Um documento que expressa o intuito de melhorar a captação de dados sobre as populações indígenas foi redigido em conjunto no III Seminário de Demografia dos Povos Indígenas no Brasil, organizado pelo Núcleo de Estudos de População (NEPO) durante as comemorações de seus 25 anos. Na redação deste documento estavam presentes representantes de várias organizações, dentre elas, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) e pesquisadores do NEPO e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, ambos da Unicamp.

Da esq para dir: Gersem Baniwa (COIAB), Marta Azevedo (NEPO), Zélia Bianchini (IBGE), Nilza Martins Pereira (IBGE).
Marta Maria do Amaral Azevedo, pesquisadora do NEPO e organizadora do seminário, afirma que o documento tem valor científico, moral, político e ético. “Este documento – diz ela – é uma tentativa de aperfeiçoamento das informações estatístico-populacionais sobre os povos indígenas, para melhorar o censo 2010 e contribuir com as políticas públicas para os povos indígenas”. Azevedo destaca que o seminário conseguiu agregar representantes de várias instituições que trabalham com pesquisas sobre povos indígenas, dando força às recomendações presentes no documento.
Uma das recomendações da carta-compromisso é a participação de indígenas em todo o processo censitário, desde o planejamento até a divulgação dos resultados. Gersem dos Santos Luciano Baniwa, da COIAB, aponta que a inclusão de recenseadores indígenas tem um saldo positivo em seus processos de formação. Ele afirma que na região amazônica há dúvidas sobre se as pessoas efetivamente chegam nas áreas remotas para fazer o recenseamento, já que até hoje os recenseadores têm sido não-índios que provavelmente têm mais dificuldade de ter acesso a essas regiões. Daí a insistência para que os índios sejam treinados e façam parte da coleta de informações. “Isso não só porque falam a língua – diz Gersem – mas porque conhecem e sabem onde estão as comunidades e aldeias. Isso facilitaria e daria muito mais confiança ao resultado obtido”.
A expectativa é que com a obtenção de dados e informações mais adequados, seja possível pensar políticas públicas que expressem melhor as necessidades desses povos: “É preciso ter mais clareza sobre a cara do país – diz Gersem. Até agora o que se tem é uma falsidade neste rosto. É um dever moral trabalhar com essas informações e recuperar a cara brasileira”. Por isso, a divulgação dos resultados do censo nas comunidades indígenas através, por exemplo, de materiais didáticos, também é entendida como fundamental e consta como outra recomendação da carta redigida durante o seminário. A posse destes dados e informações é um instrumento para os povos indígenas.
Diferenças embaralham necessidade de medida comum
Nilza Martins Pereira, do IBGE, aponta que o grande desafio para o censo de 2010 é de que modo será aplicada a democracia aos povos indígenas, dadas as dificuldades próprias do processo de medição: “Os censos requerem padrões de medidas comuns. A questão que se coloca é como poderemos obter a especificidade do segmento indígena, já que nem sempre o que é singular estará à vista e aparecerá de imediato na observação”.
Esta dificuldade ainda não solucionada não afastou a expectativa de que a obtenção de dados trará maior visibilidade aos índios. De acordo com Gersem, a chegada dos recenseadores significa para os índios uma possibilidade de terem visibilidade e serem percebidos como cidadãos.
Dados de 2005 da Funai apontam que o número total de índios hoje no Brasil é de 358 mil, distribuídos por 215 etnias, falando 180 línguas diferentes. Em 1500, na época do descobrimento, a estimativa é de que estes números eram bem maiores: mais de 5 milhões de índios viveriam em solos brasileiros, distribuídos em 1400 etnias, falando 1300 línguas diferentes. A chegada dos povos europeus dizimou a maior parte desta população e deixou como herança uma trágica e progressiva perda de sua identidade. “Existem hoje povos que estão indo à academia pesquisar a possibilidade de voltar a falar a própria língua”, aponta Gersem. Obter dados mais precisos, mostrar quem são, onde estão, e dar suporte às políticas públicas que visem estas comunidades, Da esq para dir: Gersem Baniwa (COIAB), Marta Azevedo (NEPO), Zélia Bianchini (IBGE), Nilza Martins Pereira (IBGE).enfim, lançar luz sobre a cultura indígena significa ajudar a recuperar sua identidade e cidadania.
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