A medicina tem como princípio básico a busca da saúde e bem estar dos indivíduos e conta com os avanços tecnológicos para desenvolver novas formas de tratamento e cura. Em casos de pacientes terminais ou portadores de doenças incuráveis, o uso da tecnologia pode levar a desconfortos e efeitos colaterais questionáveis, sem resultados positivos. Nesses casos, os cuidados paliativos são uma alternativa, já que minimizam a dor do paciente em prol da sua qualidade de vida. Esse serviço é realizado atualmente em 30 hospitais brasileiros, a maioria por grupos de profissionais nas áreas de medicina, enfermagem, psicologia, fisioterapia, nutrição e assistência social. Muito mais que o fornecimento de analgésicos, oxigênio e soro, os cuidados paliativos levam ao paciente e sua família conforto e acompanhamento físico, psicológico, social e espiritual.
O Hospital do Câncer IV, do Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, especializado nesse serviço faz em média 250 internações domiciliares por dia. Nesse sistema, o paciente é tratado em casa, e vai ao hospital para consultas a cada 15 dias. Quando o estado de saúde não permite, a equipe vai até ele. A qualidade de vida do doente que sai do ambiente hospitalar e volta para suas atividades diárias, em contato com sua casa, família e amigos tende a ser melhor. Essa pratica é a mais recomendada pelos profissionais que trabalham em cuidados paliativos. No HC IV existem também 56 leitos para os casos cuja internação é essencial.
Em fevereiro deste ano foi fundada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos que procura o reconhecimento dessa especialidade na área médica e sua viabilidade junto ao SUS. O órgão ainda não destina verbas diretamente para esse trabalho mas deveria, já que de acordo com a diretora do HC IV e sócia-fundadora da Academia Claudia Naylor, os cuidados paliativos representariam uma economia para o órgão em internações e uso de aparelhos, além da liberação de leitos.
No dia 30 de setembro, véspera do dia mundial de cuidados paliativos, a prefeitura de São Paulo fechou uma casa de cuidados paliativos alegando necessidade de redução de custos aliada à baixa demanda de pacientes – 39, desde junho do ano passado, quando foi inaugurada. Segundo depoimento da superintendente do Hospital do Servidor Público Municipal, Érica Letícia Rodrigues, publicado na Folha de São Paulo, a prefeitura dará assistência domiciliar aos pacientes, que poderão receber os cuidados também na enfermaria desse hospital.
Clínicas particulares por sua vez, não economizam. Em Campinas existe um centro especializado em oncologia infantil que oferece às crianças internadas além do acompanhamento psicológico e atividades lúdicas, aulas das disciplinas escolares e até cursos de informática.
Cuidados na UTI neonatal
Os cuidados paliativos não ficam restritos à oncologia. No Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM -Unicamp), trabalha uma equipe na neonatologia desde 2002. Nesse caso, os cuidados paliativos começam com a chegada do recém nascido à UTI, onde os profissionais não procuram adiar a morte do bebê e nem prolongar sua vida, mas que ela aconteça no tempo certo. É permitido que a família passe o maior tempo possível ao lado do recém nascido, podendo em alguns casos levá-lo para casa. Às famílias que se dispõe, o CAISM oferece acompanhamento psicológico e reuniões de esclarecimento até três meses depois do óbito. Entre janeiro de 2003 e setembro de 2005, o grupo atendeu a mais de 130 bebês, e teve um retorno de 40% das famílias. Um número expressivo para a médica responsável pelo grupo de cuidados paliativos Sílvia Monteiro da Costa. Segundo ela, é nas reuniões de família que os pais entendem as razões do falecimento do bebê.
Nesse hospital também atua há mais de dez anos uma equipe de cuidados paliativos na enfermaria de oncologia, cujo trabalho já foi tema da tese de doutorado da oncologista Nancy Mineko Koseki, em 2002. A pesquisadora propôs a capacitação de profissionais de saúde dos municípios do entorno de Campinas, para que os casos considerados primários (sem necessidade de cirurgia ou internação) pudessem ser cuidados por agentes do próprio município e fossem encaminhados ao CAISM apenas os de maior complexidade.
Até essa época, além de atender aos internos, a equipe de cuidados paliativos fazia visitas domiciliares a pacientes residentes em cidades do entorno, o que desfalcava o corpo técnico da enfermaria e implicava em custos para o hospital. Esse modelo foi implantado em quatro cidades do entorno mas, segundo a pesquisadora, a descontinuidade política e a resistência dos profissionais de saúde impediram o prosseguimento da proposta. O trabalho foi inclusive premiado por um laboratório farmacêutico, no primeiro semestre de 2005.
A equipe de cuidados paliativos em oncologia do CAISM atua apenas com os internos do hospital, que atualmente ocupam seis, dos quinze leitos dessa enfermaria. Os pacientes que recebem os cuidados em casa são acompanhados pelo Serviço de Atendimento Domiciliar da prefeitura municipal, e totalizam mais de 300, representando 60% do total dos pacientes cadastrados nesse programa.
Mesmo com os avanços da tecnologia, a previsão da OMS divulgada no site oncoguia.br é que, até 2015 surgirão 15 milhões de novos casos de câncer por ano, e nove milhões de mortes. A medicina deve estar preparada para atuar em cuidados paliativos, mas para isso é preciso investimento. “Para ampliar o serviço de cuidados paliativos no Brasil, só depende de vontade política” – conclui Claudia Naylor.
Sem esperar o governo
Um projeto idealizado por missionários da igreja católica pretende erguer em Campinas até 2007 um centro para pacientes terminais, através de doações da comunidade e de empresas. O Centro de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos Lotedhal (que em aramaico significa “não temas”) vai comportar 40 leitos, 60% deles para pacientes do SUS e vai funcionar através de trabalho de voluntários que receberão treinamento e capacitação. A obra está em andamento há dois anos, em um terreno próximo ao Santuário Nossa Senhora Desatadora dos Nós e apesar de ser de iniciativa católica, não exclui pacientes de outros credos.