Pesquisas voltam a alertar sobre os perigos da automedicação

Uma pesquisa recém divulgada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fez um debate antigo voltar à discussão, ao apontar que as bulas de vários medicamentos, além de conter problemas como ausência de dados importantes ou fornecimento de informações confusas, podem incentivar a automedicação.

O problema não é novo, mas o debate sobre ele permanece atual: a automedicação segue sendo um dos problemas de saúde pública que mais atinge os brasileiros. Recentemente, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) fez o debate voltar à discussão, ao apontar que as bulas de vários medicamentos, além de conter problemas como ausência de dados importantes ou fornecimento de informações confusas, podem incentivar a automedicação. (Leia matéria sobre essa pesquisa)

A prática da automedicação é um fenômeno bastante discutido mundialmente, e tido como especialmente preocupante no Brasil, onde é muito comum. De acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas (Abifarma), cerca de 80 milhões de pessoas são adeptas da automedicação no país. A conseqüência disso é outro grande número: 40% das internações por intoxicação no Brasil são causadas por mau uso dos medicamentos, segundo dados do Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) da USP – o que coloca os medicamentos em primeiro lugar entre os agentes causadores de intoxicação no país.

Pesquisa realizada no final do ano passado na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp constatou que a automedicação afeta especialmente a população com menos de 18 anos. “Crianças e adolescentes são fortemente suscetíveis aos usos irracionais de medicamentos, seja com ou sem prescrição médica”, escrevem os pesquisadores Francis Pereira, Fábio Bucaretchi, Celso Stephan e Ricardo Cordeiro, no artigo “Automedicação em crianças e adolescentes”, publicado em outubro de 2007 no periódico da Sociedade Brasileira de Pediatria.

O estudo apontou que 56,6% das crianças e adolescentes entrevistados consumiam remédio sem prescrição médica. Um dos aspectos que chamaram a atenção dos pesquisadores foi a constatação do alto consumo de antiinflamatórios não-hormonais nesse grupo etário – um fato preocupante, diante dos riscos associados, como sangramentos gastrointestinais, alterações de coagulação, insuficiência renal e alergias, entre outras complicações que podem derivar do abuso desse tipo de substância.

Um outro estudo realizado no mesmo período aponta os riscos da automedicação nos maiores consumidores de medicamentos, os idosos. Segundo dados da pesquisa “Automedicação em idosos na cidade de Salgueiro (PE)”, realizada no Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e publicada na Revista Brasileira de Epidemiologia, cerca de 10% a 20% das internações hospitalares de idosos decorrem de reações adversas causadas por mau uso de medicamentos. De acordo com o estudo, essa faixa etária precisa de uma atenção particularmente especial na hora de tomar medicamentos, pois seu organismo passa por diversas mudanças e uma dose errada pode acarretar sérias complicações.

“A população idosa apresenta peculiaridades em relação ao uso de medicamentos, devido a alterações da massa corporal, com diminuição da proporção de água, diminuição das taxas de excreção renal e do metabolismo hepático, tendendo a aumentar as concentrações plasmáticas dos medicamentos, incrementando as taxas de efeitos tóxicos”, apontam os pesquisadores Mirivaldo Barros e Sá, José Augusto Cabral de Barros e Michel Pompeu Barros de Oliveira Sá em seu artigo.

Uma prática perigosa

A automedicação é uma prática bastante difundida em países com sistema de saúde pouco estruturado, em que a ida à farmácia representa a primeira opção para resolver um problema de saúde, e a maior parte dos medicamentos consumidos pela população é vendida sem receita médica. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) aceita o que chama de “automedicação responsável”, como forma de ajudar a população mais carente a ter acesso a essa importante parcela do sistema de saúde e libera o uso de certas substâncias, conhecidas como “over the counter” (“sobre o balcão”), que são medicamentos que não necessitam de receita médica para serem vendidos. Mas a OMS ressalta que é preciso ter responsabilidade e discernimento na hora de tomar qualquer medicamento. Como aponta editorial da Revista da Associação Médica Brasileira: “O fato de se poder adquirir um medicamento sem prescrição não permite o indivíduo fazer uso indevido do mesmo, isto é, usá-lo por indicação própria, na dose que lhe convém e na hora que achar conveniente”.

Entre os perigos da automedicação, a OMS aponta: diagnosticar a doença incorretamente; escolher uma terapia inadequada; mascarar sintomas e assim retardar o reconhecimento da doença, podendo agravá-la; usar uma dosagem insuficiente ou excessiva; utilizar o medicamento por período curto ou prolongado demais; tornar-se dependente do medicamento; combinar fármacos que não podem ser misturados; e desenvolver alergias.

“Muitas pessoas não fazem idéia do quanto é arriscada a utilização indiscriminada dos analgésicos e antiinflamatórios, porque a maioria é de prescrição livre. O ácido acetilsalicílico (AAS) indicado nos casos de reumatismo e para prevenir problemas cardíacos, se usado na vigência de certas viroses infantis com o objetivo de reduzir a febre, pode precipitar uma lesão hepática grave e culminar em um quadro de encefalopatia”, apontam Ana Letícia Alessandri e Kênia Pompermayer Bosco, da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi) em seu artigo “Os Perigos da Automedicação“, publicado no Diário de Itabira.

A facilidade de acesso, a não exigência de receita para venda de remédios na grande maioria das farmácias e a venda ilegal de medicamentos, especialmente através da internet, são fatores apontados pelos especialistas como grandes contribuidores para a automedicação. Além disso, a propaganda de medicamentos com venda livre (que garantem 30% do faturamento da indústria farmacêutica no Brasil) agrava o quadro. O que os pesquisadores, o Idec e a OMS apontam como medidas para diminuir a automedicação é aumentar o rigor na fiscalização na venda dessas substâncias, e incentivar que os usuários consultem sempre um médico antes de tomar um medicamento.