Dois projetos estão utilizando a capacidade ociosa de computadores pessoais para processar informações sobre moléculas que poderão combater a dengue e a malária: o Wide In Silico Docking on Malaria (WISDOM), desenvolvido pelo Instituto Fraunhofer da Alemanha em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), e o projeto sueco Dengue Swiss Bio Grid. A idéia é colocar muitos computadores em rede para que simulem quais componentes serviriam de remédios para as doenças.
Dois projetos estão utilizando a capacidade ociosa de computadores pessoais para processar informações sobre moléculas que poderão combater a dengue e a malária: o Wide In Silico Docking on Malaria (WISDOM), desenvolvido pelo Instituto Fraunhofer da Alemanha em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), e o projeto sueco Dengue Swiss Bio Grid. A idéia é colocar muitos computadores em rede para que simulem quais componentes serviriam de remédios para as doenças.
As informações são distribuídas entre voluntários que fizerem download dos programas. Como tais cálculos requerem grande capacidade de processamento e como se tratam de doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica, os custos em tecnologia são vultosos e o interesse em pesquisar novos medicamentos é diminuto. Para ultrapassar essas barreiras, a modelagem molecular feita em grid computing (aqui chamada -EÐù-!-ˆ@-E—”˜4‡ˆß í-TŒ—+·-onal”) permite reduzir os custos de investimento e acelerar o processo de pesquisa.
O WISDOM, da Alemanha, calculou em apenas seis semanas o que um único computador, com a mesma capacidade dos utilizados em rede, calcularia em 80 anos. O programa isolou mil possíveis “soluções” para a malária entre 1 milhão de candidatas.
Chave e fechadura
Estruturas tridimensionais de proteínas do parasita causador da malária foram desenhadas com recursos do Enabling Grid for E-SciencE (EGEE), projeto financiado pela União Européia, para simulações de encaixe em receptores protéicos. Esse é um dos dois modos de pesquisa e desenvolvimento utilizados para novos medicamentos. É o que explica Maria das Graças Muller de Oliveira Henriques, vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto de Tecnologia de Fármacos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
No caso da malária, a primeira maneira de descobrir um remédio consiste em conhecer alguma enzima (um tipo de proteína) fundamental para que o protozoário da doença permaneça vivo. É necessário que se descubram substâncias químicas que consigam se ligar à enzima para inibir ou bloquear sua ação, fazendo que o protozoário morra.
O segundo modo de encontrar um medicamento (em nível molecular) é mais específico e, por isso, menos simples que o primeiro. Como em um sistema de chave e fechadura, o pesquisador tem que descobrir um receptor (fechadura) na membrana de uma célula ou na superfície do parasita. Este receptor, quando ativado por determinada molécula química (chave), dispara uma série de sinais internos que leva aquele parasita a se reproduzir, a se multiplicar, a respirar, isto é, a sobreviver. Então, descoberto o receptor (fechadura), é preciso partir em busca de substâncias químicas (chaves) que consigam se encaixar naquela fechadura. A chave encontrada, que seria o medicamento, entraria na fechadura porém não giraria. Assim, o remédio entraria na fechadura ocupando o espaço da chave funcional, mas não “abriria a porta”. Os projetos WISDOM e Dengue Swiss Bio Grid visam encontrar receptores que se liguem a determinadas proteínas para bloquear o sítio ativo das doenças.
Segundo a pesquisadora da Fiocruz, é difícil alcançar o nível de receptor específico no caso da dengue e da malária. “Primeiro, você tem que conhecer a estrutura tridimensional do receptor, para depois você construir uma molécula que se encaixe ali. Nem sempre é um procedimento muito simples. Isso exige um nível de investimento muito grande. Em termos de doenças que já são negligenciadas pela indústria privada, fica mais difícil ainda”, diz a pesquisadora. De acordo ela, a pesquisa em nível molecular é muito utilizada para outras doenças, mas a modelagem no Brasil ainda não está voltada ao desenvolvimento industrial de nenhum remédio.
A indústria farmacêutica brasileira começou a investir em novos medicamentos somente nos últimos anos. O país não teve nen—ºE-… --‰Ãø—à-ì—ðD-ì ,Ê-;ica registrado até hoje. Em 2005, tivemos o primeiro fármaco cientificamente validado – Acheflan, um fitoterápico da Aché.
Doenças negligenciadas
Os pesquisadores europeus escolheram a dengue e a malária porque são deixadas de lado pela indústria farmacêutica, juntamente com outras doenças tropicais (como o mal de Chagas, a leishmaniose e a doença do sono). Hoje, a forma de combater a dengue e a malária é impedir a picada e a reprodução de mosquitos transmissores. As drogas usualmente utilizadas combatem os sintomas, mas não garantem proteção total contra as conseqüências letais das enfermidades.
Devido à falta de pesquisa e desenvolvimento de remédios, mais de 11 milhões de pessoas, a maioria da África, morrem dessas doenças a cada ano. No Brasil, o Ministério da Saúde registrou 1.960 casos de dengue somente na primeira metade do mês de janeiro. De acordo com dados da organização internacional Médicos Sem Fronteira (MSF), dos 1.393 remédios aprovados nos últimos 25 anos, apenas 13 tratam de doenças tropicais.
Maria das Graças Henriques, da Fiocruz, concorda com organizações como a MSF no que diz respeito à importância da produção de remédios para doenças negligenciadas. Entretanto, afirma que não é clara a necessidade de se desenvolver um medicamento antiviral para a dengue. A pesquisadora explica que em três dias a carga viral já diminui e o organismo infectado se recupera sozinho. O problema está em infecções posteriores, quando o organismo reage de forma excessiva. Os sintomas secundários são graves e podem levar à morte. “ O ideal seria uma vacina ou um tratamento que controlasse os sintomas secundários da dengue grave”, diz.
A dengue, apesar de não atrair interesse da indústria farmacêutica, não está no quadro das doenças negligenciadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Para Maria das Graças Henriques, a doença deveria entrar nas tabelas da OMS, com o objetivo de encontrar imunoreguladores que tratassem das conseqüências das repetidas infecções. Existem hoje dois projetos de desenvolvimento de medicamentos para a malária em Farmanguinhos e um para a dengue, organizado pela Fiocruz, este em fase de estudos bastante preliminares.
Tecnologia a serviço da ciência
Muitos projetos do que se chama distribuição computacional, grid computing ou network computing, estão em desenvolvimento atualmente em diversas áreas do conhecimento. O mais conhecido é o SETI@home, que analisa dados do radio telescópio de Arecibo (Porto Rico) em busca de sinais de inteligência extraterrestre. O programa está em 5 milhões de computadores em todo o mundo e já usou o processamento equivalente a 1 milhão de anos caso estivesse em um só PC.