Pesquisa identifica desertificação na nascente do rio Araguaia

Areais de até 367 quilômetros quadrados indicam o crescimento da desertificação na região da bacia do Araguaia. O pasto e a soja estão entre os culpados pelo problema que está sendo estudado por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás.

Um trabalho da Universidade Federal de Goiás (UFG) acompanha há mais de uma década o processo de desertificação na parte sul da Alta Bacia do Rio Araguaia, situada na entre os estados de Goiás e Mato Grosso, e mostra que o problema vem aumentando. Os principais vilões são a monocultura da soja e a formação de pastos para a criação de gado que extinguem a vegetação nativa.

A geógrafa Rosane Amaral Alves da Silva, especialista em erosão e desertificação de solos do Laboratório de Geologia e Geografia Física (Labogef) participa do projeto e explica como a desertificação está ocorrendo. “Com o tempo essas áreas são abandonadas e, com a remoção da cobertura vegetal, se transformam em areia pura”, diz Silva. O grupo de pesquisa é coordenado pela geógrafa Selma Simões de Castro, também do Labogef, unidade pertencente ao Instituto de Estudos Sócio-Ambientais da UFG. Castro é especialista em estudo de solos e coordenadora geral das pesquisas sobre desertificação no Cerrado e no estado de Goiás.

O período focado por Silva em seu estudo na nascente do rio Araguaia coincide com o aumento da produção de soja na região, atividade que, segundo a pesquisadora, pode ajudar a acelerar o aquecimento global. A geógrafa conta que nas fotos aéreas de 1965 e nas imagens de satélite entre 1970 e 1980, não há nenhum areal visível, o que permite afirmar que o processo de desertificação teve início no fim da década de 80 e se prolongou durante a década de 1990. Porém, imagens de satélite mais recentes de 2000, 2003 e 2005, já mostram areais de até 367 km2 indicando, portanto, processo de desertificação. Para medir a velocidade do fenômeno, as pesquisadoras usaram imagens do CBERS, satélite sino-brasileiro, e do norte-americano Landsat. São feitas também perícias nos locais afetados para dimensionar os problemas ambientais.

As análises das imagens mostram a formação de grandes areais esbranquiçados, de areias soltas, progressivamente estéreis, ou seja, de difícil sobrevivência para as plantas, mesmo das pastagens. As pesquisadoras afirmam que o processo também forma grandes voçorocas (erosões que rasgam a terra até atingirem o nível freático) e logo após vem o assoreamento do rio. A enxurrada e os caminhos subsuperficias das águas infiltradas arrastam a areia solta para dentro dos rios e encostas trazendo graves conseqüências para o meio ambiente. Além disso, a degradação do solo aumenta a área improdutiva, agravando o problema de produção de alimentos.

Silva afirma que para evitar a desertificação seria necessário, além de divulgar as áreas que estão sendo afetadas e as possíveis causas, fazer também um trabalho de conscientização dos agricultores e pecuaristas e incentivar o plantio de vegetação nativa nas áreas arenosas, porque a cobertura vegetal protege o solo contra a erosão e pode contribuir para sua recuperação. “Poucos produtores de soja se preocuparam em fazer a recuperação das áreas danificadas”, diz Silva, “a recuperação dos areais, quando realizada, é feita com replantio de gramíneas, continuando sua destinação para pastagem”.

O impacto da desertificação nas mudanças climáticas do planeta é considerável. Segundo Hama Arba Diallo, ex-secretário-executivo da Convenção Internacional de Luta contra a Desertificação (UNCCD), 4% do total das emissões globais são produzidas em terras secas, como resultado da desertificação e das conseqüentes perdas de vegetação. Isso gera um aumento das emissões de gases causadores do efeito estufa e uma redução da absorção de carbono por falta de vegetação. Esforços de recuperação de terras degradadas através da restauração da vegetação nativa podem ajudar a alcançar rápida e eficazmente resultados combinados para combater a desertificação e o aquecimento global ao mesmo tempo.

De fato, a desertificação não pode ser vista de forma isolada. Em um encontro de cúpula realizado em Lisboa, em dezembro passado, analistas da União Européia admitiram que é preciso usar os progressos de forma unida, para conseguir, ao mesmo tempo, inverter o avanço da desertificação, melhorar as condições micro-climáticas e reduzir a degradação dos solos. Para tanto, segundo o documento feito no encontro, é fundamental, entre outras medidas, “melhorar os conhecimentos em matéria de degradação e desertificação das terras; promover a gestão integrada dos recursos naturais e conservação da diversidade biológica; abordar os problemas da degradação das terras e da aridez crescente de forma a responder às necessidades locais e a tirar partido dos esforços e dos sucessos locais e individuais”.