“Precisávamos agir de maneira mais firme e com mais convicção da capacidade que há no Brasil de conhecimento na área da bioenergia”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Essa ideia foi defendida durante a sétima edição do Workshop Brasil-Japão de Energia Renovável, Desenvolvimento Sustentável e Mobilidade Estudantil, que aconteceu nos dias 13 e 14 de outubro, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde se discutiu a expansão da cana brasileira sem comprometimento da produção de alimentos e o potencial de sustentabilidade da nossa bioenergia.
O workshop é realizado anualmente, desde 2003, com locação alternando entre a Unicamp e a Universidade de Gifu, no Japão. Na conferência de abertura do evento deste ano, Brito Cruz apresentou a cientistas e empresários brasileiros e japoneses um panorama do cenário da bioenergia no Brasil, com especial atenção ao etanol de cana-de-açúcar. Defendeu as vantagens do produto e a posição privilegiada do país no debate mundial sobre energias renováveis, e expôs a importância da pesquisa científica nacional voltada ao setor.
De acordo com estimativa divulgada pela União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), o etanol brasileiro, em substituição à gasolina, reduz em mais de 80% as emissões de gases de efeito estufa. “Comparada com outras plantas, a cana-de-açúcar é a que fornece maior quantidade de energia por área plantada. Ao mesmo tempo, é a que tem o menor custo por tonelada de redução de gases do efeito estufa. Então, se o assunto é reduzir as emissões, a cana é a melhor escolha para os países que puderem plantá-la”, defende Brito Cruz. No entanto, o diretor científico da Fapesp afirma que, embora a redução das emissões seja uma das principais justificativas usadas por quem trabalha no setor, ela não é a única razão para que diferentes países se envolvam na busca de energias alternativas. Dificuldade em utilizar o petróleo e questões de segurança energética também seriam motivações importantes.
Brito Cruz lembra que o próprio Brasil começou a investir em bioenergia em resposta à elevação dos preços do petróleo, na década de 1970. A intenção de reduzir a dependência nacional em relação ao produto importado levou à criação do programa Proálcool, em 1975, pelo governo militar. “Essa iniciativa trouxe o Brasil a uma situação muito peculiar no que diz respeito às fontes de energia”, avalia Brito Cruz.
Dados de 2009 divulgados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento apontam que o Brasil possui uma matriz energética com 46% de fontes renováveis, enquanto a média mundial é de 15%. Já entre os países que compõem a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos, em sua maioria industrializados, a participação das energias renováveis é ainda menor, com média de 6,7%, segundo o Ministério de Minas e Energia (MME). Para Brito Cruz, o percentual brasileiro é uma realização única entre os países industrializados e isso precisa ser valorizado.
Ainda segundo o MME, 16,6% da oferta interna de energia do Brasil vem de derivados da cana-de-açúcar. De acordo com artigo publicado por Oswaldo Lucon, da Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, e José Goldemberg, da Universidade de São Paulo, os subsídios à produção do etanol brasileiro, estimados em US$ 30 bilhões entre 1975 e 2000, reduziram o custo de produção, tornando o produto competitivo com a gasolina em 2004, sem nenhum subsídio.
Brito Cruz credita aos avanços em pesquisa e tecnologia a redução do custo do etanol. A resposta estaria no aumento da produtividade, tanto no processo agrícola quanto no industrial. Para o diretor científico da Fapesp, maior produtividade é ainda mais importante por reduzir a área utilizada, diminuindo impactos ambientais e eventuais conflitos com a produção de alimentos. “O Brasil tem ainda a possibilidade de reduzir a área utilizada pra agropecuária para aumentar a produção de cana ou de alimento, sem prejudicar a produção de carne e leite”, sugere.
A preocupação com o impacto negativo da expansão da área plantada para a produção de etanol e açúcar está entre os principais fatores de oposição à cultura da cana. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lançou, em setembro, o Zoneamento Agroecológico Nacional da Cana-de-Açúcar (ZAE Cana), que deve orientar a expansão do cultivo, segundo proposto por Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto proíbe a supressão de vegetação nativa e a expansão do plantio nos biomas da Amazônia e do Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai. De acordo com o ZAE Cana, o Brasil possui cerca de 64,7 milhões de hectares de áreas aptas à expansão do cultivo com cana-de-açúcar e não precisa incorporar áreas novas e com cobertura nativa ao processo produtivo.
Para Brito Cruz, produtividade e sustentabilidade resumem os objetivos para a pesquisa em bioenergia no Brasil. Segundo o diretor científico da Fapesp, a produtividade pautou o desenvolvimento científico e tecnológico do setor desde o início, enquanto a sustentabilidade entrou em pauta mais recentemente e exige mudança de atitude. A preocupação com o impacto ambiental do investimento em bioenergia é legítima e os riscos são reais, caso o desenvolvimento sustentável seja desconsiderado. “A sustentabilidade precisa ser buscada ativamente pelas pesquisas brasileiras em bioenergia por, pelo menos, duas razões: primeiro porque é essencial para a humanidade, que vive em um planeta limitado; segundo, porque o Brasil tem vantagens impressionantes nesse assunto. É preciso converter a potencialidade em vantagem real”, argumenta.
Brito Cruz acredita que o maior desafio para o Brasil, no setor da bioenergia, seja a competição internacional. “Até 2003, plantar para produzir combustível era considerado, pela maior parte do mundo, como uma esquisitice de um país tropical chamado Brasil”, afirma, ao defender que o interesse dos Estados Unidos pelo etanol teria despertado a atenção dos demais países para as possibilidades do produto.
“Enquanto a velocidade do avanço da fronteira científica e tecnológica no setor da bioenergia era determinada pelo Brasil, ela era definida pelo jeito que o país faz ciência e tecnologia, que tem coisas muito boas, mas outras meio limitadas, com poucos grandes avanços acontecendo no caminho. A velocidade do avanço da fronteira mudou e passou a ser determinada por outros países”, afirma Brito Cruz. Diante disto, o diretor científico da Fapesp defende que a estratégia brasileira para o setor deve mudar, com maior peso da base científica que, aliada ao desenvolvimento da engenharia, permitiria avanços significativos.
Genômica, bioprocessos, química e bioquímica foram citadas como áreas científicas importantes para o setor. “Ao lado disso, criou-se um debate político e comercial que requer ciência da sustentabilidade”, afirma Brito Cruz. “E nós, no Brasil, precisamos nos preparar melhor pra esse debate”, completa. O diretor científico da Fapesp argumenta que o Brasil está acostumado a desenvolver estratégias de pesquisa para alcançar outros países, mas que, no caso da bioenergia, a situação se inverte. “É a única área da ciência na qual o Brasil sabe mais do que os outros países do mundo e isso deveria fazer com que a nossa estratégia fosse outra. A estratégia de quem é líder é diferente da do seguidor”, defende.