente responsáveis, visando vantagens competitivas, inclusive participando de debates e conflitos em torno da legislação de recursos genéticos. Esse foi um dos pontos abordados na pesquisa da bióloga Ana Flávia Ferro, desenvolvida junto ao Instituto de Geociências da Unicamp.

A biodiversidade alcança crescente relevância não só para equilíbrio e conservação ambiental, mas também como estratégia econômica e política. Nesse contexto, empresas privadas apostam na incorporação de modelos ambientalmente responsáveis, visando vantagens competitivas, e participam de debates e conflitos em torno da legislação de recursos genéticos. Esse foi um dos pontos abordados na pesquisa da bióloga Ana Flávia Ferro, desenvolvida junto ao Instituto de Geociências da Unicamp.

Nas quatro empresas nacionais analisadas, Ybios, Natura, Orsa Florestal e Centroflora, a incorporação do desenvolvimento sustentável no uso da biodiversidade é uma tendência cada vez mais forte, principalmente em setores altamente dependentes de matéria-prima advinda da biodiversidade, como fitoterápicos, cosméticos, extratos naturais e manejo florestal.

A Natura, uma das empresas analisadas na pesquisa, é um dos exemplos mais claros dessa forma de atuação no mercado, que relaciona a imagem da empresa com a sustentabilidade. Líder do mercado brasileiro de cosméticos, a empresa responde por 18,9% desse setor e suas vendas cresceram 117% nos últimos três anos. Com relação à legislação de acesso aos recursos genéticos, a Natura foi a primeira empresa privada a ter aprovado, em 2005, um processo no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) relacionado ao acesso a recursos genéticos. Na opinião da pesquisadora, a aprovação deste processo ensinou a empresa a lidar com a legislação e a solicitar autorização para o acesso aos demais recursos utilizados pela empresa.

Na pesquisa de Ana Flávia Ferro, todas as empresas foram contra a forma como a legislação de acesso a recursos genéticos vem sendo implementada no Brasil, embora concordem que se trata de uma legislação necessária para garantir os direitos do país sobre seus recursos. As empresas alegam que muitos conceitos são confusos, não há a diferenciação no tratamento para recursos da fauna nacional e internacional e ainda não há a regulamentação de muitos pontos da medida provisória (MP) 2.186-16, de 2001, dificultando a elaboração de contratos de repartição de benefícios.

De acordo com a pesquisadora, os argumentos das empresas são que as exigências são muitas ao longo do processo, impossibilitando que se faça tudo num curto espaço de tempo. “Elas ainda ressaltam a importância dos prazos no meio empresarial, em que é inviável esperar até dois anos por uma autorização, período em que a empresa poderia estar gerando um produto e colocando-o no mercado. Uma das empresas afirma que já perdeu duas amostras porque ficou esperando autorização para pesquisá-las”, explica ela.

Maria Beatriz Bonacelli, pesquisadora do Instituto de Geociências da Unicamp que orientou a pesquisa, afirma que desde o início de suas atividades, o CGEN vem lidando com esses questionamentos de setores da academia e da indústria sobre os instrumentos legais adotados para fazer valer a legislação: “A burocracia atual de formulários e relatórios é tão grande que muitos cientistas que dependem das autorizações do órgão para trabalhar simplesmente ignoram a legislação”, afirma.

A pesquisa de Ana Flávia Ferro, orientada por Maria Beatriz Bonacelli, foi apresentada como dissertação de mestrado ao Departamento de Política Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências, em fevereiro deste ano. Veja a dissertação na íntegra.

Não regular é argumento inválido

De acordo com Fernando Mathias, advogado do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), a crítica das empresas sobre a legislação de acesso tem, apenas em parte, fundamento: “A MP 2.186-16/01 tem muitas lacunas, e o processo de regulamentação dessas lacunas pelo CGEN se dá em um ambiente de disputa entre ministérios que compõem o conselho, que tem como alvo a nova legislação de acesso e repartição de benefícios, em discussão a portas fechadas na Casa Civil”, explica ele.

Ainda segundo o advogado do ISA, a crítica das empresas perde a razão quando passa simplesmente a sustentar a não-regulação do tema, pois é necessário discutir a repartição dos benefícios derivados do acesso à biodiversidade para fins industriais a toda a sociedade, e isso deve se traduzir em um marco legal. “Obviamente qualquer marco regulatório tem ônus, diante de uma situação de total descontrole sobre o uso e apropriação de recursos genéticos nacional e internacionalmente”, diz ele.

Para o ISA, a legislação atual incorre em muita burocracia, o que dificulta a negociação entre empresas, comunidades e o governo. “A próxima legislação deveria privilegiar mecanismos tributários dirigidos ao setor da bioindústria que pudessem, sem aumentar a carga tributária, canalizar recursos para iniciativas de interesse público, que beneficiem não apenas comunidades diretamente envolvidas na cadeia de produção, mas também revertam em políticas públicas de incentivo à conservação e uso sustentável da biodiversidade”, conclui Mathias.

Para saber mais veja:

Proposta do Ibama para descaracterizar algumas pesquisas científicas como acesso ao patrimônio genético.

Lésbicas reivindicam mudanças na atenção à saúde

Amanhã, 29 de agosto, o movimento lésbico no Brasil comemora o Dia da Visibilidade Lésbica. Uma das bandeiras de luta que mobiliza o movimento é a reivindicação por alterações no atendimento à saúde dessas mulheres. Pesquisadores reconhecem a existência de problemas na forma como o “corpo lésbico” é tratado pelos médicos e reforçam a necessidade de mudanças nas consultas ginecológicas.

Amanhã, 29 de agosto, o movimento lésbico no Brasil comemora o Dia da Visibilidade Lésbica. Uma das bandeiras de luta que mobiliza o movimento é a reivindicação por alterações no atendimento à saúde dessas mulheres. Pesquisadores reconhecem a existência de problemas na forma como o “corpo lésbico” é tratado pelos médicos e reforçam a necessidade de mudanças no atendimento realizado nos consultórios ginecológicos, bem como a extensão dessa discussão por todo sistema de saúde. Acreditam que assim seria possível contribuir de forma mais efetiva para a prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) nessas mulheres. Uma das defensoras dessa posição é a antropóloga Gláucia Elaine Silva de Almeida, que focalizou em sua pesquisa de doutorado os “Percursos do ‘corpo lésbico’ na cena brasileira face à possibilidade de infecção por DST/Aids”, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A pesquisadora da Unicamp Regina Facchini, que foi ao 11º Congresso Mundial de Saúde Coletiva, realizado no Riocentro (RJ) de 21 a 26 de agosto, para tratar do assunto, é enfática ao se posicionar sobre a criação de uma política pública de saúde para as mulheres lésbicas. “Vivemos numa sociedade conservadora, e a área médica também procede de forma tradicional, partindo do pressuposto que a mulher seja heterossexual e se esquece da existência da homossexualidade, o que dificulta uma maior prevenção”, afirma.

A pesquisa realizada por Gláucia Almeida apresenta elementos que fundamentam a discussão, o que era uma tese tornou-se um modelo de política pública de atenção à saúde lésbica. Segundo ela, a anamnese realizada com as pacientes (uma espécie de entrevista que levanta dados das pacientes antes da observação clínica) precisa passar por uma reestruturação, que envolve tanto uma nova orientação para o médico ginecologista quanto para a paciente. Na pesquisa, os médicos entrevistados foram unânimes em afirmar que na relação sexual entre mulheres também há possibilidade de infecção de doenças como hepatite, gonorréia, vaginose bacteriana, dentre outras. Embora conscientes disso, a maioria dos médicos não leva em consideração o lesbianismo durante a anamnese.

O despreparo técnico do médico é outro ponto levantado pela pesquisa. Os médicos entrevistados criticaram a formação médica, apontando para a necessidade de maior diálogo com as pacientes, para ouvir as questões sexuais da mulher. “A participação deste profissional de forma adequada vai contribuir para reduzir o preconceito, mas para isso, ele precisa ter informação de como agir e aprender com elas que precisam ter atitude de se abrir”, avalia Gláucia Almeida. O tocoginecologista e professor na Unicamp, Aarão Mendes Pinto Neto, concorda com as conclusões do estudo. “Há deficiência na formação médica neste quesito da sexualidade, que precisa ser colocado em discussão”, opina ele.

Regina Maria Barbosa, do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, também critica a falta de conhecimento dos profissionais. “Os serviços de saúde não preparam seus profissionais para um atendimento adequado. Dessa forma, a qualidade com a atenção feminina tende a ser mais precária, não abrangendo o público lésbico. Falta uma proposta de prevenção para estas mulheres”, enfatiza. A pesquisadora, junto com Regina Facchini, elaborou um Dossiê sobre a saúde das mulheres lésbicas, sob encomenda da Ong Rede Saúde. Contudo, os cientistas são unânimes em afirmar que não há dados sobre o universo lésbico, nem ao menos um subsídio epidemiológico. “A falta de reconhecimento é um problema em potencial, pois sem estudos não há investimento sério neste segmento”, diz Gláucia Almeida.

Visibilidade nacional

Organizações civis dirigidas ao público homossexual feminino, como o Movimento Lésbico de Campinas (Moleca), e ações do Ministério da Saúde (MS), por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, têm contribuído para aumentar a visibilidade lésbica. A organizadora da III Mostra de Arte Lésbica (evento amplo para apresentar e discutir o cenário lésbico, por meio de fotografias, arte cênica e audiovisual) e coordenadora do Moleca, Maria Amélia, vê com entusiasmo estas ações isoladas. “É uma forma de trazer um pouco da nossa vida, também abrirmos a discussão para a comunidade e reduzir o preconceito”, reflete.

Estes tipos de movimentos e as iniciativas do MS são considerados válidos pelos cientistas políticos para a visibilidade homossexual feminina. Entretanto, advertem que essa discussão precisa ser estendida aos gerentes e gestores dos serviços, bem como aos profissionais dos serviços de saúde. “A capacitação é um caminho, o outro, é aumentar a visibilidade da homossexualidade feminina através da disseminação de informações”, diz Regina Barbosa.

Gláucia Almeida ressalta, ainda, que a cartilha específica para Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros (GLBT), “Chegou a hora de cuidar da saúde”, elaborada pela área técnica da Saúde da Mulher em parceira com o Programa Nacional de Hepatites Virais e o Programa Nacional de DST/Aids do MS, ainda precisa ser aprimorada. “É preciso desenvolver um material específico para atender a demanda”, observa. Apesar da maioria dos profissionais da saúde partir do pressuposto da heterossexualidade da mulher, “a clandestinidade da mulher homossexual é dos grandes problemas para sua visibilidade. Elas preferem se expor o menos possível para evitar a revelação de sua opção sexual. Acho que essa postura precisa começar a mudar por algum ponto, a saúde pode ser um primeiro”, avalia a antropóloga.

Legislação avança no combate à violência doméstica

Entrará em vigor este mês a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Além de endurecer o tratamento e a pena imposta aos agressores, a lei reconhece, de forma inédita, que a violência contra a mulher pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo, em relacionamentos homossexuais, e em quaisquer casos onde haja vínculos afetivos entre a vítima e o agressor, não importado se moram juntos.

Entrará em vigor este mês a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ou “Lei Maria da Penha”, sancionada no dia 07 de agosto pelo presidente Lula. Além de endurecer o tratamento e a pena imposta aos agressores, a lei reconhece, de forma inédita, que a violência contra a mulher pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo, em relacionamentos homossexuais, e em quaisquer casos onde haja vínculos afetivos entre a vítima e o agressor, não importado se moram juntos.

Os agressores deixarão de receber penas consideradas brandas em relação aos danos causados, como o pagamento de multas e cestas básicas. Agora o processo, o julgamento e a execução das causas criminais e cíveis, decorrentes da violência contra a mulher, seguirão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil, e também do Estatuto da Criança e do Adolescente, e do Estatuto do Idoso, quando convier. É a primeira vez que o país conta com uma Lei específica sobre a violência contra a mulher que estabelece quais são estas formas de violência (físicas, psicológicas, sexuais, patrimoniais e morais).

O Projeto de Lei de Conversão (PLC) 37/2006 é o resultado final de um projeto enviado pela ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, ao Congresso Nacional em 25 de novembro de 2004. Fruto de um longo processo de elaboração a “Lei Maria da Penha” leva este nome em homenagem à Maria da Penha Maia, 60, três filhas, hoje líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da violência doméstica. Em 1983, seu ex-marido, professor universitário, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez atirou contra ela, e na segunda tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou tetraplégica. Nove anos depois seu agressor foi condenado a oito anos de prisão. Por meio de recursos jurídicos, ficou preso por dois anos. Solto em 2002, hoje está livre.

O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. Hoje, Penha é coordenadora de estudos da Associação de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará. Estava presente à cerimônia da sanção da lei junto aos demais ministros e representantes de movimentos feministas.

A nova Lei reconhece a gravidade dos casos de violência doméstica, e retira dos juizados especiais criminais (que julgam crimes de menor potencial ofensivo) a competência para julgá-los. Em artigo publicado em 2003, a advogada Carmem Campos apontava os vários déficits desta prática jurídica, que, na maioria dos casos, gerava arquivamento massivo dos processos, insatisfação das vítimas, e banalização da violência doméstica.

Deverão ser criados juizados especiais específicos para cuidar dos casos de violência contra a mulher, com competência para resolver não apenas as questões criminais, mas também as cíveis, relativas às questões do direito de família – como a separação, pensões, divisão dos bens comuns, e a guarda dos filhos.

Expectativa de mais denúncias

A Lei reserva um capítulo específico para o atendimento policial às mulheres vítimas de violência. A polícia facultará à vítima a proteção necessária, o encaminhamento a atendimento médico e ao Instituto Médico Legal (para exames de corpo de delito), o transporte a abrigos seguros em caso de risco de morte, o acompanhamento para a retirada de seus pertences de sua casa, e o acesso à informação sobre seus direitos e aos serviços de reparação disponíveis. A mulher passará a ser notificada de todas as etapas processuais, especialmente das datas de ingresso e de saída do agressor da prisão.

Uma vez feita a denúncia, a mulher só poderá desistir do processo perante o juiz, e não mais na própria delegacia. E, ao contrário do que acontece atualmente, não mais poderá entregar pessoalmente as intimações judiciais ao seu próprio agressor. A nova Lei prevê que em todas as audiências a mulher esteja acompanhada de advogado ou defensor habilitado. O agressor poderá ser preso em flagrante e sua prisão preventiva poderá ser decretada pelo juiz, quando houver riscos à integridade física ou psicológica da vítima. Alterando a Lei de Execuções Penais, a nova Lei permitirá ao juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação comportamental.

Em entrevista, Cristina Salek, advogada do SOS Mulher de Campinas, manifesta esperanças de a nova lei estimule o aumento de denuncias. A dificuldade em denunciar dá-se, na maioria das vezes “por medo, por tentar ‘dar mais uma chance ao agressor’, ou mesmo por este zombar dizendo que não seria punido”, explica.

Para a historiadora, Cláudia Costa Guerra, que atua como coordenadora do SOS Mulher e Família de Uberlândia (MG), a lei inova por tentar cercar vários outros aspectos ainda não abarcados pela legislação atual. “Pois há que se atentar sempre para a complexidade deste tipo de violência, onde o agressor é próximo, e priva da afetividade e intimidade da vítima.” O que se observa, muitas vezes, é um “ciclo de violência, onde a mulher que apanha denuncia, mas, em seguida, volta a ficar em lua-de-mel com o agressor”. Em sua opinião com a nova lei “a mulher poderá ser ’sujeito’ de sua própria história, já que não apenas comportamentos terão de ser modificados, mas também mentalidades”. Segundo a historiadora, apenas um terço das vítimas denuncia seus agressores.

A relutância em denunciar a violência sofrida é explorada, em artigo, por Heleieth Safiotti. “Na maioria das vezes, quando a mulher procurava uma delegacia da mulher, na verdade, esperava que a delegada desse uma ‘prensa’ em seu marido agressor, a fim de que a relação pudesse se estabelecer em novas bases (leia-se harmoniosas)”, diz. Vários são os fatores elencados pela socióloga que levam as mulheres a este comportamento. A falta de autonomia financeira, afetiva, e perante seu grupo social, familiar e religioso, fazem com que a mulher vítima da violência ande sempre no fio da navalha, oscilando entre atitudes de repúdio e de conformação com sua própria situação.