Dança amplia formação cultural

A dança é utilizada como ferramenta pedagógica em instituições de ensino formal e não formal, com objetivos os mais diversos, que não a formação de profissionais. No evento “O artista, a bailarina, a atriz: memórias de artistas que ensinam”, realizado no dia 6 de setembro na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, essas e outras questões foram discutidas.

A dança é utilizada freqüentemente como ferramenta pedagógica em instituições de ensino formal e não formal, como Ongs e associações da sociedade civil, com objetivos os mais diversos, que não propriamente a formação de bailarinos profissionais. No evento “O artista, a bailarina, a atriz: memórias de artistas que ensinam”, realizado no dia 6 de setembro na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, estudantes, pesquisadores, professores e artistas debateram sobre as diferentes formas de ensino da dança e as possibilidades de atuação do artista-professor na sociedade contemporânea.

Para Márcia Strazzacappa, coordenadora do evento e professora da FE, a arte possui um potencial transformador da realidade e a dança, em especial, se diferencia de outras manifestações artísticas por lidar com o corpo de forma mais direta. “Ao nos movimentarmos e expressarmos com o corpo, despertamos sentidos adormecidos, deixamos aflorar nosso inconsciente, ressignificamos ações”, afirmou em entrevista.

A formação ou não de bailarinos está em jogo quando se pensa nas diferenças do ensino de dança praticado em instituições especializadas (academias e conservatórios de dança), escolas de educação formal (ensino fundamental e médio) e nas Ongs. Nas primeiras, forma-se o artista da dança. Já nas escolas a dança entra no currículo como uma linguagem artística a mais no ensino de artes. “Isto quando é oferecida, pois, geralmente, a dança é a última opção das escolas. Por vezes oferecida a contragosto dos meninos (que não querem dançar – é coisa de ‘mulherzinha’). No caso de escolas particulares é a ‘cereja do bolo’, geralmente associada à imagem corporal da mulher”, lembra Márcia Strazzacappa.

Já nos projetos desenvolvidos por Ongs, embora o ensino de dança também explore a beleza visual (que ajuda a mostrar ao mundo seu “produto”), mas se diferencia por exigir muita disciplina e dedicação dos alunos. “Para crianças oriundas de universos que, poir vezes, não têm referências de autoridade, ou afetividade (pai e mãe), ou limites (vivem na rua), a prática da dança auxilia na auto-estima, na consciência corporal, no respeito com o outro (trabalho em grupo). Muitas Ongs optam por trabalhar com a dança por estes motivos, não necessariamente para formar o profissional, mas para aproveitar todo benefício que sua prática proporciona”, avalia a pesquisadora do Laborarte.

Dança e inclusão social

A formação artística deve ser um trampolim para uma formação cultural e educacional mais abrangente, um instrumento de inserção social, defende Clermont Pithan, artista circense residente na França, e um dos palestrantes. E há, na arte, uma característica especial: ela proporciona fruição tanto ao artista quanto ao observador, e não necessita de “objetivos” a serem seguidos para que seja realizada. Por isso ela torna-se um importante instrumento pedagógico, e uma opção profissional.

Entretanto, ressalta Pithan, “para ser um artista a pessoa não depende só de talento. Não basta apenas tocar um instrumento. É preciso utilizar a facilidade que esta nova habilidade confere, como a de aprender a racionar e a escutar melhor, e colocar em prática este aprendizado. Os projetos precisam ter continuidade, ajudando seus alunos a encontrar caminhos para suas práticas”, afirma. E Márcia Strazzacappa completa, lamentando: “já acompanhei projetos que têm dança e música, mas que no final o que dá emprego para o jovem é o curso profissionalizante de auxiliar de escritório”. Para Márcia, faltam estudos e dados que indiquem a eficácia das “portas de saída” destes projetos: como os alunos, depois de formados, observam e vivenciam sua formação artística, como se posicionam no mercado de trabalho e como atentam para as mudanças ocorridas em sua vida pessoal, familiar e social.

Isabel Marques, bailarina e doutora em ensino de dança pela USP, em artigo, discute que, por trás de um ingênuo “plié”, e de outros passos do balé, estão valores culturais, sociais e políticos que precisam ser levados em consideração no ensino. “Trabalhar com o balé clássico na periferia significa levar às crianças e aos jovens posturas, atitudes e comportamentos que muitas vezes contradizem, anulam e menosprezam valores e conquistas da sociedade brasileira contemporânea. Este tipo de ensino exige preparo, consciência e conhecimento na área de educação e, acima de tudo, compromisso social dos educadores”, afirma. Por estes motivos, Marques defende que a dança seja ensinada por profissionais com formação, estudo, reflexão e experiência pedagógica.

Os meninos do Barão

Embora grande parte dos projetos de ensino de dança não focalizem a profissionalização dos alunos, existem alguns que apostam nesse caminho, inclusive tentando viabilizar a inserção dos alunos no mercado de trabalho. Meninos do Barão é um projeto com este perfil. Desenvolvido no distrito de Barão Geraldo, na cidade de Campinas, tem por objetivo a formação de bailarinos profissionais. “Na dança existem poucos homens e muitas mulheres, 1 para cada 500, aproximadamente; as academias estão lotadas delas. No final de ano, elas se apresentam e os príncipes nunca chegam; seja porque é muito caro formar-se em dança, seja porque estamos num país machista e preconceituoso”, afirma Beto Regina, bailarino, pedagogo, e coordenador do projeto, que conta com alguns sócios contribuintes, e recursos dos cachês artísticos.

No projeto os meninos da periferia de Campinas formam-se em dança profissionalmente. O curso é gratuito, com duração de seis anos. Os alunos contam também com aulas de reforço escolar, e apoios de saúde especializados. Além de auxílio para transporte, refeições na escola, material de higiene pessoal, e atendimento às famílias com cursos para a geração de renda.

O objetivo do projeto é propiciar a conclusão do curso quando os garotos atingem 18 anos e tentar inseri-los no mercado de trabalho.“Mandamos os meninos tirarem o DRT [registro profissional na Delegacia Regional de Trabalho]; encaminhamos para audições em companhias profissionais de acordo com o perfil de cada um. A partir daí, tendo um emprego fixo, salário garantido, ele passa a ser um sócio contribuinte, dando parte do salário para o projeto e os novos meninos”, explica o coordenador. Dois bailarinos formados pelo projeto atuam profissionalmente na Companhia de Dança do Amazonas, em Manaus.