Lançada cartilha sobre DST/Aids para indígenas

Lançada no último dia 31 no Mato Grosso do Sul uma cartilha sobre doenças sexualmente transmissíveis e Aids em linguagem da etnia kadiwéu. O objetivo da publicação é incluir os indígenas na prevenção de doenças respeitando-se as diferenças culturais.

Um novo instrumento para educação indígena foi lançado no último dia 31 no município de Porto Mortinho (MS). É a cartilha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis (DST) e Aids com informações na linguagem da etnia kadiwéu e em português. O objetivo da publicação é formar e instruir a população para incluir os indígenas na prevenção de doenças respeitando-se as diferenças culturais.

A idéia de se criar uma cartilha em Kadiwéu surgiu há dois anos, em uma oficina promovida pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), onde a comunidade indígena produziu textos e desenhos sobre essa temática. Para a primeira edição da cartilha, 500 exemplares, com 20 páginas foram encomendados, mas segundo o presidente do órgão, Paulo Lustosa, é apenas um primeiro incentivo para que mais cartilhas sejam produzidas para as diferentes etnias brasileiras. “É preciso valorizar o indígena, tanto nas tribos com grande população como nas aldeias menores”, afirma. A comunidade Kadiwéu vive na aldeia Alves de Barros, na região do Pantanal numa área de mais de 500 mil hectares e é formada por 1196 índios – a grande maioria não fala português.

No Brasil existem mais de 400 mil índios com 180 línguas diferentes. A Funasa não possui o perfil de DST/Aids para cada etnia, somente por estado e, mesmo assim, ainda está sendo atualizado e não pode ser divulgado. A omissão dessa informação é justificada como medida preventiva para evitar conflitos dentro dos próprios grupos indígenas. “Caso uma tribo fique sabendo o número de doentes, pode suscitar atitudes violentas para com os portadores do vírus HIV, causador da Aids”, relata o assessor de imprensa da Funasa Rodrigo Oliveira. Por isso, investir em uma campanha padrão para todo o Brasil, pode não surtir o mesmo efeito, já que cada povo – e no país são mais de 200 – reage e entende a doença de uma maneira. Oliveira afirma, no entanto, que no Mato Grosso do Sul existem 15 indígenas portadores do vírus da Aids, que recebem coquetel antiretroviral e assistência médica gratuita. Só o índio infectado sabe do seu estado de saúde, e é ele quem decide contar ou não ao resto do grupo.

Outras iniciativas

A cartilha da etnia Kadiwéu em breve estará disponível no site da Funasa, mas não é o primeiro material produzido e traduzido para o público indígena. Em 2005, os Guaranis do Mato Grosso, filmaram e editaram vídeos sobre doenças sexualmente transmissíveis em sua própria língua e com legendas em português.

O estado do Rio de Janeiro também tem iniciativas para a educação indígena. Desde 1999, a Funasa em parceria com o governo do estado e municípios faz oficinas para formar agentes de saúde dentro das próprias etnias. Na região de Parati e Angra dos Reis, por exemplo, existem cerca de 700 índios distribuídos em cinco aldeias da etnia Guarani-mybiá. De acordo com a pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, Diana Marinho, as populações indígenas têm conhecimento sobre as doenças sexualmente transmissíveis e, de forma geral, as tratam com ervas. “Os índios, em constante contato com o homem não-índio, como é o caso da etnia Guarani-mybiá, estão sujeitos a doenças que são tratadas com medicamentos e é preciso conscientizá-los disso”, diz Marinho. Eles planejam também produzir uma cartilha e, atualmente, fazem trabalhos de saúde, como a orientação das mulheres do grupo sobre os cuidados na amamentação e higiene pessoal.

Jane Portela, técnica de prevenção de DST/Aids no estado do Rio de Janeiro, explica que existem muitos tabus dentro dos Guarani-mybiá. As mulheres têm dificuldade em expressar qualquer problema relativo à sexualidade para o ginecologista (que na maioria dos casos precisa ser mulher). Entre os membros dessa etnia ainda não há nenhum caso de Aids, mas a equipe fez um trabalho de ressignificação do tema para os índios, que nomearam os fatores de risco para o contágio de “armadilhas”. “É importante a criação de materiais educativos com eles, e não para eles, para que se atinja a perspectiva do indígena e se obtenha maior aceitação do material e das campanhas preventivas”, enfatiza Portela.

A previsão é que no próximo bimestre seja lançado um material com ilustração fotográfica relacionada a DST/Aids para os indígenas. Até o fim do ano a Funasa lançará outras cinco cartilhas em português elaboradas pelo cartunista Ziraldo, sobre educação e saúde com temas que abordam a questão do lixo, conservação das nascentes dos rios, saúde bucal e saneamento ambiental.

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Expedição inicia estudo em afluente do Solimões

Pesquisadores do Brasil e de outros seis países partiram em expedição esta semana pela Bacia Acre-Purus, na região amazônica, para estudar formas de gestão dos comitês de recursos hídricos. A proposta é analisar a interdependência entre as comunidades e água e propor alternativas de gestão integrada que garantam a sustentabilidade sociambiental.

Pesquisadores brasileiros, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e da Universidade de São Paulo (USP), junto com especialistas da Bolívia, Chile, Colômbia, França, Holanda e Inglaterra, partiram nesta segunda-feira, dia 04 de setembro, em uma expedição que percorrerá cerca de 3.000 km, da Bacia Acre-Purus. Levam na bagagem o Projeto “Governança das Águas do Rio Purus”, que pretende avaliar como acontece a interdependência entre as comunidades e os recursos hídricos e propor formas de gestão integrada que garantam a sustentabilidade socioambiental. Os estudos focalizam o Comitê de Bacia do Rio Purus, último grande afluente da margem direita do rio Solimões (Amazonas), que segue a direção sudoeste-nordeste.

O rio Purus tem sofrido grande ação antrópica decorrentes de atividades como a pesca, caça, exploração madeireira e agricultura familiar. Conforme dados da Ong Ambiente Brasil, aproximadamente 40% do desembarque pesqueiro da cidade de Manaus, por exemplo, é proveniente de seus lagos de várzea. Nas margens do Purus existe ainda a Reserva Biológica do Abufari e a Reserva de Desenvolvimento sustentável do Piagaçu-Purus (ambas no Amazonas) e a Floresta Estadual do Chandless (Acre).

Segundo o coordenador do projeto pela Fapesp, Ademar Ribeiro Romeiro, do IE da Unicamp, apesar de existirem muitos estudos sobre o assunto a situação da região é pouco conhecida. Nesse sentido, “um levantamento da situação local permitirá avaliar as pressões existentes sobre o meio ambiente, seu estado, impactos e respostas da sociedade. Além de contribuir com a elaboração de políticas públicas para melhoria do local e formação de gestores”. A idéia é que o plano resultante das pesquisas possa servir de modelo para os países envolvidos. Entre eles, apenas o Brasil e a França adotam o sistema de Comitês de Bacias, onde há gestores, nos demais a gestão dos recursos hídricos é feita pelas prefeituras e estados, comenta Romeiro.

O plano inclui a criação de um curso de especialização voltado para membros de comitês de gestão de água, funcionários de autarquias, e outros profissionais envolvidos com a área. De acordo com Romeiro, a elaboração do curso está prevista para março de 2007 e sua implementação para 2008. “O projeto prevê ainda abertura para estudantes envolvidos, com intercâmbios de bolsistas, com bolsa-sanduíche para a França, Bolívia e Colômbia, que estão ligadas diretamente”, diz.

A expedição conta hoje com 15 pesquisadores das seguintes universidades: Enfref (França), USP, Unicamp, Varrigne (Holanda), Greenwich (Inglaterra), Conception (Chile), Boliva (Bolívia) e Universidad Nacional da Colômbia. Eles farão um reconhecimento do local e coleta de dados até o dia 9 deste mês. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Comunidade Econômica Européia (CEE).

Jornalismo científico cresce, mas dilemas permanecem

Começa no dia 6 de setembro o XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), em Brasília. Entre os diversos segmentos jornalísticos que serão debatidos, está o jornalismo científico. É um momento importante para a reflexão sobre produção, formação e institucionalização da área no país.

Começa no dia 6 de setembro o XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom), em Brasília. Entre os diversos segmentos jornalísticos que serão debatidos, está o jornalismo científico. É um momento importante para a reflexão sobre produção, formação e institucionalização da área no país.

De acordo com o jornalista e professor das Universidades Metodista e USP, Wilson da Costa Bueno, o jornalismo científico no Brasil passa por um momento de expansão. “Tanto o número de publicações como o interesse por parte do público vem aumentando”, diz. Para Bueno, diferente do que aconteceu na década de 1980, quando houve um rápido crescimento do jornalismo científico seguido de um retrocesso, atualmente há um crescimento gradual e sólido.

“Nos anos 80, o jornalismo científico virou moda e muitas revistas rapidamente aumentaram suas tiragens. Depois do modismo, já nos anos 90, houve uma estagnação, resultando inclusive no fechamento de alguns veículos”, diz. Bueno lembra que a maioria dos grandes jornais do país possuía cadernos semanais sobre ciência, que depois foram reduzidos a poucas páginas ou desapareceram.

Segundo Bueno, agora o jornalismo científico no Brasil volta a ocupar mais espaço nos grandes veículos, mas de uma forma ainda tímida, longe do que ele considera suficiente. “Por outro lado, o surgimento de revistas especializadas ajuda na solidificação do mercado nessa área”, reforça Bueno. Dois bons exemplos são as versões brasileiras das revistas Scientific American e Astronomy.

O presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), Ulisses Capozoli, também acredita que há um pequeno crescimento do espaço ocupado pelo jornalismo científico na mídia e chama a atenção para um outro fato: esse crescimento reflete o aumento da própria produção científica no Brasil. Para Capozoli, tanto o poder público, como a iniciativa privada passaram a apostar na ciência como forma de construção de conhecimento. Para se ter uma idéia, o número de artigos de cientistas brasileiros publicados em periódicos indexados pela base de dados do Institute for Scientific Information (ISI) triplicou em 12 anos. A produção passou de 3.552 artigos em 1990, número que representava 0,64% da produção mundial, para 11.285 em 2002, o que equivalia a 1,55%. Em termos mundiais ainda é um número modesto, mas indica uma tendência de crescimento. O país pulou da 28ª posição no ranking mundial, em 1980, para a 17ª posição em 2000, segundo dados do ISI. “O aumento da produção científica gera demanda por informações qualificadas e por isso o jornalismo científico vai ganhando espaço”, diz Capozoli.

Bueno acredita que esse interesse em ciência por parte do público é percebido também em outros meios como o mercado de livros. “O crescimento do número de livros e de editoras que lançam coleções destinadas à ciência vem aumentando nos últimos anos”, afirma. Além disso, Bueno chama a atenção para o espaço na internet. “Muitos institutos de apoio à pesquisa viram na internet um meio de divulgar suas produções”, diz.

Esse outro aspecto, a preocupação da comunidade científica em divulgar o que produz, também sofreu mudanças nos últimos anos, de acordo com Bueno. “As universidades e os centros de pesquisas perceberam que precisavam democratizar o conhecimento científico, até por uma questão de legitimação”, afirma. “Mas ainda assim estamos longe do ideal”.

Formação e produção deixam a desejar

Apesar de elogiar o pequeno crescimento de espaço na mídia, Capozoli faz críticas à forma como o jornalismo científico é produzido. De acordo com ele, há um legado positivista que reduz e simplifica a ciência. “O positivismo que influenciou e ainda influencia a própria produção científica expandiu-se para o jornalismo”, afirma. Ele cita como exemplo as notícias sobre o mapeamento genético, que traziam previsões de resolução de muitos problemas de saúde a partir de seu desfecho. “O mapeamento foi feito e as questões permaneceram, não há soluções fáceis na ciência”, argumenta ele.

De acordo com Capozoli, o esquema normatizado do positivismo quando aplicado ao jornalismo científico pode dar a ilusão de que a ciência traz respostas rápidas e imediatas. “Muitos veículos de comunicação seguem essa lógica, mas ao mesmo tempo, outros veículos estão superando isso, da mesma forma que a produção científica”, diz.

Já a jornalista da agência de Jornalismo Científico Notisa, Ilana Polistchuck, diz que em muitos casos a escolha das pautas segue critérios que não os da importância científica. “Às vezes um assunto ganha espaço somente porque é novidade, mesmo que não traga informações realmente relevantes, em detrimento de outro mais importante do ponto de vista científico”, afirma.

Capozoli também critica a falta de formação de qualidade dos profissionais da área. “O jornalista especializado em ciência precisa ter formação intelectual e são poucos os cursos que oferecem isso”, afirma. Bueno também acha que a formação fica a desejar, “a maioria dos cursos superiores não possuem nem disciplinas sobre jornalismo científico, quanto mais cursos específicos”, diz.

Dilema entre crescimento na área e institucionalização

O Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico, que acontece a cada dois anos, deveria ser realizado esse ano, mas a ABJC decidiu adiar para o início do ano que vem (ainda sem data definida). Segundo Capozoli, o motivo do adiamento é a falta de verba para realização do evento. “Como a ABJC não tem verba própria temos que captar em outras instituições e isso dificulta e burocratiza o processo”, afirma.

Capozoli diz ainda que a instituição não está realizando todas as atividades que deseja porque todos os membros precisam se dedicar muito tempo a outros trabalhos sobrando pouco tempo para a ABJC. Para Bueno, que já foi presidente da ABJC, esse tipo de situação cria um descompasso entre o pequeno aumento de espaço do jornalismo científico na mídia e a instituição que representa o segmento.