Seminário discute a teoria de Milton Santos

Entre os dias 20 a 22 de setembro foi realizado o Seminário 10 anos do livro A natureza do espaço – legado e desafios para a prática e a teoria geográfica, na USP. Para os participantes do evento, a contribuição mais importante, e também mais polêmica, do livro de Milton Santos é a definição de espaço geográfico.

Entre os dias 20 a 22 de setembro foi realizado o Seminário 10 anos do livro A natureza do espaço – legado e desafios para a prática e a teoria geográfica, na Universidade de São Paulo (USP). Para os participantes do evento, a contribuição mais importante, e também mais polêmica, do livro de Milton Santos é a definição de espaço geográfico; que, para o geógrafo, é um conjunto indissociável, contraditório e solidário, de sistemas de objetos e de ações.

Essa definição de espaço retira do centro a idéia de que a geografia estuda apenas as formas materiais e dá força às intencionalidades nos processos de produção do espaço. Para Maria Laura Silveira, professora de geografia da USP, o conceito de Santos permite pensar que o espaço geográfico é um conjunto de coisas materiais, mas que também é feito de formas normativas, leis, códigos e normas das empresas. “Esse meio geográfico é feito de formas culturais, costumes, discursos e ideologias, ou seja, não é apenas palco das ações. Ele também é ação cristalizada em formas materiais, normativas e culturais, permanentemente recriadas, reformuladas e revivenciadas”, analisa.

No entanto, existem outros pontos de vistas, contrários a essa definição. Um deles afirma que o objeto de estudo da geografia não é o espaço geográfico, mas a espacialização das relações sociais. Segundo essa teoria, o espaço não pode ser ação, ou seja, é apenas materialidade, composto de formas materiais pretéritas e presentes, ao contrário do que afirma Milton Santos.

A análise do espaço nos dias de hoje

No último dia de debates, a mesa redonda “Desafios atuais para a pesquisa e a teoria da Geografia” contou com a presença do economista Ladislau Dowbor e a geógrafa Maria Laura Silveira. Em sua fala, Dowbor, do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), lembrou que Milton Santos é um dos poucos intelectuais brasileiros de alcance internacional, recomendado e lido em qualquer Universidade da Europa, ás vezes, muito mais do que no próprio Brasil. “Ele desenvolveu estudos e chegou a uma proposta de como articular os diversos elementos do território [sociedade, economia, meio ambiente]”. Dowbor chamou a atenção para a raridade de estudos desse tipo no Brasil. “Na economia, nós estudamos as taxas de juros, as taxas de câmbio, preços, etc., mas as dimensões estruturais e as articulações possíveis pelo território intervêm pouquíssimo. Não é possível uma compreensão da economia sem a introdução da dimensão territorial”, afirma.

Ladislau Dowbor (à esquerda) e Maria Laura Silveira, debatem a teoria de Milton Santos. Foto: Thais Parolin

Uma análise atual do espaço geográfico, na opinião de Silveira, é preciso estudar o desenvolvimento da técnica e sua elevação ao status de algo absoluto. A técnica, segundo Milton Santos, não existe sem seu par histórico, a política, independente do período que estamos analisando. Talvez nesse sentido ele tenha escrito que “a geografia é uma filosofia das técnicas”.

Para Silveira, no período atual, a técnica e a política são elementos que ganham dimensões nunca vistas antes. “Uma técnica planetária, porque direta ou indiretamente, está presente em todos os lugares: dos macrossistemas técnicos, como as grandes redes de infra-estrutura; aos microssistemas técnicos, embutido em pequenos aparelhos que hoje carregamos conosco”, explica. Já a política planetária unifica, por meio de ações precisas e pragmáticas, esses macrossistemas técnicos ao criar órgãos supranacionais, normas mundiais, ou quando deixa as grandes corporações à vontade para ocuparem os países.

O seminário foi organizado pelos alunos do Laboratório de Planejamento Territorial e Ambiental e Geografia Política (Laboplan-USP) do Departamento de Geografia da USP. Teve como objetivo principal discutir e dar continuidade ao trabalho iniciado pelo geógrafo Milton Santos (1926 – 2001). Os três dias do evento estavam centralizados no conjunto de conceitos do livro A natureza do espaço, cujo subtítulo é Técnica e Tempo. Razão e Emoção. Outras preocupações que Milton Santos tranformou em livros – Rugosidades, Periodização e aceleração contemporânea: Por uma geografia do tempoObjetos e ações no terceiro mundo hoje; e Desafios atuais para a pesquisa e a teoria em Geografia – também movimentaram as mesas redondas dos dias 21, 22 e 23, respectivamente.

A teoria da geografia presente no livro A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção é o resultado de décadas de pesquisa do geógrafo. O livro teve um longo processo de redação. Escrito na década de 1990, período em que o território brasileiro se caracterizou por ser “o território nacional da economia internacional”, traz uma nova teoria em geografia humana para entender os processos de produção e organização espacial. Em 1994 Milton Santos recebeu uma bolsa para pós-doutores da Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e , em 1995, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nesses anos ele se retirou para os EUA e depois para a França, onde pôde estruturar o que chamou mais tarde de “teoria geográfica da sociedade”.

Combate ao trabalho escravo avança no Brasil

A pedido da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o jornalista Leonardo Sakamoto pesquisou e produziu um relatório sobre o trabalho escravo no Brasil. Recém publicado, “Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI”, traz um levantamento do assunto no país, detecta locais onde a situação é mais grave, e aponta caminhos para a erradicação desta prática ilegal.

Combater o trabalho escravo no Brasil: esse é o principal objetivo da publicação “Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI”, produzida pelo jornalista Leonardo Sakamoto a pedido da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Através de um levantamento do assunto no país, o estudo não só detecta os pontos onde a situação é mais grave, como aponta alguns caminhos para a erradicação deste tipo de atividade.

De acordo com Sakamoto, estima-se que 25 mil trabalhadores sejam submetidos todos os anos como escravos em território nacional. “O reconhecimento da existência do trabalho escravo já é um grande passo. Demorou muito tempo para o Estado e a sociedade reconhecerem o fato”, diz. Só a partir disso é que foram criadas instituições formais de combate à escravidão, como o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).

Segundo Sakamoto, o aliciamento de trabalhadores é feito por intermediários chamados de “gatos”. Em geral, a abordagem acontece em regiões distantes de onde o trabalho será realizado e as promessas de salários são boas. As pessoas que aceitam a proposta são transportadas, na grande maioria das vezes, em condições precárias e sem segurança. Em muitos casos, o “gato” chega a oferecer um adiantamento de salário para quem precisa.

Quando chegam à fazenda onde irão trabalhar, as pessoas percebem que a situação é diferente da prometida. Os trabalhadores são avisados que estão devendo dinheiro ao dono da terra referente ao adiantamento, ao transporte e à alimentação feita durante a viagem. “Além disso, as pessoas precisam arcar com as despesas de equipamentos necessários ao trabalho, como facões, foices e motoserras”, afirma Sakamoto. Além disso, grande parte das fazendas são distantes das cidades, e os trabalhadores são obrigados a comprar produtos comercializados pelo dono da propriedade. “Com essas condições a dívida de cada um aumenta cada vez mais”, completa. Mesmo que o trabalhador desista do emprego, ele só é autorizado a sair quando a dívida for zerada.

A incidência de trabalho escravo é maior, de acordo com o levantamento feito, nas regiões de fronteira agrícola e é utilizado em atividades agropecuárias. O problema atinge diversos estados do país, mas segundo Sakamoto a situação é pior no Pará. Entre 1995 e 2005, 6 mil pessoas foram libertadas da escravidão no estado. No Brasil todo, no mesmo período, foram libertadas quase 18 mil pessoas. O jornalista argumenta que a região de fronteira agrícola da Amazônia alia grandes propriedades agrícolas com altas taxas de desemprego, situação que favorece o surgimento do trabalho escravo.

De acordo com Sakamoto, o Brasil está obtendo bons resultados no combate ao trabalho escravo, mas ressalta que ainda há muito o que ser feito. “Apesar de eficiente, é um combate incipiente. Precisamos avançar muito”, diz.

Caminhos para erradicar o trabalho escravo

O relatório aponta 5 medidas que podem auxiliar instituições e governo no processo de erradicação da escravidão. O primeiro ponto é a ampliação da estrutura de combate, tanto no que diz respeito ao repasse de verbas, quanto na contratação de pessoal como auditores, policiais e procuradores. Além disso, o relatório sugere uma integração entre os diversos órgãos envolvidos para agilizar as ações.

O segundo ponto é a modificação da legislação vigente com o agravamento das penas para quem pratica esse crime. Um das medidas sugeridas é o confisco de terras onde o trabalho escravo acontece. Além disso, é necessário uma definição sobre a competência de julgamento, se ficará a cargo da instância estadual ou federal.

O terceiro ponto é o fortalecimento da informação com o objetivo de sensibilizar a opinião pública. Sakamoto ressalta que as campanhas existentes não atingem o trabalhador rural, que é a potencial vítima desse tipo de crime. “As campanhas precisam informar esses trabalhadores”, afirma.

O quarto ponto é reforçar os meios de repressão e combate ao trabalho escravo. Um das medidas sugeridas é o fornecimento de transportes mais eficientes para os grupos móveis que agem em regiões distantes. Outra sugestão é a ampliação da “lista suja”, que é usada para cortar créditos de financiamentos de fazendeiros que tenham envolvimento com trabalho escravo. O quinto e último ponto é a prevenção ao trabalho escravo. Nesse item estão inclusos projetos de geração de emprego e renda nas áreas de alto índice de trabalho escravo.

Pesticidas detectados em refrigerantes da Coca e PepsiCo

Três anos após revelar a presença de resíduos de pesticidas em refrigerantes na Índia, a ONG Centre for Science and Environment (CSE) repetiu os estudos e ratificou a denúncia. Ao testar, neste ano, 57 amostras de 11 marcas de produtos da Coca-Cola e da PepsiCo, de indústrias de 12 estados indianos, a CSE identificou que todas as amostras continham resíduos de três a cinco diferentes tipos de pesticidas.

Três anos depois de revelar a presença de resíduos de pesticidas em refrigerantes na Índia, a organização não-governamental Centre for Science and Environment (CSE) repetiu os estudos e ratificou a denúncia. A CSE divulgou testes feitos este ano com 57 amostras de 11 marcas de produtos da Coca-Cola e PepsiCo, de indústrias situadas em 12 estados indianos. Todas as amostras continham resíduos de três a cinco diferentes tipos de pesticidas. Em média, o nível de resíduos era 24 vezes superior ao estabelecido como “normal” pelo Bureau of Indian Standards (BIS), órgão de padronização e normatização do país.

Um dos problemas é que a padronização do BIS para refrigerantes, embora estabelecida, ainda não foi oficialmente implementada no país e, por isso, não precisa ser formalmente respeitada. A CSE afirma ter realizado esses testes novamente para mostrar que, a despeito da denúncia de 2003, nada mudou quanto ao assunto no país – principalmente por omissão dos órgãos competentes, como o BIS e o Ministério da Saúde. O alvo da pequena, porém influente ONG, não é a Coca ou a Pepsi, mas sim o governo e sua falha em proteger a saúde pública, segundo avaliação da revista The Economist.

O estudo levou o governo do Estado de Kerala, no sul da Índia, a proibir a produção e a comercialização dos produtos das duas empresas – fechando um mercado potencial de 30 milhões de clientes. Outros estados impuseram sanções parciais, proibindo a venda de refrigerantes da Coca e da Pepsi em escolas, universidades, hospitais e estabelecimentos públicos.

Em meio a tudo isso, o subsecretário de Comércio Exterior dos EUA, Franklin Lavin, enviou uma carta ao secretário de comércio da Índia, expressando a confiança de que o governo da Índia trataria as companhias de cola de maneira justa. Desta forma, deixou subentendido o recado dos norte-americanos, que aparentemente estão prontos para retaliações. Cedendo à pressão, o Ministro da Saúde da Índia divulgou o resultado de novas análises, as quais não encontraram resíduos de pesticidas nas duas garrafas de refrigerantes testadas. A CSE desqualificou fortemente os testes “oficiais” realizados numa amostra tão pequena.

As multinacionais processaram o Estado de Kerala e pediram à Justiça que decretasse a inconstitucionalidade do embargo, que foi suspenso no dia 22 de setembro, quando a Corte indiana atendeu ao pedido das companhias. Nos outros estados, a restrição às vendas de refrigerantes continua vigorando. Especula-se que, agora, o Estado de Kerala processará a Coca e a Pepsi por danos à saúde pública.

Além da briga em torno dos pesticidas, há anos fábricas da Coca-Cola são acusadas de serem responsáveis pela escassez e deterioração da qualidade da água no local onde estão instaladas. Inclusive, há no Estado de Kerala pelo menos uma unidade proibida de operar por este motivo. É uma batalha que parece longe de terminar.

A Coca e a Pepsi, que juntas detêm 95% do mercado indiano de refrigerantes, encamparam medidas para amenizar os danos à imagem provocados pelas denúncias e embates com a CSE, por sua vez apoiada por outras organizações que engrossaram as críticas às multinacionais. Por exemplo, as multinacionais encomendaram análises de seus produtos a renomados institutos de pesquisa – como fez a Coca ao Central Science Laboratory, do Reino Unido -, se reuniram com representantes do governo indiano para longas conversas e realizaram coletivas para a imprensa, além de gastarem muito com anúncios publicitários em jornais e na TV. Esses atestavam a segurança dos refrigerantes para a saúde humana e indicavam que o nível de pesticidas em seus produtos é inferior ao permitido, sendo menor que os encontrados em outros alimentos, como chás, frutas e produtos lácteos. Mesmo assim, as vendas caíram no mínimo 10% imediatamente após a implementação das sanções.

Sobre os pesticidas, a Coca-Cola India afirma em nota que os refrigerantes são produzidos no país com o mesmo nível de pureza que a água engarrafada na União Européia – critério tido globalmente como o mais exigente do mundo. A companhia informa ainda que seus processos industriais são iguais em todas as partes do globo e incluem mais de 400 testes de qualidade de materiais. A Pepsi, por sua vez, disse que obedece as exigências legais dos órgãos de saúde, tanto na Índia quanto no restante do mundo.

Detalhes da pesquisa

Segundo a CSE, as análises conduzidas em seus laboratórios revelaram: Um coquetel de três a seis pesticidas estava presente em todas as amostras; os níveis de Lindane (cancerígeno) eram 54 vezes maiores que o padrão BIS; em uma amostra da Coca-Cola de Kolkata, chegava a ser 140 vezes superior; os níveis de Clorpirifós (neurotoxina) eram 47 vezes superiores, chegando a 200 vezes numa amostra de Mumbai; o Heptaclor, banido na Índia, foi encontrado em 71% das amostras, em níveis quatro vezes superiores ao padrão do BIS; a quantidade média de pesticidas encontradas em todas as amostras foi de 11,85 partes por bilhão (ppb), enquanto o padrão total para refrigerantes, segundo o BIS, é de 0,5 ppb; a Pepsi-Cola continha 30 vezes mais resíduos e a Coca-Cola, 27 vezes mais, em média.