Ausência de rotulagem sobre gordura trans implicará em multa

Semana passada as autoridades sanitárias de New York proibiram o uso de gordura trans em seus restaurantes, cujo excesso eleva o nível de colesterol do organismo, favorecendo o aparecimento de doenças cardíacas. No Brasil foi instituída em agosto uma lei que exige a rotulagem dos produtos que contenham essa gordura. Os fabricantes que não cumprirem a lei poderão ser multados de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão pela Anvisa.

Elas estão por toda parte. Bolos, sorvetes, batatas-fritas, salgadinhos industrializados, pipocas de microondas, margarinas e gorduras hidrogenadas. Mesmo produtos aparentemente “inofensivos”, como biscoito polvilho e bolacha maisena, carregam gorduras trans, cujo excesso eleva o nível de colesterol do organismo, favorecendo o aparecimento de doenças cardíacas. Na semana passada as autoridades sanitárias de New York proibiram o uso de gordura trans em seus restaurantes. Na Dinamarca essa gordura já foi banida há anos. Um dos poucos aliados dos consumidores para identificar a presença de gorduras trans nos alimentos é a rotulagem. Os fabricantes que ainda não declararam nos rótulos dos alimentos a quantidade dessas gorduras serão notificados até o final deste ano e, a partir de 2007, podem ser multados de R$ 2 mil a R$ 1,5 milhão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A lei, que exige a adequada rotulagem dos alimentos com gordura trans, está em vigor desde agosto de 2006. No entanto, uma pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), quinze dias depois da aprovação da lei, revelou que mais de um terço dos produtos ainda não exibiam essa informação em seus rótulos. O Idec avaliou 370 produtos e, desses, 139 ainda não cumpriam a lei. Os mais “omissos” eram os biscoitos wafer, com 64,3% das embalagens sem informações sobre trans.

As gorduras trans são largamente utilizadas pela indústria de alimentos. Elas servem para realçar o sabor, melhorar a textura, crocância, consistência e aumentar o tempo de conservação de massas e produtos de confeitaria. São formadas durante o processo de hidrogenação industrial que transforma óleos vegetais líquidos em gordura sólida. Também se formam durante um processo de hidrogenação natural (ocorrido no rúmen de animais), estando presente em pequena quantidade no leite, por exemplo, com propriedades nutracêuticas reconhecidas.

Segundo a professora Marisa Regitano d’Arce, do Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq/USP as gorduras trans “foram identificadas há mais de 30 anos, porém sempre se assumiu que eram metabolizadas como ácidos graxos saturados, tendo os mesmos efeitos danosos desses, ou seja, aumentam os níveis séricos das lipoproteínas LDL (conhecida como ‘colesterol ruim’)”. As gorduras saturadas eram, até então, consideradas as mais prejudiciais à saúde, sendo encontradas na gordura animal (carne, leite e manteiga). Na década passada, começaram a aparecer indícios nas pesquisas de que, além de aumentar os níveis da LDL, os ácidos graxos trans também reduziam os níveis de HDL, o “colesterol bom”.

Livre de trans

As margarinas foram um dos primeiros alvos na caça contra as trans. Por serem de origem vegetal, as margarinas surgiram como uma alternativa mais saudável que a manteiga, fonte de ácido graxo saturado. Descobriu-se, mais tarde, que a elevada quantidade de ácido graxo trans que continham colocava em jogo seu papel para a saúde humana. A indústria, para não perder espaço, começou a se adequar e hoje existem no mercado diversas marcas de margarina “livre de gorduras trans”, que utilizam gordura interesterificada.

No processo de interesterificação química ou enzimática, os óleos vegetais são solidificados sem que tenham que ser hidrogenados e, portanto, sem que haja a formação de gordura trans. Outra alternativa usada pela indústria alimentícia são as frações saturadas de óleo de palma (dendê), que também não contém ácidos graxos trans.

“As tecnologias que substituem o uso das trans por outras substâncias menos prejudiciais à saúde naturalmente incorrem em um aumento de custos para a indústria, por demandarem adaptações de processos ou novos insumos e nem sempre os produtos finais apresentam as características de cremosidade ou textura desejados”, diz a professora da Esalq. Por isso, há uma constante necessidade de pesquisa de desenvolvimento.

As trans podem ser substituídas em praticamente todas as aplicações, mas os novos ingredientes podem custar até 25% mais, exigindo a readequação das formulações dos alimentos. Embora não seja um caminho fácil, a indústria alimentícia vai ter que se adaptar, seja em função das exigências legais ou da pressão do mercado, pois esta é uma questão de saúde pública.

Estudos indicam que, além de aumentar o risco de doenças cardiovasculares, a gordura trans também causa um aumento da produção dos hormônios pró-inflamatórios do corpo (prostaglandina E2) e inibição dos tipos anti-inflamatórios (prostaglandinas E1 e E3), fazendo com que o organismo fique mais vulnerável a condições inflamatórias. Adicionalmente, a presença de gorduras trans na membrana celular enfraquece sua estrutura e sua função protetora, permitindo que microorganismos patogênicos e substâncias químicas tóxicas penetrem na célula com mais facilidade, afetando o sistema imunológico.

Alarmismo

Embora a mídia venha alardeando as gorduras trans como uma das grandes vilãs para o bom funcionamento do coração, Marisa d’Arce acredita não haver razão para tanto alarmismo, pois se sabe que a dieta e a forma de vida das pessoas podem contornar vários problemas. “O problema é a somatória de fatores: vida sedentária, alto consumo de gordura, falta de fibras, de vitaminas e outros componentes de ação antioxidante ou anti-radicais livres na dieta, tabagismo, e por aí vai. Tudo depende da quantidade e freqüência”, diz.

Mercado contribui para má compreensão da nanotecnologia

A nanotecnologia já está sendo comercializa, mas são poucos os que compreendem o que ela quer dizer. Henrique Toma, do Instituto de Química da USP, afirma que parte do mau uso do termo é gerado por empresas que incorporam a tecnologia no rótulo como estratégia de marketing, mesmo sem conter nano substâncias.

Os produtos da nanotecnologia já estão sendo comercializados, mas ainda são poucos os que entendem o que é essa tecnologia. Para Henrique Eisi Toma, professor do Instituto de Química da Universidade de são Paulo (USP) e palestrante da Nanotec Expo 2006, realizada no mês passado, as discussões devem dar maior atenção ao mau uso do termo “nano” e à incompreensão do que seja esse tipo de tecnologia pela maioria da população. O professor afirma que parte da confusão é gerada pelas empresas. “Hoje é possível encontrar no mercado produtos com rótulos ‘nano’ que não tenham nanotecnologia incorporada e vice-versa”, diz.

Segundo Toma, a maioria da população não tem idéia do que seja a nanotecnologia. “É o universo do muito pequeno, do invisível”, diz, “e, por isso, as pessoas têm fascínio, por um lado, e um grande receio, por outro”. A escala nanométrica equivale a um bilionésimo de metro (nanômetro), ou seja, é cerca de 70 mil vezes menor do que a espessura de um fio de cabelo, o que permite a criação de novos materiais, produtos e processos baseados na capacidade de manipulação direta de átomos e moléculas.

A compreensão sobre o tema alimenta comportamentos oportunistas por parte de algumas empresas que lutam para ter a indicação de nanotecnologia nos rótulos de seus produtos como um trunfo de marketing. “Mesmo que seus produtos não incorporem nanotecnologia, há empresas que colocam essa indicação com o intuito de criar uma imagem de modernidade e progresso tecnológico”, afirma o pesquisador.

Por outro lado, há empresas que preferem esconder de seus rótulos a presença de componentes nano, justamente para evitar o preconceito da população que tem pouca intimidade com o tema. “O comportamento das empresas não segue um padrão, pois vemos O Boticário colocar a indicação de nano em seus produtos ao mesmo tempo em que a L’Oreal e a Lancôme, que também utilizam compostos nanotecnológicos em suas formulações, preferem não apresentar essa informação nos seus rótulos”, exemplifica o pesquisador referindo-se a empresas de cosméticos. Outros exemplos de empresas nacionais que oferecem produtos com nanotecnologia são a Natura, a Suzano Petroquímica e a Embrapa.

No mercado mundial, já existem vários produtos com nanotecnologia incorporada e que prometem bons resultados, como tecidos resistentes a manchas e que não amassam, capeamento de vidros e aplicações anti-erosão a metais, filtros solares de rápida penetração, material para proteção contra raios ultravioleta, pó anti-bactérias, equipamentos médicos, produtos para limpar materiais tóxicos, cosméticos, sistemas de filtragem do ar e da água, microprocessadores e equipamentos eletrônicos em geral, com melhor desempenho.

Essa grande diversidade de aplicações esconde, no entanto, eventuais riscos que a tecnologia possa oferecer. As discussões éticas acerca dessa manipulação atômica e molecular ainda são incipientes, mas fundamentais para a melhor compreensão sobre a tecnologia. O receio com relação aos efeitos descontrolados da nanotecnologia não é totalmente infundado, uma vez que inúmeras substâncias em nano escala mudam suas propriedades originais, potencializando sua ação, por exemplo, tornando-se mais tóxicas, flexíveis, resistentes ou melhores condutoras de energia. No caso de um filtro solar com partículas nanométricas, o produto passa a ser absorvido com mais intensidade e atinge camadas de pele mais profundas. As conseqüências dessa absorção pelo corpo ainda são pouco compreendidas. “Tal como o alumínio, que pode ser usado tanto para a fabricação de produtos úteis para a sociedade como para construir uma bomba, os elementos nanotecnológicos podem ter efeitos benéficos ou nefastos, de acordo com as intenções que orientam sua formulação”, enfatiza Toma.

A desinformação sobre o tema não está restrita ao Brasil. Federico Neresini, especialista em sociologia da ciência e professor da Universidade de Pádua, na Itália, realizou uma pesquisa sobre a percepção pública da nanotecnologia entre os italianos e verificou que apenas 28% deles já ouviram falar sobre ela. De modo geral, a nanotecnologia é vista de forma positiva, como algo que será capaz de melhorar a vida das pessoas. “Todavia, esse universo muito pequeno também provoca certo receio na população, pois são percebidos maiores riscos de descontrole dos processos envolvendo a nanotecnologia”, afirma o pesquisador. Nos Estados Unidos, um estudo realizado por Jane Macoubrie, da Universidade da Carolina do Norte, e publicada na edição abril-julho do periódico Public Understanding of Science, demonstrou que a população tem pouca confiança na capacidade do governo em gerenciar riscos nas questões relativas à nanotecnologia.

Brasil contribui para avanços em nanotecnologia de metais

Artigo de pesquisadores brasileiros, publicado na Nature Nanotechnology, revela os avanços em pesquisas em nanotecnologia de metais que resultam em novos meios de reforço estrutural e condução de energia elétrica.

Físicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), descrevem em artigo publicado em novembro na Nature Nanotechnology, como se deformam e rompem fios nanométricos feitos de ligas metálicas. A pesquisa demonstra a geração no laboratório de fios de liga metálica da menor espessura possível, contendo átomos de diferentes tipos. Os resultados fornecem informações essenciais para compreender e poder utilizar ligas feitas de diferentes metais que possibilitam reforço estrutural ou condução de energia elétrica em nanodispositivos eletrônicos.

“A criação de uma liga nanométrica já é um grande desafio. Devido à facilidade com que os átomos se deslocam, a tendência na criação de uma liga é que esta agregue pouca quantidade de diferentes metais, ou seja, o material metálico tende a se auto purificar, expulsando o material que considera impureza, mesmo que as porcentagens iniciais sejam as mesmas, por exemplo, 50% de cobre e 50% de prata. A formação de ligas modificadas pode melhorar as propriedades dos materiais puros, como o aço (ferro misturado com cromo e níquel), que é muito mais resistente que o ferro puro”, diz Daniel Ugarte, pesquisador do LNLS e professor de física na Unicamp. “Coloca-se uma certa medida de macarrão e de molho, mas depois de aquecido há menos molho e o macarrão se expande. Ou seja, no final do processo, da mistura, não é a mesma coisa”, compara.

Esta pesquisa colabora para a área de criação de ligas nanométricas, ao sugerir quais metais podem ser misturados para manter a liga nanométrica estável. “A pesquisa mostra em que momento a junção de metais, como ouro e prata, por exemplo, possibilita o rompimento da liga a partir da redução de seu tamanho em nanométrico”, diz Ugarte. Há, portanto, um limite para cada liga. “Uma goma de mascar, à medida que se estica e ela se afina, há um momento em que se rompe”, ilustra.

Em eletrônica, cada vez mais os dispositivos estão em escala nanométricas e a conexão entre eles é feita por fios metálicos. Ligas metálicas nanométricas podem apresentar resistência elétrica menor e ponto de fusão maior, melhorando suas propriedades para aplicação. Destaca-se a utilidade das ligas metálicas nanométricas para o transporte de energia elétrica em nanoeletrônica.

“Um dos focos mais avançados da eletrônica é a criação de sistemas que utilizam simultaneamente as propriedades elétricas e magnéticas dos elétrons, denominada de spintrônica. Assim, é possível medir não apenas a carga dos elétrons, mas também o magnetismo. Para isto, é necessária a utilização de metais magnéticos altamente reativos, sendo que o estudo de ligas nanométricas pode gerar fios com o núcleo de metais magnéticos cobertos (protegidos) por outro metal menos reativo, a partir da combinação correta dos átomos de metais”, diz Ugarte.

Os pesquisadores, através de experimentos e pesquisas básicas que duraram dois anos, chegaram à menor e mais resistente liga metálica de ouro e prata. Para isso, foi preciso considerar as mudanças possíveis da organização de um sistema de átomos. Os pesquisadores viram que se os experimentos forem trabalhados de modo correto é possível chegar à liga de menor tamanho possível. Com isso, destacam a importância das pesquisas teóricas para se chegar à aplicação prática.

A questão básica para a nanotecnologia: “Como se comporta uma liga quando seu tamanho é reduzido às escalas nanométricas”, segundo Ugarte, finalmente foi desvendada pelos pesquisadores brasileiros através da criação de metodologias para estudar as ligas, fotografias e desenhos de um sistema ideal que mostra como os átomos se arranjam e de que materiais são formados. Os avanços em nanotecnologia focados em ligas metálicas podem contribuir para as áreas de metalurgia, para produzir ferramentas, e construção civil, para reforçar estruturas.

Seguindo a tendência em se fazer cada vez mais coisas menores em microeletrônica, diversos países estudam ligas metálicas nanométicas, como Espanha, Holanda e Estados Unidos, com destaque para as pesquisas realizadas no Brasil e Japão. Existem poucos laboratórios como o LNLS no mundo que poderiam possibilitar os experimentos avançados, principalmente a captação de imagens de átomos através do microscópio. Ugarte também destaca a importância da associação entre pesquisadores de universidades e do laboratório para a completude do estudo.

O Laboratório Nacional de Luz Síncroton

Pesquisadores, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo, submetem pesquisas para o Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), que chega a atender 450 projetos por ano. Tanto as iniciativas privadas quanto públicas utilizam o laboratório, que tem demanda muito maior por parte das universidades. Atualmente, a maioria dos usuários provém principalmente de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais; mas o laboratório também recebe pesquisadores de países da América Latina, principalmente da Argentina e Chile.

O objetivo do LNLS é prover estrutura para a comunidade científica. Para acompanhar a evolução tecnológica de outros laboratórios do mesmo ramo, de outros países, o LNLS planeja expansão, com o desenvolvimento de equipamentos com maior capacidade em um novo prédio, pois boa parte de sua estrutura foi desenvolvida com equipamentos da década de 80. O laboratório é operado pela Associação Brasileira de Luz Síncroton, sem fins lucrativos, que tem representantes do governo federal, da indústria nacional, de universidades e do CNPq. A verba do LNLS é votada no Congresso Nacional e cobre em torno de 80% do orçamento do laboratório. Os investimentos, que não são contemplados no orçamento, são adquiridos através de parcerias, projetos com a Fapesp e a Finep.