A medicina já diagnosticou mais de 90 problemas relacionados ao sono, sendo o mais comum a insônia. Estima-se que ela afete 42% da população mundial, com maior incidência em mulheres – 3 em cada 4 pacientes – e predominância em pacientes com mais de 60 anos. A maior parte dos estudos sobre os distúrbios do sono, no entanto, relaciona-se ao universo masculino. No X Congresso Brasileiro do Sono, realizado semana passada em Curitiba, o sono das mulheres foi um dos temas em debate.
Helena Hachul, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, (Unifesp), apresentou seu trabalho com métodos alternativos para melhorar o sono das mulheres na menopausa. Embora se saiba que a terapia hormonal melhora a qualidade do sono, Hachul destaca que é uma conduta que deve ser utilizada de modo individualizado, pesando-se riscos e benefícios. Sua pesquisa, premiada no congresso, testou a possibilidade de se tratar a insônia utilizando isoflavonas, um componente da soja. Segundo ela, o teste mostrou que houve melhora subjetiva – as mulheres que receberam o composto disseram dormir melhor -, apesar de a polissonografia (exame de registro de sono durante a noite inteira) não mostrar alteração significativa. A pesquisadora tem outros estudos em andamento com tratamentos alternativos como ioga, massagens, fisioterapia e psicoterapia para melhorar o sono das mulheres.
Causa e conseqüência
Pesquisa realizada pela biomédica Isabela Antunes, estudante de mestrado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostram que as alterações hormonais também podem ser consequência de noites mal-dormidas. Ela investiga, desde o ano passado, os efeitos que a falta de sono provoca na vida reprodutiva das fêmeas. Seus experimentos foram realizados em ratas e revelaram que quando se priva o animal de sono, o ciclo hormonal é afetado. O estudo incluiu 88 animais divididos em quatro grupos, de acordo com a fase do ciclo estral, que corresponde ao ciclo menstrual da mulher. As ratas submetidas à privação de sono na fase de diestro (uma fase após a ovulação, onde há aumento na concentração do hormônio progesterona) ficaram um tempo maior em uma das fases do ciclo. O grupo que demonstrou essa reação também teve o nível de corticosterona elevado (hormônio do stress), o que representa uma maior suscetibilidade dos animais ao stress, durante essa fase. A próxima etapa, prevista para 2006, é realizar a pesquisa em mulheres.
Quando se troca o dia pela noite
Além do desconforto relacionado à questão hormonal, as mulheres têm o sono prejudicado quando trabalham à noite. Em 2001, uma pesquisa com 46 operários do horário noturno de uma fábrica carioca, realizada por Lucia Rotenber, do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz, mostrou que as tarefas domésticas competem com o sono, principalmente entre as mulheres que têm crianças. “Elas não tem um sono contínuo como os homens, porque precisam preparar o almoço, levar os filhos à escola e acabam dormindo só entre uma atividade e outra”, diz. Atualmente ela coordena um estudo maior, envolvendo 1500 enfermeiros de hospitais públicos no Rio de Janeiro. Esses hospitais cariocas adotam esquemas de rodízio, onde o enfermeiro trabalha a noite a cada três dias. Porém, dificilmente esses trabalhadores têm um único emprego. “O desgaste desses profissionais com o número excessivo de horas trabalhadas, com o agravante dos turnos da noite, podem comprometer a qualidade de assistência aos pacientes, além da própria vida do enfermeiro”, diz. Esse estudo é financiado pelo Mount Sinai School of Medicine, de Nova York, CNPq e FAPERJ e está sendo realizado em colaboração com a Faculdade de Saúde Pública/USP, Escola de Enfermagem Ana Nery/UFRJ, e tem resultados previstos para o início de 2006.
No Brasil existem cerca de 150 laboratórios de sono, mas a maioria trabalha com avaliação clinica do sono, não com pesquisa. A presidente do congresso de Curitiba, Gisele Minhoto, ressalta a importância de se desenvolverem mais estudos nesse tema, pois trata-se de uma condição fisiológica essencial para a saúde do organismo e bem-estar geral do cidadão.