Tese analisa o potencial educacional dos games

Estudos revelam que os jogos eletrônicos desenvolvem as habilidades dos jogadores e podem também colaborar no preparo para o mercado de trabalho. Os pesquisadores sugerem até mesmo a inserção dos games no contexto escolar.

Estudos realizados tanto no Brasil quanto em países como os Estados Unidos revelam que os jogos eletrônicos desenvolvem as habilidades dos jogadores e podem também colaborar no preparo para o mercado de trabalho. Os pesquisadores sugerem até mesmo a inserção dos games no contexto escolar. A tese de doutorado denominada Games: contexto cultural e curricular juvenil, defendida por Filomena Moita, professora e pesquisadora da Universidade Estadual da Paraíba, analisa o currículo implícito nos games, ou seja, a produção de saberes, habilidades, competências, valores, atitudes e comportamentos, mediados pelos jogos. O estudo revelou que os games, enquanto espaços de escolhas mais espontâneas, de lazer, de currículo não impositivo, conseguem esclarecer melhor as áreas de interesse e de aprendizagem dos jovens.

Filomena entrevistou frequentadores de Lan Houses – locais onde as pessoas se reúnem para jogar em computadores – nas cidades de João Pessoa (PB) e Lisboa, em Portugal. Os dados coletados permitiram identificar que o contexto dos games possibilita um espaço de aprendizagem, de construção de um currículo aberto e autônomo, ligado ao prazer, à subjetividade e à simulação. “A investigação convida para uma visão mais ampla sobre as possibilidades do uso do game na educação. A lógica e os atrativos motivacionais dos jogos sugerem um caminho a mais para a educação”, afirma Filomena.

Através das falas dos jogadores, a professora identificou as seguintes características providas pelos games: raciocínio lógico, agilidade de pensamento, maior atenção, reflexão, planejamento, organização, curiosidade, criatividade, compromisso e, finalmente, aprimoramento de conteúdos como inglês, literatura, história e geografia. “O discurso dos entrevistados revela ainda uma aprendizagem em rede, pluralista, diversa, harmônica, flexível, lúdica, processual, aberta, em oposição ao modelo pedagógico escolar de ordenamento linear, seqüencial, mensurável, previsível e contínuo”, diz a pesquisadora.

De acordo com Roger Tavares, que defendeu doutorado com a tese Videogames: Brinquedos do pós-humano na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, as pessoas são facilmente seduzidas e estimuladas por conteúdos multimídia interativos, mas a importância da utilização dos games como meio para a educação vai além da interatividade e perpassa pelo “aprender com prazer”.

Para Roberta Cruvinel, game designer – roteirista de jogos – da desenvolvedora Délirus Entertainment, de Campinas (SP), a interação envolvente dos jogos faz com que alunos prestem mais atenção na matéria e absorvam mais os conteúdos. “Mas os jogos educativos em si ainda estão em uma forma muito clássica, onde existe muita informação fora da estrutura de diversão do jogo. Diversão, no sentido do jogador ‘entrar’ no personagem e realmente se sentir imerso no mundo do game. A imersão pode ser a grande vantagem da utilização do jogo na educação”, defende.

Em relação às formas de aprender, o estudo de Filomena revela o game como um novo meio que prepara para uma aprendizagem crítica, que envolve o entender e o produzir saberes, os quais apontam para a construção de novas sociabilidades e identidades. “Essa é uma aprendizagem necessária para o mundo em que vivemos, repleto de novas tecnologias e conseqüentes transformações sócio-estruturais, emocionais, de linguagem e de comportamento”, destaca Filomena. “O advento da hiper-realidade eletrônica tem revolucionado as formas pelas quais o conhecimento é produzido e as formas como a juventude aprende a apreender”, completa. Roberta Cruvinel, com 23 anos, é um exemplo: ela joga no mínimo uma hora por dia no seu videogame portátil e está sempre atenta às novas tecnologias. “Os jogos despertam a curiosidade até pelo que está por trás deles, as ferramentas e metodologias que levaram à sua construção”, explica.

Esta é justamente a conclusão da tese de Filomena: a de que os games oferecem a possibilidade dos jogadores se integrarem às mudanças tecnológicas, e ao mesmo tempo, lhes proporcionam novos saberes, os quais se revestem de um “novo currículo” que se estrutura fora das escolas, em espaços como as Lan Houses. “As cores, as imagens e o movimento dos games exercem fascínio e os jovens ficam horas e horas com sua atenção capturada, rendidos ao encanto. Tudo isso converge para um currículo resultante de atividades de constante produção e reprodução, de montagem e remontagem”, diz a pesquisadora. “A possibilidade da contribuição dos jogos para eliminar pequenas brechas de acesso ao mundo tecnológico já é uma forte e poderosa razão para que a lógica dos games seja estudada pela comunidade escolar”, continua. Para Filomena, o desafio que se coloca às escolas é vencer a tradição e caminhar para a aplicação das novas tecnologias e até mesmo dos games, de modo a conciliá-los com os conteúdos escolares.

O professor norte-americano David Williamsom Shaffer, da University of Wisconsin-Madison, autor do livro How Computer Games Help Children Learn, incentiva as escolas a considerarem o uso de videogames como ferramentas educacionais que podem preparar as crianças para o futuro mercado de trabalho. Também considerando o game uma tecnologia do cotidiano, Shaffer destaca a capacidade de inovação daqueles que jogam e também ressalta a possibilidade de se aprender conteúdo de biologia, história ou física, por exemplo, através dos games. Segundo ele, o game prepara o estudante para a inserção no mundo tecnológico, base para a atuação no mercado da era digital. O pesquisador norte-americano e sua equipe desenvolveram uma série de jogos de formação, denominados Epistemicgames, que ajudam estudantes a aprenderem a pensar como engenheiros, jornalistas, arquitetos e outros profissionais.

Já o brasileiro Roger Tavares, através da comunidade GameCultura, de sua responsabilidade, também experimentou as possibilidades dos games na educação. O jogo Gate 3 – uma modificação de jogos de tiro – foi aplicado à comunidade, sendo que, ao fim de cada missão, era apresentada ao jogador uma tela com sua performance. Como resultado, constatou-se que diversos jogadores se recusavam a avançar para a próxima missão ao verem que sua performance não havia sido satisfatória. Eles retornavam por conta própria ao início da missão para refazê-la. “Atitude esta muito diferente de casos que podemos observar na escola, quando o aluno aceita a sua nota e não se preocupa em tentar refazer ou melhorar a sua performance escolar”, diz Tavares.

Uma enquete da GameCultura aponta que a maioria dos usuários da comunidade acredita nas possibilidades geradas pela inserção dos games no currículo escolar. No Brasil, a Rede Brasileira de Jogos e Educação reúne estudos e interesses de pesquisadores, profissionais e estudantes que desejam ampliar e socializar investigações e experiências sobre a relação entre jogos e educação. A entidade também fomenta a criação, o desenvolvimento e a popularização de jogos como mediadores do processo de ensino-aprendizagem.