Em toda a flora destacam-se pinheiros, araucárias, cedros, palmitos, imbaúbas; na fauna, espécies endêmicas (peculiares à região) de animais, como o sagui-da-serra-escura, e o tamanduá-mirim. A rica biodiversidade do Parque Nacional da Serra da Bocaina, localizada na divisa entre os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (RJ), é foco de um conflito que envolve a pavimentação de um trecho de 9,6 km, que liga os municípios de Cunha e Paraty (ambos RJ). Novamente, como prática local, a aproximação das eleições traz à tona o debate sobre a possível “estabilização” da estrada (como dizem alguns engenheiros), de modo a torná-la trafegável. Essa é uma reivindicação antiga de moradores das cidades vizinhas, bem como de turistas, caminhoneiros, dentre outros “motoristas/passageiros”. Dependendo da pavimentação há o impedimento da infiltração de águas pluviais, levando a região a pesados impactos, conforme o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Parque. O debate se inflama com as diferentes posições de representantes de órgãos federais, estaduais, municipais, e também de ambientalistas e da sociedade civil.Créditos: Ibama (Parque Nacional da Serra da Bocaina)
As “campanhas” pró e contra a pavimentação na trilha Paraty-Cunha são anunciadas há mais de 30 anos, mas não trouxeram qualquer tipo de resolução efetiva tanto para o meio ambiente quanto para os transeuntes, segundo ambientalistas. Apesar disso, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) iniciou o processo de solução para o impasse de anos e contratou em 2001 uma equipe interdisciplinar de 26 profissionais para elaborar o Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Bocaina. O grupo era formado por profissionais de diferentes áreas: biólogos, geólogos, historiadores, arquitetos, economistas, agrônomos, advogados, engenheiros florestais, e engenheiros civis – especialistas em implantação de estradas e na avaliação de impactos ambientais resultantes da via de acesso. Dentre eles, estavam pesquisadores da Unicamp, como Sueli Thomaziello e Rosely Ferreira dos Santos, ambas da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp, e que foram coordenadoras do projeto.
O Plano de Manejo – documento técnico-institucional onde constam diretrizes, normas e diagnóstico do local – foi entregue ao Ibama e há uma cópia oficial na Unicamp, sob o Convênio Funcamp. Entretanto, uma suposta arbitrariedade no uso da documentação causou indignação à equipe que trabalhou para sua elaboração. As coordenadoras do projeto disseram que receberam telefonemas e mensagens eletrônicas denunciando que o encarte 5 deste Plano – que cita a inviabilidade de pavimentação na trilha de 9.600 km da Serra -, tinha sido ignorado por órgãos federais e locais. Nesta mesma denúncia, cita-se que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assinou o Protocolo de Intenções pelo qual o Ibama, o Departamento de Estradas e Rodagem do Estado do Rio de Janeiro(DER/RJ), Superintendência do Ibama do Rio de Janeiro, prefeituras municipais de Paraty e Cunha e a Eletronuclear se comprometiam a pavimentar a Estrada Paraty-Cunha.
Segundo Rosely Santos, embora o Ibama tenha autonomia oficial para mudar as diretrizes do plano, o Instituto não poderia ignorar a conclusão da equipe que desenvolveu o Plano de Manejo, que aponta a inviabilidade da pavimentação da trilha, independente de estar ou não em uma Unidade de Conservação. O anúncio da decisão de pavimentação causou indignação aos profissionais da Unicamp envolvidos, que afirmam, em um documento de esclarecimento público, ter firmado um acordo com os órgãos envolvidos concordando com a decisão na época, em 2001. “Não nos contrapomos às decisões posteriores à entrega do Plano, mas não podemos admitir que o trabalho profissional da equipe seja indevidamente usado”, enfatiza Santos com veemência.
Apesar disso, a campanha “pró” estrada tem sido forte na região e não é de hoje. A trilha já foi embargada por algumas vezes e os municípios vizinhos tentaram firmar um acordo de gerência própria do trecho junto com o Ibama, mas não obtiveram sucesso, conforme conta o diretor do Departamento de Meio Ambiente de Paraty, Sérgio Godoy. Ele é um dos manifestantes pró-ativos da causa: “A estrada existe antes do parque ser instituído e a trafegabilidade também. Por isso, pavimentar o local é um direito da população local. Não há como esquecer isso, os habitantes de Cunha e Paraty usam a estrada para fazerem o intercâmbio. Além disso, o local necessita de vários ajustes, que já foram inseridos no Plano de Manejo e deverão ser feitos”.
Segundo o chefe do Ibama, responsável pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina, Dalton Novaes, houve um equívoco a respeito do assunto, pois o órgão não tomou decisão contrária ao que foi elaborado no Plano. Ele afirma que o DER/RJ se propõe a fazer a melhoria proposta pelo Plano de Manejo, por meio de um projeto executivo para melhor a trafegabilidade no local, mas deverá seguir as prerrogativas e normas do documento de 2001. “Meu compromisso é com a preservação do meio ambiente e vou brigar por isso até quando for preciso. Isso implica em trabalhar sempre a partir do Plano”, ressalta, e acrescenta: “o Protocolo de Intenções enviado a mim no dia 27 de abril, em memorando do gabinete do Governo do Rio de Janeiro, solicita uma nota técnica da chefia do Ibama daqui, ou seja, meu parecer e nisso inclui a não pavimentação”.
Enquanto a discussão ganha corpo o prazo para o vencimento do Plano de Manejo torna-se próximo. Elaborado em 2001, a vigência do Plano termina este ano sem que tenha sido usado para a execução das melhorias propostas (leia mais abaixo). O Plano deverá ser revisado, mas Novaes sublinha que deixará esta ação para o próximo ano. “Haverá uma reavaliação, até porque há critérios que não condizem com a realidade local e que precisam ser revistos. A proposta para 2007 é revisar este plano e convocar diversos profissionais, também aqueles que trabalharam no primeiro projeto para adequarmos as melhorias. Tudo com a maior transparência possível porque o Parque Nacional da Serra da Bocaina é um patrimônio de todos nós”, declara.
Plano de Manejo defende conservação da área
O conteúdo do Plano de Manejo traz uma proposta com vários critérios para preservação do trecho de 9.600 km do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Dentre eles, a instalação de guaritas para controlar o acesso de veículos, impedindo a movimentação de reses, o transporte de madeira, palmito e da fauna da região.
Essas medidas ajudariam a evitar que haja mais desmatamento. Conforme ambientalistas, pelo menos 400 hectares de Mata Atlântica primária foram destruídos por conta da criação ilegal de gado, que chegou a ser engordado dentro dos limites da Unidade.
Embora, sem estudos comprovados, o local criado pelo Decreto Federal 68.172, em 1971, é conhecido por historiadores e pesquisadores como o Caminho do Ouro. Sua área deve ter servido como porta de entrada para os bandeirantes descobrirem minas, já houveram escavações e explorações turísticas. “Há grandes índices históricos de que os bandeirantes passavam pelo trecho. Existem pedras que provavelmente foram colocadas ali por escravos”, observa Sueli Thomaziello, que acredita serem estes aspectos históricos argumentos importantes para que se mantenha a conservação da área.