ONG questiona benefício social da nanomedicina

Há expectativas de que a aplicação médica das nanotecnologias revolucione os cuidados com a saúde. Mas o atual entusiasmo por nanomedicamentos pode desviar os escassos recursos das pesquisas nas áreas de saúde essenciais, bem como diminuir os financiamentos de ações não-medicamentais, como a sanitarização, acesso à água limpa e educação, por exemplo.

Há expectativas de que a aplicação médica das nanotecnologias revolucione os cuidados com a saúde, através de poderosas ferramentas de diagnóstico e tratamento em nível molecular. Mas o atual entusiasmo por nanomedicamentos pode desviar os escassos recursos das pesquisas nas áreas de saúde essenciais, bem como diminuir os financiamentos de ações não-medicamentais, como a sanitarização, acesso à água limpa e educação, por exemplo. Esta é a análise que a organização não governamental ETC Group (Action Group on Erosion, Technology and Concentration), fez em relatório publicado em setembro: “Aplicações médicas de tecnologias em nano escala: Qual o impacto nas comunidades socialmente excluídas?”.

O relatório mostra que, em meados de 2006, 130 medicamentos e sistemas de administração de drogas baseados na nanotecnologia, e 125 produtos ou testes para diagnóstico, estavam em desenvolvimento pré-clínico, clínico ou comercial. “O mercado para a nanomedicina (administração de drogas, medicamentos e diagnósticos) pulará de US$ 1 bilhão em 2005 para quase US$ 10 bilhões em 2010, e a US National Science Foundation (agência financiadora da ciência norte-americana) prevê que a nanotecnologia produzirá metade da linha de produtos da indústria farmacêutica em 2015”, estima a ONG.

O grupo argumenta que, embora a nanomedicina apareça como solução para as crescentes demandas do setor de saúde do hemisfério Sul, tem sido conduzida e destina principalmente pelos países ricos do Norte: “a nanomedicina ajudará a grande indústria farmacêutica a expandir seu monopólio exclusivo de patentes sobre produtos farmoquímicos existentes e sobre drogas antigas e sub-aproveitadas”. No Brasil, o governo é o maior financiador das pesquisas nesta área.

Bartira Rossi Bergmann, do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), admite que a nanotecnologia gera patentes, produtos de elevado valor agregado e utiliza matérias-primas caras – como os polímeros -, que termina por encarecer os produtos. No entanto, discorda que o público-alvo seja apenas as classes mais altas. “No Brasil estão em teste polímeros mais baratos voltados a produção de medicamentos, o que provavelmente será de interesse do governo”, explica.

Ela também afirma que as pesquisas no Brasil não se concentram apenas nas doenças “de ricos”, como o câncer, doenças cardiovasculares e mentais. Para exemplificar, cita um projeto que coordena e que utiliza nanobiotecnologia para produzir vacinas e fármacos para combater a leishmaniose, considerada uma “doença negligenciada”. As doenças negligenciadas, em geral, são infecciosas e atingem grandes contingentes de pessoas nos países tropicais, mas não são prioridade para a indústria farmacêutica, pois o público-alvo normalmente é de baixa renda e não pode arcar com os custos dos fármacos.

“Eu acredito que, para melhorar os padrões de vida nos países pobres, seria importante ter organismos, grupos de pesquisas, universidades, etc, que se preocupassem em desenvolver uma nanomedicina para essas doenças. De imediato, isso não promoverá competição com as multinacionais farmacêuticas, já que eles não têm interesse nestas doenças, mas poderia diminuir, ao menos em saúde, a diferença entre ricos e pobres”, confirma o coordenador da Rede Brasileira de Nanobiotecnologia e professor do Instituto de Química da Unicamp, Nelson Durán.

As pesquisas que envolvem a nanotecnologia no Brasil são voltadas, na maioria, para as áreas de Física e Eletrônica. Mas o Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), está lançando vários editais para incentivar a pesquisa em nanomedicina, e estimular a iniciativa privada a apoiar esta área. “Em termos quantitativos, o Brasil está longe de países como EUA, China, Coréia do Sul, e também a Europa, que acordaram antes. Mas a qualidade de nossas pesquisas em nanomedicina é altíssima. Existem redes nas quais cada centro atua numa etapa da pesquisa, desde o desenvolvimento de materiais até o teste em animais”, avalia Bergmann. Dentre as principais instituições estão a Universidade de Brasília, Universidade estadual de Campinas, além das universidades federais de Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A Rede Nacional de Nanobiotecnologia conseguiu, em três anos, mais de 40 patentes e mais de 500 publicações em revistas internacionais, além da formação de mais de 300 mestres e doutores na área de nanobiotecnologia, informa Duran. “A pesquisa em nanobiotecnologia se desenvolve quase exclusivamente nas Universidades e não nas indústrias. Lentamente esta relação tem melhorado e já se faz pesquisa em conjunto com as empresas, mas de forma ainda incipiente, e com fundos do governo”, analisa.

O ETC Group critica o fato dos produtos em nano-escala (inclusive medicamentos) já estarem sendo comercializados, sem a avaliação precisa de seus impactos sobre a saúde e o meio ambiente. O coordenador da Rede discorda, afirmando que os aspectos de segurança e éticos têm sido uma preocupação dos pesquisadores em nanomedicinas, tanto no exterior como no Brasil. “Os impactos da nanomedicina estão sendo continuamente estudados e são intrínsecos em qualquer pesquisa nesta área. Não fazer isto traz sérios riscos para os pacientes”, pondera. Estes assuntos foram debatidos no III Seminário Internacional-Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente e o I Seminário Nanotecnologia e os Trabalhadores, que aconteceram esta semana na cidade de São Paulo.

Na opinião do ETC Group, “os governos precisam urgentemente de amplas e participatórias análises de riscos sociais, científicas, éticas, culturais, socioeconômicas e ambientais que avaliem a nanomedicina. As políticas precisam ser guiadas pelas preocupações da sociedade civil”. A ONG recomenda no relatório que a Organização Mundial de Saúde, em sua próxima reunião (2007), faça uma análise completa da nanomedicina sob um amplo contexto social de saúde.

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Nanobiotecnologia e saúde

Povos tradicionais querem políticas diferenciadas e direito à terra

Levar em conta as especificidades de cada população tradicional e regularizar a política fundiária. Este é o apelo dos órgãos e representantes das populações tradicionais do Brasil que aguardam a aprovação do decreto que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Representantes das populações tradicionais do Brasil incluíram como prioridade na proposta de decreto, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, a regularização fundiária e a elaboração de políticas públicas diferenciadas. Essas comunidades abrangem cerca de 4,5 milhões de pessoas e ocupam 25% do território nacional. A conquista é resultado de encontros realizados desde 2004, quando foi criada a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com o objetivo de estabelecer diretrizes, coordenar e acompanhar a implementação dessa política. A expectativa é de que as mudanças sugeridas durante a discussão da proposta, nos dias 16 e 17 de novembro no Ibama, em Brasília, sejam implantadas ainda este ano.

Quebradeiras de côco, uma das comunidades tradicionais na expectativa da aprovação do decreto Foto: Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão (Assema)

A demarcação de terras e a visibilidade das necessidades específicas de cada comunidade tradicional são apontadas como fatores fundamentais para o avanço do desenvolvimento sustentável; bem como para valorização do papel das populações na preservação do ambiente e da cultura. A presidente da Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Maria Araújo de Aquino, mais conhecida como Leide, afirma que esta é uma reivindicação antiga que prevê a integridade de grande parte dos territórios tradicionais, ameaçados por pressões do agronegócio, mineradoras, imobiliárias e indústria do papel, por exemplo. Além do direito à terra, as comunidades também exigem a garantia de acesso aos recursos naturais das áreas que habitam; educação e atenção à saúde diferenciadas; acesso à documentação civil; e que não sejam mais criadas Unidades de Conservação de proteção integral sobre suas terras, já que estes territórios são pertences legítimos.

Um dos membros da Associação da Comunidade Quilombola de Ivaporunduva (SP), Oriel Rodrigues, que acompanha as discussões, acredita que esta política deve fortalecer as comunidades tradicionais, que terão voz ativa para pleitear ações voltadas para seus interesses. “Assim conseguiremos unir todos os povos tradicionais e centralizar políticas que vão nos beneficiar, mesmo tendo cada grupo características específicas”, avalia. Quem também reafirma a importância dessa política é o membro da Coordenação Quilombola da Região do Vale do Ribeira, que pertence à comunidade André Lopes, André Luiz Pereira de Moraes. “É preciso avançar nas convergências sem perder de vista nossas particularidades para o desenvolvimento dos povos tradicionais. Há famílias, como nós quilombolas, que vivem inseguras por não haver uma legislação que dê garantias de nossos direitos, como a regularização fundiária, por exemplo, para vivermos em paz, sem conflitos”, acrescenta com veemência.

Reconhecimento tardio da sociodiversidade

O reconhecimento da sociodiversidade existente no país foi o pontapé inicial rumo à construção de uma sólida política, avaliam os órgãos e representantes de comunidades tradicionais envolvidos na questão. Há comunidades de açorianos, babaçueiros, caboclos, caiçairas, caipiras, campeiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros, sertanejos e varjeiros, extrativistas, ribeirinhos, marisqueiros, povos indígenas e quilombolas. A assessora de políticas públicas do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), Cristina Velasquez, diz que a ampla sociodiversidade, com características identitárias particulares, foi descoberta após a criação da comissão. (Leia sobre o reconhecimento no artigo do ISA).

Reconhecimento trouxe novas perspectivas para pomeranos
Foto: Marcos Miertschink – DW. World.DE

Os pomeranos são um exemplo. Descendentes de tribos eslavas, possuem características européias, como a pele e os cabelos claros. Eles migraram em 1856 na região serrana do Espírito Santo, durante o processo de colonização. Mantêm sua cultura e seu dialeto, o pomerano, cultivam as mesmas produções agrícolas, extrativismo e criação de gado para a própria subsistência.

“Descobrimos a existência de várias comunidades tradicionais, não percebidas anteriormente e que também têm muitas necessidades semelhantes entre si, entretanto, a política deve ser geral para garantir o respeito às diferenças, evitando a tendência de homogeneizar os grupos e assim descaracterizar suas identidades”, alerta Velazquez.

Casa bêbada dos pomeranos
Foto: Ong Viver Cidades

A convergência entre as necessidades das populações tradicionais, e as possíveis alternativas e soluções para o avanço do desenvolvimento sustentável, dependerá da atuação da Comissão que está à frente da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. A Comissão é presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável.

Esta Comissão deve possibilitar a realização de uma política pulverizada entre órgãos do governo voltada para uma política integrada, que envolva as esferas municipal, estadual e federal. O Governo Federal prevê R$ 1,2 bilhão para as comunidades. Valor dividido entre as várias pastas do governo, que estará sujeito às ações da comissão e da implementação da política para integrar a execução desse orçamento. “Muitas questões, como a regularização fundiária, já foram apresentadas ao Governo e deveriam ter sido incluídas na Reforma Agrária, mas ainda há muita dificuldade. Nos colocam que há vontade política, entretanto, não é o que vemos na prática. O grande desafio é transformar as propostas políticas em práticas, para que não fiquem apenas no papel e sejam implementadas ainda este ano”, conclui a presidente do GTA.

Movimento negro encampa bandeira por reparações

Nos últimos anos, o mês de novembro difunde a luta do movimento negro pelos direitos humanos e combate ao racismo em todo país. O debate sobre as reparações históricas e humanitárias deverá ser a bandeira do movimento em 2007.

Nos últimos anos, o mês de novembro registra eventos que difundem a luta do movimento negro pelos direitos humanos e combate ao racismo em todo país. Além das discussões sobre a estruturação das desigualdades raciais e políticas afirmativas no Brasil, o debate sobre as reparações históricas e humanitárias vem ganhando força e deve ser a bandeira do movimento em 2007.

No âmbito das políticas afirmativas, as cotas para negros em postos de trabalho também devem ser consideradas, segundo a pesquisa do economista Vinícius Garcia, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. A análise do mercado de trabalho negro nos últimos 25 anos, feita por Garcia, mostra que os negros só têm possibilidade de ascensão a partir da junção entre o crescimento econômico e políticas de ação afirmativas.).

Dentro da discussão sobre a relação com o Estado, tanto o sociólogo Valter Silvério, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como a pedagoga Angela Soligo, diretora da faculdade de educação da Unicamp, concordam que apenas políticas de ações afirmativas podem de algum modo auxiliar na reversão das desigualdades raciais no Brasil.

Para a socióloga Gevanilda Gomes, pesquisadora da Fundação Armando Alvares Penteado e presidente da Soweto orgnização negra, a luta anti-racista passa pela parceria entre a universidade e os movimentos sociais “a partir desse diálogo, o negro deixa de ser apenas objeto das ciências humanas e torna-se sujeito pesquisador”, afirma Gomes. “É justamente o sistema de cotas nas universidades – tão criticado por alguns segmentos da sociedade – que está viabilizando pesquisas que estão resgatando a história do povo afro-brasileiro, o que dá a base para a reividicação de reparações”, explica a socióloga Ruth Pinheiro, diretora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento do pequeno e micro empreendedor negro do RJ (CAD) e membro do Colymar – órgãos que objetivam a inserção sócio-econômica da comunidade afro-brasileira.

A socióloga explica que a luta por reparação aos povos africanos e da diáspora teve início ainda no início do século XX por meio das cruzadas pan-africanas que foi o movimento precursor da independência de países na África. Mas somente em 1990, o nigeriano Bashorron M.K.O. Abiola inicia o discurso por reparações financeiras, no Black Caucus (congresso afro-americano). Abiola defendia o perdão da dívida externa dos países africanos e reconhecimento de crimes cometidos contra os africanos.

Como exemplos de reparações, Pinheiro cita que em 1990 os Estados Unidos pagaram 20 mil dólares para cada nipo-americano, enquanto a Áustria pagou 25 milhões de dólares para sobreviventes do holocausto judeu, assim como, em 1988, o Canadá cedeu 250 mil milhas quadradas de terras para os índios esquimós. “Todos reconhecem o holocausto judeu, mas não o africano”, argumenta a socióloga.

No Brasil, o movimento por reparações, sugere o pagamento de 102 mil dólares para cada afro-descendente. Além do reconhecimento da escravidão como crime contra a humanidade pela Organização das Nações Unidas em 2001, os militantes defendem as reparações pela violação dos direitos humanos desde a abolição da escravatura e acreditam que a indenização seja viável.

Observadora brasileira na primeira conferência pan-africana de reparações, Pinheiro explica que uma das dificuldades nessa luta está no próprio discurso do governo. “O Brasil foi oficialmente convidado para o evento (1993), mas alegando que não existe racismo no Brasil, uma vez que a constituição não permite, não enviou uma delegação. É verdade que a cultura africana está completamente inserida na sociedade brasileira, mas no momento de conceder um empréstimo diferenciado ou cotas todos reclamam”, critica a socióloga.

Origens históricas da discriminação

Por que os negros são tão apartados dos processos de desenvolvimento, quando elementos da sua cultura estão tão presentes e misturados à brasileira? “Desde a abolição há políticas públicas voltadas para a exclusão do negro no Brasil que proibiam desde a organização coletiva de negros, a exclusão da cidadania e do voto e políticas de saúde pública voltada primordialmente aos brancos e excluindo os negros do acesso à saúde”, afirma o historiador Sidney Chalhoub, pesquisador da Unicamp.

Segundo a diretora do CAD, a eugenia (teoria criada pelo cientista inglês Francis Galton, que defendia a melhoria da raça humana baseada em discriminação racial), por exemplo, foi adotada pelo Brasil (de forma velada no artigo 148 da constituição brasileira de 1934) para valorizar a cultura branca. Por outro lado, já na república, o código penal previa como crime a vadiagem atribuída em especial a população negra no país. O efeito de sentido dessas ações, marginalizou os afrodescendentes, fazendo até que refutassem a sua identidade. Para o artista Fausto Antônio, uma estratégia para combater a visão européia e etnocêntrica é o ensino de capoeira na escola. “Não como uma extensão da educação física, mas como uma questão interdisciplinar”, completa ele.

Consciência Negra

Pinheiro acredita que a mudança da percepção da população brasileira em relação ao negro não se deve somente ao dia da consciência negra, que foi instituído em território nacional para ser comemorado em 20 de novembro pela lei nº 10.639 (2003), mas a uma série de ações, principalmente àquelas voltadas para o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, que se se tornou obrigatório no país por meio da mesma lei. “O acesso a esse estudo, em todos os níveis de escolaridade, permite que a população tenha mais conhecimento e interesse pelas questões negras”, defende a socióloga.

Segundo dados da Polícia Militar (PM), 12 mil pessoas participaram da parada negra na Avenida Paulista em São Paulo no dia 20, o qual foi determinado feriado em mais de 200 cidades, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Contudo, atividades relativas ao movimento da consciência negra se estendem até início de dezembro em todo país, como o Etnicidades na capital paulista.

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