A produção audiovisual do Teatro Oficina, tradicional teatros paulistano, representa uma das fases mais ricas e ocultas da história do grupo e seu diretor, José Celso Martinez Corrêa. É o que mostra a pesquisadora Isabela Oliveira em pesquisa realizada na USP.
A produção audiovisual do Teatro Oficina, tradicional teatro paulistano, representa uma das fases mais ricas e ocultas da história do grupo e de seu diretor, José Celso Martinez Corrêa, ou simplesmente Zé Celso. É o que mostra a pesquisadora Isabela Oliveira, mestranda em antropologia, em sua dissertação, Bárbaros Tecnizados: Cinema no Teatro Oficina, que será defendida em março, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Sob orientação da antropóloga Fernanda Peixoto, o estudo revela um período em que o teatro Oficina caracteriza-se como espaço de experimentação artística no cinema e na TV e mostra o grupo como uma entidade que se refaz em vários momentos de sua trajetória, dialogando com o espaço e com a memória, por meio de novas formas de comunicação.
Sediado no bairro do Bixiga há 46 anos, o Teatro Oficina distinguiu-se por ter absorvido, na década de 60, toda a experiência cênica internacional. Neste lugar foi lançado o que na cultura brasileira ficou conhecido como tropicalismo, estética ligada ao movimento antropofágico de Oswald Andrade e que influenciou músicos, poetas e outros artistas.
Entre as décadas de 1970 e início de 1990, a produção de peças do grupo Teatro Oficina diminui, dando espaço a produção de filmes e documentários. Uma das experiências mais reconhecidas do Oficina no cinema é a versão da peça O Rei da Vela, de 1967, também de Oswald de Andrade. “A partir da década de 60, o teatro brasileiro já era bem mais do que entretenimento e pode aspirar a uma atuação formativa e crítica sobre a cultura. A montagem de O Rei da Vela, legitimou a presença do Oficina na cena política e veio ao encontro de outras perspectivas sobre o Brasil pós-64, nas quais predominavam as críticas à postura engajada e questionamentos à construção da resistência democrática”, explica a crítica teatral e pesquisadora Mariângela Lima.
A dissertação de Isabela Oliveira se debruça também sobre a produção de documentários durante o exílio político de Zé Celso, no período militar e pode ser uma fonte rica para futuras pesquisas. A pesquisadora analisou e catalogou mais de mil horas de gravações na casa do diretor, de 1970 até 1994. “Foi a fase considerada subterrânea do grupo, quando não ocorreram montagens. A dissertação cobre essa lacuna biográfica, mostrando que foi um período muito produtivo, mas esquecido. Oliveira afirma que então ocorria no Brasil um aparente esgotamento ou esvaziamento da produção teatral, quando na realidade foi um período muito criativo quanto à elaboração de novas propostas artísticas e estéticas e novas formas de comunicação com o público. Durante esse percurso, o Oficina chega a romper radicalmente com as formas convencionais do fazer teatral.
Após o período da ditadura, a dissertação revela a segunda provação de Zé Celso, a partir dos anos 80, quando disputa o espaço do teatro com o empresário Sílvio Santos, que pretende construir um shopping na área. Sem dinheiro para comprar o imóvel, Zé Celso adquire um equipamento de vídeo e cria a TV Uzyna. O diretor passa a registrar em documentários a luta do Oficina para manter-se no local. Mesmo com o shopping, o espaço do teatro é respeitado e totalmente reformado.
Oliveira destaca a importância dos trabalhos em vídeo, já que o projeto da TV contou com a participação de jovens artistas. “A experimentação e a diluição das fronteiras entre a ficção e a não-ficção foram marcantes na equipe. O vídeo passou a ter um papel importante nos espetáculos ao permitir que o público acompanhasse tudo o que acontecia em cena, quando os eventos aconteciam em diferentes espaços do teatro, por exemplo”, diz ela.
A pesquisadora ainda ressalta que hoje o grupo comandando por Zé Celso é um dos mais “antenados” com as vanguardas artísticas e as novas linguagens tecnológicas, mas sem se esquecer do passado. O épico Os Sertões, montagem do romance de Euclides da Cunha, que o Oficina voltou a apresentar neste ano, é um exemplo e rompe barreiras de tempo e espaço, com apresentações de longa duração, uso de recursos multimídia e transmissão pela Internet.
Para Zé Celso, a nova fase do Oficina representa inovação: “Estamos vivendo uma nova história como um teatro musical, lugar de mistura do digital com o real – nós já transmitimos ao vivo pela internet, o que é inovador. Por outro lado, somos um terreiro tropicalista, e o tropicalismo hoje em dia está sendo levado em consideração pelas vertentes de pensamento mais ricas do mundo”, afirma o dramaturgo.
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