Falar em “Medicina Baseada em Evidências” – MBE – agora é moda em cursos, congressos e seminários médicos. O termo está se popularizando até mesmo em consultórios, mas o público em geral ainda não sabe do que se trata. Desenvolvida por pesquisadores canadenses, na década de 80, a Medicina de Evidências contrapõe-se à educação médica tradicional e questiona a figura do médico como um sábio detentor da verdade sobre a saúde do paciente. “A MBE não baseia-se apenas na dedução de observações ocasionais, e nas opiniões da autoridade dos grandes mestres, mas propõe que toda intervenção seja orientada pelas evidências obtidas a partir de experimentos científicos bem conduzidos”, diz Otávio Clark, do Núcleo Brasileiro de Oncologia Baseado em Evidências e consultor de convênios médicos. No entanto, a aceitação deste princípio envolve ua série de controvérsias, como a de que as pesquisas médicas não são “neutras” e, portanto, não podem proporcionar uma garantia total ao paciente.
A Medicina de Evidência popularizou-se nas universidades e faz parte da formação dos novos profissionais da área. Um exemplo simples pode mostrar seu funcionamento na prática: quando um médico indica antibióticos para um paciente, está se baseando em pesquisas que demonstram a evidência de que a maioria das pessoas tratadas desta maneira consegue obter a cura. A mesma comparação serve para um determinado exame preventivo. Se grande parte das pesquisas mostra que ele só é necessário a partir dos 50 anos, esse será o procedimento adotado na área. O objetivo é tomar a decisão médica a partir do maior número de informações, baseadas em artigos científicos especializados.
As autoridades de saúde, convênios médicos e planos de saúde são grandes defensores do método, porque almejam a padronização dos atendimentos para redução de custos e controle sobre terapias e exames. “Hoje, cerca de 25 mil revistas médicas são publicadas no mundo, mas menos de 10% dos artigos oferecem informação válida ou confiável”, defende Clark. “As técnicas da MBE recuperam na literatura os melhores e mais confiáveis resultados de estudos clínicos, para se definir o que é mais eficaz e mais seguro para os pacientes”.
Entretanto, nos últimos anos, muitos médicos já começam a questionar a sua aplicação generalizada. Eles argumentam que a falta de evidências dos benefícios de certos tratamentos não pode ser considerada uma prova de ineficácia, além disso, o organismo de cada indivíduo possui certas peculiaridades – o que não funciona para um pode dar certo para outro. Além disso, a técnica para a seleção de informações, em muitos casos, não seria totalmente neutra, porque envolveria interesses, por exemplo, da indústria e dos convênios que pagam médicos para fazerem pesquisas voltadas a seus produtos. “Sou contra o uso indiscriminado da Medicina de Evidências, que tem sido apropriado de maneira equivocada pelos convênios e planos de saúde”, diz o médico intensivista do Hospital Oswaldo Cruz, com doutorado na USP, Carlos Eduardo Pompilio.
O pesquisador conta que já foi um “evidence-boy”, com estatísticas na ponta da língua, mas hoje critica seu uso sem bom senso. Desde que começou a atender seus próprios pacientes, percebeu que os dados matemáticos não resolvem tudo. Para o médico, a M.B.E é uma ferramenta importante porque exige a comprovação rigorosa da eficácia de tratamentos, desde que não seja utilizada de forma equivocada. “É preciso se perguntar de onde vêm as evidências, porque muitas pesquisas são financiadas por laboratórios e convênios”, diz Pompilio. Em sua opinião, muitos médicos não usam a sensibilidade na avaliação do paciente. “O ser humano não é apenas um número, se a Medicina de Evidências explicasse tudo, não existiria efeito placebo (paciente curado com pílula de açúcar ou farinha)”, conclui.