Encontrar na natureza novas enzimas pode auxiliar, e muito, processos de fabricação de fármacos e sabonetes, por exemplo. Isso porque as enzimas são catalisadores biológicos, ou seja, funcionam como aceleradores naturais de uma reação química. Com isso, elas podem substituir com algumas vantagens os catalisadores sintéticos. A descoberta na natureza dessas enzimas especializadas é o trabalho da equipe coordenada pela química Anita Jocelyne Marsaioli, professora do Labiosin (Laboratório de Biocatálise e de Síntese Orgânica), localizado no Instituto de Química (IQ) da Unicamp.
A doutoranda Simone Mantovani, integrante da equipe, se dedica a encontrar enzimas capazes de resolver um dos grandes obstáculos de processos químicos, as misturas racêmicas. Trata-se de uma mistura de duas substâncias quase idênticas chamadas de quirais. Separar misturas racêmicas é um desafio para os químicos. Entretanto, sabe-se que as enzimas são capazes de reconhecer substâncias quirais e atuam, preferencialmente, em apenas um dos compostos da mistura racêmica, daí o interesse em fazer a bioprospecção dessas enzimas.
O uso das misturas racêmicas é vedado por entidades internacionais de controle de medicamentos porque uma de suas estruturas pode provocar efeitos indesejados. Foi o caso do medicamento Talidomida, utilizado para conter enjôos durante a gravidez e que provocou deformidades em fetos. Encontrar uma enzima que facilite o isolamento do composto desejado representaria um avanço em algumas etapas do processo de fabricação de fármacos.
Modificar geneticamente as enzimas para torná-las mais resistentes é outra vertente das pesquisas realizadas no Labiosin. Para aprender os processos envolvidos, a química Luciana Gonzaga de Oliveira, bolsista de pós-doutorado da Fapesp, participou do Programa de Pós-doutoramento no grupo de Manfred T. Reetz no Max Planck Institut für Kohlenforschung, na Alemanha.
A pesquisa envolveu o melhoramento de atividades enzimáticas por Evolução Dirigida, ou seja, os pesquisadores interferem no processo natural de evolução dos microorganismos que produzem essas substâncias. “As enzimas de hoje são produto da evolução biológica que tem ocorrido por vários bilhões de anos e elas catalisam reações com alta especificidade e seletividade”, diz Oliveira, “como estão ajustadas ao seu papel fisiológico, a sua estabilidade e atividade às vezes estão distantes do que os químicos orgânicos querem”, complementa.
O processo de bioprospecção
Segundo Marsaioli, a presença de enzimas com atividade de interesse é pesquisada em microorganismos chamados “de origem”, adquiridos de instituições habilitadas como a Fundação André Tosello, de Campinas, ou a Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria – CBMAI, localizada no CPQBA/UNICAMP ou ainda através da triagem da biodiversidade, como, por exemplo, de solos de diferentes regiões do Brasil, feita por pesquisadores.
No laboratório, começa o processo de procura da atividade desejada, por exemplo, a resolução das misturas racêmicas. O primeiro passo consiste em verificar a presença nos microorganismos das enzimas ativas. Segundo Mantovani, a equipe escolheu usar a técnica chamada de triagem rápida de alto desempenho (HTS, sigla em inglês). Um artigo, publicado por Marsaioli na revista Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS), descreve os procedimentos.
Estes testes, ensina Oliveira, são miniaturizados e em batelada, isto é, um grande número de testes é feito ao mesmo tempo, porque em uma microplaca com “pocinhos” de volume de 200µL elas testam, de uma só vez, 96 microorganismos diferentes. Quando o microrganismo tem a enzima com a atividade esperada, aparece gradativamente no local uma fluorescência, ou brilho, que mostra ainda se a reação é rápida ou lenta.
O próximo passo é verificar quais os produtos formados e a proporção deles no conjunto, através de um equipamento chamado de cromatógrafo a gás. O aparelho pode ter detector por tamanho de partículas (espectrômetro de massas) ou por chamas, conhecido por FID (sigla em inglês), Esses equipamentos, segundo Oliveira, fazem avaliações rápidas, mais econômicas e ainda têm a vantagem de dispensar o uso de solventes orgânicos como o metanol, que é tóxico.
Uma vez escolhidos os microrganismos, se repetem os testes analíticos, mas agora com as substâncias que as pesquisadoras chamam de “reais” por serem mais caras. “Os substratos reais possuem maior valor agregado porque resultam de sínteses químicas mais modernas”, diz Oliveira.