Uma das maiores dificuldades enfrentadas por aqueles que atuam no ramo de alimentação é garantir a qualidade e higiene das hortaliças. Para facilitar essa tarefa, uma estratégia bastante empregada em países desenvolvidos é o emprego de alimentos minimamente processados, tecnicamente denominados MP, aqueles que um consumidor do varejo encontra nos supermercados, já selecionados, descascados ou cortados, limpos ou apenas pré-lavados e embalados, que apresentam características de produtos frescos. Eles também são fornecidos em sistema de atacado para restaurantes.
É uma opção benéfica para todos: ganha a processadora desses alimentos (já existem no Brasil empresas especializadas nesse serviço), que agrega valor ao produto; ganha o consumidor, pela possibilidade de acesso a uma alimentação mais saudável; e ganha especialmente o restaurante, por não empregar tempo nem mão-de-obra com essa tarefa, além de reduzir o lixo e o consumo de água, ter um melhor controle do estoque e ainda minimizar o risco de contaminações cruzadas, por contato direto ou via utensílios com outros alimentos passíveis de contaminação, como carnes e frango.
No Brasil, as empresas especializadas em MP surgiram a partir da década de 90. No entanto, seu desenvolvimento por aqui ainda é um tanto restrito. É o que demonstra o estudo “Perspectivas de utilização de hortaliças minimamente processadas em Unidades de Alimentação e Nutrição, município de Campinas”, que está sendo desenvolvido pela aluna de doutorado Kátia Regina Martini Rodrigues, no Departamento de Alimentos e Nutrição da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. O objetivo da pesquisa é verificar o índice de adesão a essa estratégia em restaurantes do tipo self-service e refeitórios de empresas.
Na amostragem da pesquisa, foram selecionados 39 estabelecimentos. Destes, a maioria era de fornecedores de até 600 refeições diárias, e somente dois serviam mais de 50 mil refeições por dia. Foi constatado que apenas 13,2% deles trabalham com pelo menos dois tipos de MPs. Os fatores que contribuíram para essa opção, segundo os gerentes entrevistados, foram a falta de local adequado onde higienizar os alimentos e a falta de mão-de-obra. Porém, mesmo entre os usuários de MPs foi mencionado que havia fatores a serem melhorados para maior disseminação do uso desses produtos, como a segurança e padronização, seguidos pelo preço, a confiança e o número de fornecedores.
Outra verificação do estudo, que inclui entrevistas com seis fornecedores de minimamente processados, é que a venda desses produtos é realizada diretamente aos restaurantes, sem intermediários. Em vista disso, a pesquisadora da Unicamp orienta que antes do proprietário (ou gerente) do restaurante credenciar um fornecedor deve verificar a que processos o produto é submetido (visitar a empresa, conhecer o processo, verificar sua segurança), e posteriormente acompanhar visualmente as entregas (para avaliar as condições do transporte e descarregamento) e, periodicamente, encomendar análises laboratoriais de amostras para verificar possíveis contaminações.
As recomendações se justificam, pois durante o IV Encontro Nacional sobre Processamento Mínimo de Frutas e Hortaliças, realizado em conjunto com o I Simpósio Ibero-Americano de Vegetais Frescos Cortados, em abril, em São Pedro (SP), o engenheiro agrônomo Filipe Feliz Mesquita, diretor comercial da empresa Horta e Arte, apontou em sua palestra fatores que impedem um maior desenvolvimento da indústria de minimamente processados.
O próprio consumidor pode percebê-los quando procura por produtos do tipo nas gôndolas do supermercado: há embalagens que informam que o produto foi selecionado, lavado, descascado e cortado, mas precisa ainda ser higienizado; de que modo, não se especifica. E considerando o fator preço, ele questiona: “Vale pagar mais caro se eu ainda vou ter de lavar?” Isso se traduz, segundo a orientadora da pesquisa, professora Elisabete Salay, na necessidade de uma melhor regulamentação. No entender dela seria necessário especificar a que processos o produto foi submetido, se é necessário lavar novamente antes de consumi-lo e o modo como fazê-lo.
Quanto ao fator preço, realmente, aponta Mesquita em sua palestra, o alimento in natura no Brasil é muito barato em relação ao minimamente processado e ainda não existe uma legislação específica regulando o setor. Entre os fatores apontados por ele como impeditivos para um melhor desenvolvimento dessa indústria é o clima tropical, em que ocorre uma alta incidência de insetos e carga microbiana. Para solucioná-lo, seriam necessárias pesquisas e desenvolvimento de equipamentos e processos adequados para remoção desses organismos.
A inadequação da logística foi também citada por ele, visto que as estradas rurais não oferecem condições para o tráfego de veículos refrigerados e constata-se uma ausência de câmaras frias para estocagem de matéria-prima nas áreas de produção agrícola. A saída apontada por Mesquita seria a operação com cargas compostas: a indústria de processamento mínimo realizaria o transporte junto com outros segmentos que necessitam de refrigeração, como o de frutas, legumes e verduras in natura. O volume das duas demandas possibilitaria o custeio da operação logística.
O agrônomo defendeu ainda que para o desenvolvimento do setor seria necessária a elaboração de legislação nacional específica para minimamente processados, que garanta a qualidade dos produtos e incentive o crescimento do mercado e das boas processadoras; e a auto-regulamentação do setor para a criação de um selo de qualidade e a estruturação de processos de auditoria independente para validar o cumprimento das normas de auto-regulamentação estabelecidas.